Audiências dos Jogos Olímpicos estão a mudar, mas a TV ainda é o meio com mais retorno

A descida das audiências em Tóquio levou a que se especulasse se o evento desportivo mais importante do planeta poderia estar a perder interesse. Na realidade, o declínio nas audiências televisivas convencionais deu lugar ao aumento nas transmissões digitais.

Os Jogos Olímpicos (JO) de Paris de 2024 começaram há poucos dias, mas a nuvem deixada pelo fracasso de audiências da edição de Tóquio, em 2020, continua a fazer sombra. De quatro em quatro anos, as manchetes que proclamam a morte dos Jogos Olímpicos tornam-se uma tradição, com os críticos a citarem os gastos excessivos e a corrupção como factores, e a baixa audiência histórica como um prego no caixão olímpico.

Será que os JO estão mesmo a sobreviver ou a medição dessa vitalidade está a ser feita com métricas ultrapassadas?

Em 2021, os JO de Tóquio, adiados pela pandemia, viram a audiência da televisão e da Internet ao vivo cair para 3,05 mil milhões de pessoas em todo o mundo. Uma queda de 5% em relação ao Rio 2016 e 15% em relação a Londres 2012. Mas embora os números não mintam, podem certamente induzir em erro. “Extinção” dos jogos pode não ser o termo ideal para se usar. Se se analisar toda a cobertura feita em Tóquio chega-se à conclusão de que “evolução” poderá ser a palavra que melhor define o que se passou no Japão.

Enquanto a audiência da televisão tradicional diminuiu, o envolvimento digital disparou. Os destaques dos Jogos Olímpicos de Tóquio e os clips digitais acumularam 28 mil milhões de visualizações online. Para contextualizar, é mais do dobro dos 11,6 mil milhões do Rio e muito mais do que os 1,9 mil milhões de Londres.

Esta mudança nos hábitos de consumo não é exclusiva dos Jogos Olímpicos. Reflecte tendências mais amplas nos meios de comunicação social e no entretenimento desportivo.

Os adeptos do desporto de hoje, em especial os mais jovens, preferem a televisão on-demand, com hora marcada e os destaques nas redes sociais a transmissões ao vivo de várias horas. Estes hábitos de utilização de dispositivos móveis estão a alterar não só a forma como os adeptos consomem desporto, mas também a forma como se envolvem com ele.

O Comité Olímpico Internacional (COI) tem consciência desta transformação social. Recentemente, o organismo lançou a plataforma “Sports. And More than Sports”, que se centra nas histórias dos bastidores dos jogos. Trata-se de uma tentativa clara de atingir um público mais jovem para os JO de 2024. Colaborações como a da Team USA e a parceria da NBC com a Roblox, bem como o forte investimento das marcas nas redes sociais reforçam essa narrativa.

Mas a estratégia do COI vai para além do marketing. A própria estrutura dos Jogos Olímpicos está a ser refeita para atrair uma nova geração. Em Paris, dos 329 eventos, em 32 desportos, há vários – que se estreiam ou regressam após a estreia em Tóquio – que estão, claramente, orientados para o público mais jovem. O skate, o surf e até o breakdance são agora modalidades olímpicas, reflectindo o reconhecimento de que os JO têm de evoluir para se manterem relevantes. Mas há mais: o COI revelou há poucos dias que irá acolher os primeiros Jogos Olímpicos de eSports, na Arábia Saudita, em 2025.

Apesar das preocupações com a audiência, os JO de 2024 continuam a ser uma proposta lucrativa para os anunciantes. A NBCUniversal já estabeleceu um novo recorde de receitas publicitárias para Paris 2024, assegurando 1,1 mil milhões de euros em compromissos, com mais de 320 milhões de euros de novos anunciantes. Este fluxo de novo capital publicitário sugere que as marcas continuam a ver valor na plataforma olímpica, mesmo quando esta evolui.

Por outro lado, embora o envolvimento dos telespectadores esteja a mudar, a televisão continua a ser o melhor veículo de difusão dos JO. Mais de 60% das receitas do COI provém dos direitos de transmissão e, provavelmente, a organização está a estudar cuidadosamente o que está a acontecer com a NFL. A liga parece estar decidida a deter todas as janelas possíveis do horário nobre e a estar presente no maior número possível de plataformas de transmissão.

Para assistir a todos os jogos da época regular da NFL, é necessário ter acesso à NBC, CBS, Fox, ABC, Sunday Ticket, NFL Network, ESPN, ESPN+, Peacock, Amazon Prime e Netflix. É uma dor de cabeça para os adeptos mais acérrimos, mas altamente lucrativo para a liga. Cada rede tem de pagar entre 925 milhões de dólares (Amazon) e 2,5 mil milhões de dólares (Disney/ESPN) por ano, prevendo-se que a Netflix pague 138 milhões de dólares por cada um dos jogos do dia de Natal da sua lista. No total, prevê-se que o acordo de 11 anos traga à NFL pouco mais de 100 mil milhões de euros em receitas.

É o melhor exemplo de que o panorama está a tornar-se mais fragmentado, uma vez que diferentes fornecedores detêm os direitos de determinadas faixas horárias de jogo. Mas a NFL provou que, com o produto certo, as ligas podem tirar partido desta tendência. Ao olharmos para Paris e para o futuro, é evidente que a forma como medimos o sucesso olímpico tem de evoluir.

Os números brutos de Tóquio – 3,05 mil milhões de espectadores em directo e 28 mil milhões de visualizações digitais – contam uma história não de declínio, mas de transformação. Estamos a assistir a uma mudança do consumo passivo para o envolvimento activo e da visualização com marcação para a interacção a pedido. Por isso, declarar que os JO estão a morrer com base apenas nas audiências televisivas tradicionais não tem em conta o panorama geral.

 

2 milhões e 700 mil portugueses viram a cerimónia de abertura de Paris

Em Portugal, a Universal McCann, agência de meios do grupo IPG Mediabrands, foi quem analisou as audiências do evento de inauguração dos JO. Em Paris, a cerimónia de abertura dos JO foi atípica face às anteriores edições. Pela primeira vez na história das Olimpíadas, o evento inaugural não aconteceu num estádio, mas no coração da cidade de Paris, ao longo das margens do Rio Sena. Por outro lado, ao contrário do que sempre acontece, que é à noite, a transmissão teve início às 18h30, hora de Portugal, realizando-se ao pôr do sol. Condicionantes que podem, ou não, ter influenciado o número de pessoas que viram o ponto de partida do certame.

No total, o espectáculo contou com uma audiência total de 2 milhões e 792 mil telespectadores, uma audiência média de 819 mil telespectadores, o que representou um share de 21.3%.

Comparando com as cerimónias anteriores  (Tóquio em 2021 e do Rio de Janeiro em 2016), em Portugal, esta foi a mais vista. A hora de transmissão da cerimónia de Paris, que teve início num período pós-laboral, ajudou a impulsionar as audiências e a fazer com que tivesse sido a mais vista das três últimas edições. Das três últimas cerimónias de abertura, vemos que a de Tóquio, que se realizou entre as 12h e as 15h52, hora de Portugal, foi a menos vista com uma audiência média de 361 mil telespetadores e um share de 14.5%. Já a abertura do Rio de Janeiro foi a que verificou um share mais elevado (26.2%), significando que das pessoas que estavam a ver TV em casa, 26.2% estava sintonizado na RTP1.

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