De “gordo” para “inteiro”: Afinal, porque é que as marcas estão a mudar a designação do leite (e o que diz um especialista)

A mudança da designação de “leite gordo” para “leite inteiro” gerou críticas entre consumidores, que veem a alteração como desnecessária. Há quem argumente que a palavra “gordo” descrevia de forma objetiva a maior percentagem de gordura do produto, enquanto “inteiro” pode ser mais ambíguo e até induzir em erro. Para alguns, trata-se apenas de uma estratégia de marketing para suavizar a perceção do produto, em vez de uma mudança realmente relevante para o consumidor.

Além disso, há quem aponte que esta tendência de reformulação de nomes esteja ligada a uma cultura de hipersensibilidade linguística, onde termos simples e descritivos são substituídos por expressões mais genéricas e menos precisas, ou ainda quem destaque a falta de impacto real desta mudança na vida dos consumidores.

Mas será mesmo assim? O que implica realmente a mudança de nome? 

A Mimosa e a Terra Nostra foram duas das marcas – não sendo as únicas – que decidiram adotar a designação “leite inteiro” abandonando a já tão enraizada denominação “leite gordo”. Mas porque o fizeram? A Mimosa justifica que se “trata do mesmo produto, apenas com uma designação diferente” e a mudança não é de agora.

“De facto, já iniciamos este processo de mudança em 2017 – tal como implementado noutros países – com o objetivo de uniformizar a comunicação e facilitar a compreensão dos nossos consumidores”, indicou a Mimosa à Marketeer sublinhando que “não existe qualquer diferença entre o Leite Gordo e o Leite Inteiro”.

Para a marca, “mais do que uma estratégia comercial, a mudança para ‘Leite Inteiro’ é uma forma de comunicar de maneira mais clara e acessível ao consumidor o verdadeiro valor do leite”, isto porque, argumenta, “o leite é muito mais que gordura e é necessário espelhar essa riqueza através de uma denominação correta”.

Já a Terra Nostra justifica que o termo “leite inteiro” está “previsto há vários anos na Legislação como designação alternativa”, tendo sido “adotado com o objetivo de retirar a conotação negativa associada ao termo ‘leite gordo'”.

De acordo com a marca, esta “podia levar o consumidor a percecionar o produto como menos saudável”. Como tal, e de forma a contribuir “para uma maior educação e aceitação por parte dos consumidores, que hoje valorizam cada vez mais produtos naturais e sustentáveis”, a Terra Nostra adotou a designação “leite inteiro” em 2019.

“A nomenclatura ‘inteiro’ incentiva uma compreensão clara dos benefícios do produto, permitindo que os consumidores reconheçam o leite como um alimento completo e equilibrado. São inúmeros os benefícios nutricionais do leite, rico em ácidos gordos saturados de valor nutricional único, vitaminas lipossolúveis A e E, vitaminas B12 e D, essenciais para desenvolvimento cognitivo, sistema imunitário e visão, assim como o alfa-tocoferol (pró-vitamina A) e o betacaroteno (pró-vitamina E) essenciais ao bom funcionamento do organismo”, justifica a Terra Nostra em declarações à Marketeer.

No mesmo sentido aponta a Mimosa que acrescenta que o “leite inteiro é o leite original da vaca, sendo sujeito apenas a um tratamento térmico, enquanto o leite meio-gordo e o leite magro passam também por um processo de desnatamento”.

A Terra Nostra justifica ainda que a mudança segue “uma tendência que se alinha com a valorização crescente de produtos naturais, sendo que cada marca pode decidir se quer ou não adotar essa abordagem”. No caso de Terra Nostra, a decisão “veio acompanhada de um propósito educativo”, ainda que sublinha que, “apesar de não ser obrigatório, o conceito pode vir a ser mais amplamente adotado”.

A escolha do termo ‘inteiro’ não foi motivada por uma questão de inclusão, mas sim pela necessidade de desmistificar perceções erradas sobre o leite ‘gordo’ e comunicar os seus benefícios de forma mais objetiva. No entanto, é verdade que em muitos mercados, como por exemplo EUA, no Reino Unido, na Austrália, o termo ‘inteiro’ já é amplamente utilizado, o que pode facilitar a compreensão global do conceito”, conclui. 

Leite “inteiro” (ou “gordo”) é mais saudável?

Para perceber de que forma o leite “inteiro” pode ou não ser melhor para o consumidor, a Marketeer falou com Pedro Carvalho, professor na Universidade Católica no Porto e nutricionista no Centro Médico Velasquez, que explicou que “chamar ‘inteiro’ em vez de ‘gordo’ é apenas uma questão de cosmética por parte das marcas”.

“O leite sempre foi conhecido popularmente como gordo/meio gordo/magro, mesmo sabendo que 3% gordura no leite gordo não é uma quantidade muito grande, a definição que vem na lei é leite ‘inteiro’, semidesnatado e desnatado”, esclarece o nutricionista.

Aliás, num esclarecimento técnico da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) de 2017, sobre a rotulagem da origem do leite, esclarece-se que se entende por “leite” o leite de consumo definido na parte IV do Anexo VII do Regulamento 1308/2013. Esse regulamento detalha que se considera leite, o leite cru e o leite tratado termicamente inteiro, parcial ou totalmente desnatado, o leite parcialmente ou totalmente desidratado, e o leite reconstituído.

Sobre o consumo diário, Pedro Carvalho afirma que “o ideal será sempre o leite magro e iogurtes magros”, uma vez que “hoje em dia não faltam fontes de gordura na alimentação e, por isso, reduzir a gordura dos lacticínios ao mínimo é o ideal”. O mesmo é válido para o queijo.

“Mesmo para quem pretende aumentar o peso ou massa muscular, optar por outras fontes de gordura como azeite, frutos gordos, peixe gordo ou sementes é sempre melhor do que o leite gordo”, sublinha o nutricionista. O leite inteiro – ou gordo – pode ser solução nos casos de pessoas “em dificuldades económicas e em risco de desnutrição”, como é o caso de idosos, por exemplo, uma vez que as outras fontes de gordura podem ser mais caras. Apenas nestes casos haveria um real benefício de ingerir o leite inteiro.

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