Do fee

Sendo honesto, tenho mais ou menos ideia que a conversa de hoje vai dar fezes (em jeito de Edite, deixem-me referir que fezes não tem singular, que seria o ideal para substituir a palavra “merda”, mas que evitei escrever ali em cima para não ofender ninguém).

Mais que não seja, porque quando toca a falar de dinheiro – e para mais nos dias que correm, em que ele é sistematicamente menos que mais – acaba sempre a cheirar mal. Mas como estou cansado, atrasado (este texto deveria ter sido entregue há mais de duas semanas) e cheio de mau feitio, a verdade é que no fundo, no fundo, quero lá saber o que é que isto vai dar, além dos 2000 e tal caracteres que terá que dar, bem entendido.

Mas adiante.

Quem me conhece (e à minha agência) e já teve o (des?) prazer de por nós ser evangelizado no que toca a modelos de negócio, formas de remuneração da indústria e outros que tais, saberá que não trabalhamos com fees fixos. Entre outras coisas, porque não percebemos bem qual é a sua lógica.

Explicando. Uma agência e um cliente acordam um fee. Fixo. Como se isto fossem parafusos a sair de uma linha de montagem. E depois acontecem – sempre, sempre, sempre – duas coisas: a agência tenta trabalhar menos do que acordou receber, porque essa é a forma lógica de “rentabilizar” o cliente; e o cliente tenta que a agência trabalhe mais do que acordou, porque essa é a forma lógica de “rentabilizar” o investimento que acordou fazer. Percebemos todos que isto é só, só estúpido, certo?

Não? Então esperem que eu continuo.

O que é que acontece a seguir? É simples. E repetitivo, se querem saber a minha opinião. A agência, que invariavelmente acaba a trabalhar mais do que era suposto, ou aparece com o extraordinário conceito do “extra fee” ou deixa os trabalhos a meio. E o cliente, como seria de esperar, fica lixado (para não dizer outra coisa) ao fim do terceiro mês a pagar extra fees, começando a perguntar por que raio lhes paga um fee para começar.

Depois a agência responde que eles estão a pedir mais do que era suposto e o cliente argumenta que é para poder pedir mais trabalho sem estar preocupado com o que gasta que acordou pagar um (lá está) fee.

E agora, já percebemos o ponto, ou vamos continuar a fingir que não? A sério? Ok, ok. Eu continuo. “Então, mas antigamente funcionava, ó gordo”, dirão alguns. E com razão, aliás.

Mas notem: antigamente não era só eu que era gordo (aliás, eu era magro, mas enfim): as vacas (metafóricas) também o eram. E, portanto, os fees eram gigantes e davam para o cliente pedir à vontade e a agência fazer o que tinha a fazer à vontade, acomodando alterações, refinamentos e afins sem se chatearem. Uns ganhavam muito, os outros podiam pedir muito.

Agora, que ganham pouco? Não venham que não tem.

É claro que existirão excepções, com agências perfeitas que não querem ganhar mais do que ganham e clientes exemplo que não se importam de pagar mais do que pagam. No fundo, da mesma forma que, teoricamente, eu hei-de voltar a ser magro um dia.

Há não muito tempo, em conversa com um amigo que, pese embora me adore, acaba sempre a chamar-me nomes quando este tema vem à baila, contei-lhe que tinha dito a um potencial cliente, que me queria pagar um fee fixo (porque é assim que paga à sua agência actual), que não quereria tal coisa, se porventura viéssemos a trabalhar juntos. Ele, como de costume, não percebeu. E eu, que o estive a ouvir e aos argumentos que esgrimiu para trás e para diante, juro por deus (ou outra coisa qualquer, que eu não sou sequer baptizado) que não consegui perceber onde é que ele acha que o que diz faz sentido.

A alternativa, não sendo genial, é pelo menos mais honesta: um projecto, um valor. Em que o cliente sabe exactamente o que está a pagar, e eu sei exactamente o que tenho que trabalhar. Se correr mais, rentabilizo. Se correr menos, perco dinheiro. Já o cliente, como está a pagar um valor por um projecto, não tem como rentabilizar coisa nenhuma e acaba a focar-se naquilo que, realmente, importa: a qualidade do serviço que lhe presto e do trabalho que lhe entrego.

E, dito assim, não só não parece estúpido, como diria mesmo que quase parece inteligente. É ou não é? Vá, confessem lá que eu não conto a ninguém.

Por Tiago Viegas
Partner da The Hotel
tiago.viegas@thehotel.pt

Artigo publicado na edição n.º 259 da revista Marketeer de Fevereiro de 2018.

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