
Endividar-se para comprar roupa: O que esconde a estratégia “compre agora, pague depois”
Quando entrou na universidade, Hannah Blass recebeu o seu primeiro cartão de crédito. A mulher, hoje com 29 anos, era apaixonada por moda desde a adolescência e viu no novo recurso financeiro uma oportunidade de vestir-se exatamente como sonhava.
“A descarga de dopamina ao ‘colecionar’ peças para construir um estilo aspiracional era extremamente gratificante”, revelou ao site S Moda. No entanto, o prazer era passageiro: apesar de trabalhar 60 horas semanais em dois empregos, acumulou uma dívida de 50 mil dólares canadianos (mais de 33 mil euros) e desenvolveu uma adição às compras difícil de superar.
Hoje, Blass transformou a sua experiência num projeto pessoal. Através do perfil @thestyleaudit no Instagram, fundou um negócio para ajudar outras pessoas a gerir a compulsão por compras. O que tem dúvidas é se teria ultrapassado o vício se, nessa altura, existisse a opção “Compre agora, pague depois”.
Este tipo de estratégia comercial cresceu exponencialmente nos últimos anos, especialmente entre os millennials e a geração Z, que vivem de salário em salário e encontram neste modelo de pagamento uma forma mais acessível de adquirir produtos. Segundo o segmento Cinco Días, do jornal El País, a pandemia impulsionou a popularidade deste método, e, desde que a Klarna chegou a Espanha, já conta com 1,5 milhões de utilizadores ativos no país e 85 milhões globalmente.
A empresa oferece três modelos de pagamento: pagamento integral imediato, pagamento em 3 prestações sem juros e pagamento em 30 dias após a compra. “A popularidade da Klarna deve-se à sua abordagem inovadora e às opções de pagamento flexíveis, contrastando com os altos juros dos créditos ao consumo e cartões de crédito tradicionais”, explicou Alexandre Fernandes, diretor da Klarna para Espanha e Portugal.
No entanto, muitos especialistas alertam para o perigo de endividamento excessivo. Um estudo da Imperial College Business School concluiu que o “Compre agora, pague depois” aumenta em 10% o valor gasto pelos consumidores e torna-os mais propensos a realizar compras por impulso.
“Estes sistemas são empréstimos. Nunca deveríamos endividar-nos para comprar roupa ou produtos desnecessários”, ressalta Blass. A influenciadora nota que suas seguidoras relatam frequentemente terem perdido o controlo dos seus gastos ao utilizarem este recurso para efetuar compras. O New York Times, Business Insider e Forbes já destacaram como as gerações mais jovens estão a acumular dívidas significativas devido ao uso destas plataformas.
Além disso, a consultora Fashion United vai mais longe e questiona se esta poderá desencadear “a nova crise financeira dos millennials”.
A falta de literacia financeira é um dos principais fatores que levam os consumidores a recorrer ao crédito de forma inconsciente.
A Klarna, por sua vez, defende que sua taxa de incumprimento em Espanha é inferior a 1% e argumenta que realiza uma avaliação de crédito em cada transação para garantir um uso responsável do “Compre agora, pague depois”. “A nossa aplicação envia lembretes automáticos para os consumidores sobre os seus pagamentos pendentes, e aplicamos penalizações apenas em caso de atraso”, explica Fernandes.
Nas redes sociais, plataformas como Klarna e Afterpay não são apenas soluções de pagamento, tornaram-se também ferramentas de descoberta de moda e lifestyle que incentivam ao consumo. Segundo o Women’s Wear Daily, estas apps investem em campanhas de marketing atrativas, trabalham com influenciadores e criam experiências imersivas para os consumidores.
Num mundo onde comprar nunca foi tão fácil, Hannah Blass é um exemplo de como a moda e as finanças podem entrelaçar-se de formas inesperadas – e, muitas vezes, perigosas. Para ela, a chave está na moderação e no conhecimento: “Se tivesse aprendido sobre finanças mais cedo, talvez a minha relação com o consumo fosse muito diferente.”