O prémio Carreira, Rocket Science e a Arte Popular
Por Pedro Pires, CEO/CCO da Solid Dogma
Quando cheguei a Lisboa em 1996 fui feliz. Não no sentido da felicidade pessoal, mas no sentido da sorte, de me ter encontrado no sítio certo, no momento certo com as pessoas certas. Isso é felicidade.
A primeira reunião com o Carlos Coelho foi na sala de reuniões da Nova Publicidade em Algés. Não o tinha ainda conhecido, e estava ali para apresentar o meu primeiro trabalho, orientado pela iluminada Maria João Vasconcelos, outra felicidade, a quem a radiante Judite Mota me tinha felizmente entregado.
Na sala estavam (creio eu) também o João Coutinho e o Tiago Guedes, que me tinham proporcionado essa possibilidade de ser feliz.
O que apresentei foi mais ou menos desprezado, mais ou menos criticado, mais ou menos gozado, mais ou menos ponderado, mas desde logo se estabeleceu ali uma relação.
Uma relação cuja principal característica passou a ser a frontalidade, da qual nasceu uma amizade que dura até hoje.
Na base, na Novodesign estavam outros responsáveis da minha futura felicidade, o Mário Mandacaru e o Luís Alvoeiro e claro, o parceiro de vida do Carlos Coelho, o Paulo Rocha.
Creio que é difícil pensar no Paulo e no Carlos como entidades separadas no que à profissão e aos prémios diz respeito. A minha homenagem é aos 2, porque é desse casamento que trata a mais bonita e extraordinária história de amor da nossa indústria.
Passados 38 anos a história tem mais 2 capítulos.
A paixão por aviões e pelo espaço, embora mais vincada no Paulo Rocha, existe desde sempre e claro foi muito acentuada pelo projeto da TAP e posteriormente pelo projeto da SATA.
A Ivity Rocketshop é a reafirmação dos princípios que sempre guiaram a forma como ambos olham para a criatividade e para a vida.
O que fazemos dá trabalho, mas dá mais trabalho se não rodearmos o que fazemos daquilo com que sonhamos.
Qualquer questão que pretenda perceber a função específica do espaço está equivocada de origem. Este é o espaço do que pode acontecer, mesmo que isso já possa ter acontecido, esteja a acontecer ou não tenha sido sequer enunciado.
Existe para abrir espaço na cabeça. Ser criativo significa saber quando desconstruir, quando construir e o que fazer à arte no processo. Significa ter a capacidade de criar coisas que não servem para nada a não ser para nos lembrar aquilo que nunca podemos esquecer nesta profissão. Estamos aqui para inovar, estamos aqui para usar o que foi feito para fazer melhor ou diferente, estamos aqui para acrescentar camadas e histórias e no processo gerar valor económico que nos permita continuar a fazer o que fazemos. E isto não se faz com mentalidade funcionalista. Faz-se com o coração. Faz-se porque gostamos da profissão. Porque amamos a profissão.
O Ooca, Oficina do Olival Contemporary Arts é outro sonho antigo, também ele resultado de uma convicção, esta mais do Carlos, e que tem a ver com a importância que ele atribui às manifestações de arte popular, da qual foi construindo uma coleção, na qual o artista Idalécio ocupa um lugar de grande destaque.
Há um encanto e um fascínio genuíno do Carlos Coelho quando fala do Idalécio, o artista e artesão de Águeda, ele próprio um grande colecionador de arte popular. E há obviamente razões para isso. O seu universo de personagens fantásticas, que mistura espíritos, animais, simbologias tradicionais e humanos, transporta-nos para um espaço sem igual na arte portuguesa e entende-se porque é que para a nova galeria, o Carlos insista em incluir a expressão arte contemporânea. Esta é a arte portuguesa mais profunda, que confiando na intuição que resulta de uma vida a aprender sai das mãos de um mestre da iconografia informal da nossa cultura.
Percebe-se a insistência em resgatar o termo das mãos classistas que o sequestraram e vivem convencidas que ele se trata na verdade de um estilo e não de uma constatação de época. Época em que, como todos sabemos, vivemos tudo ao mesmo tempo.
E é ao mesmo tempo que dentro daquelas portas vive também a exposição do Luís Mileu, que debruça o olhar sobre o próprio Idalécio para criar uma perspetiva e um diálogo com a obra e o homem.
Muito poucas pessoas têm esta prioridade ou são sequer conscientes da importância de tudo isto. Da capacidade de nos reinventarmos mesmo quando tupo parece ter estabilizado num diagnóstico que prenuncia o fim. Da capacidade de encontrar forças, quando existem extrinsecamente forças nocivas, danosas, apostadas em que percamos as nossas.
Da importância de incorporar nas empresas a consciência necessária para produzir aquilo que sendo objetivo, prático, concreto, não é comum, não é parametrizável, não é indexável, mas que gera um sentimento muito especial em quem o faz.
Por certo que não foi objetivamente por isto que a Marketeer atribuiu o prémio carreira ao Carlos Coelho. A alguém que prova ano após ano que essa carreira tem ainda muito para dar, mas é isto que transforma o Carlos Coelho e o Paulo Rocha em exemplos vivos do que é ser um criativo na forma como eu entendo o conceito e a palavra.
Obrigado a eles, à sua paixão por objetos voadores, pessoas, artes e ideias.
Somos todos melhores por causa disso.
Artigo publicado na edição n.º 324 de Julho de 2023