2Monkeys: o balcão onde a alta gastronomia acontece

A cave do Torel Palace Lisboa – bem perto do jardim que lhe dá nome e de frente para o casario da Baixa, as ruínas do Carmo e o rio ao fundo – tem sido residência de projectos gastronómicos com eco na cidade. Só que, agora, o que por ali se faz quer ter voz para além das fronteiras da capital e do País, ou não fosse todo um conceito vencedor, na fórmula e no conteúdo.

Não sei se comece pelo que me conquistou mal entrei ou se pelo que aplaudi durante as três horas que lá estive, sem esforço!

Bem, será pelo princípio então. Sempre gostei de balcões, de me sentar de frente para quem faz e serve. Já houve muitos. Uns fecharam, outros abriram. Só que este é especial. Seja então muito bem-vindo ao 2Monkeys, a sala que só tem um balcão de largura mais do que generosa – que apenas senta 14 pessoas – a circundar a cozinha onde um verdadeiro bailado acontece entre a equipa que ali prepara, noite após noite, a carta desenhada pelo chef Vítor Matos com Francisco Quintas. É verdade, foi isto que me fascinou assim que desci as escadas e me sentei nas cuidadosamente confortáveis cadeiras, de frente para o palco. E assim se percebe por que é que a proposta do restaurante é nem mais do que “Jantar na cozinha”. Onde tudo acontece num ritmo cadenciado, numa equipa de sete pessoas com respeito e reconhecimento de timings e momentos, sem gritos e aparente stress, e onde todos têm os seus minutos para virem à mesa. Desculpem, ao balcão!

Há proximidade e partilha entre quem faz e quem ali se sentou; há passagem de saber e degustação intensa de sabores. Até porque a experiência apresenta-se como sendo de fun fine dining. «Os clientes sentem-se dentro da cozinha e acompanham todo o processo, desde a preparação e empratamento ao momento final», explica o chef Vitor Matos, responsável pelo projecto do Torel Palace Lisbon. Ele, que vai dizendo que por ali não se arrisca, «apesar de se ir arriscando um bocadinho…». Mas sempre, e sempre, fazendo reverência aos produtos da estação e dos dias. Não se estica o tomate para além da sua época, assim como não se usa figo se já não for altura de estar na árvore.

Vítor Matos tem sido assim, há anos. Nos vários projectos por onde tem passado. Chef consultor do Grupo, defende os produtos frescos, o sabor e os das regiões. Transmontano – tinha chegado horas antes de Vila Real e, apesar de confiar em pleno no jovem Francisco, gosta de descer algumas vezes por mês a Lisboa para que nada se perca neste novo projecto –, é de sorriso transparente e simplicidade no trato. Com um percurso entre Portugal e a Suíça, foi por terras de Amarante que conquistou a sua estrela Michelin, sendo ainda detentor de títulos como Chefe Cozinheiro do Ano 2003 (Edições do Gosto), Chefe de Cozinha do Ano 2013 (Prémios Revista Wine), Melhor Cozinheiro de Portugal 2014 (Prémios Arco Atlântico Gastro) e prémio “Chefs de l’Avenir” em 2011, da Academia Internacional de Gastronomia, em Paris.

Seria Amarante, de resto, que lhe haveria de trazer Francisco Quintas, o jovem chef que aos 24 anos assume no 2Monkeys um profissionalismo e maturidade que nos dá a certeza de que, também ele, não demorará muito a ser “estrela”. De resto, é o próprio que se descreve como “ambicioso”, no trabalho. Depois de passar pelo estrelado Aquavit, em Londres, chegou às cozinhas do Boury, na Bélgica, e do De Librije, na Holanda, ambos com três estrelas Michelin, antes de se tornar sous-chef de cozinha no Likoke, em França. Já de regresso a Portugal, acabou por integrar a equipa da Casa da Calçada, em Amarante, antes de viajar até à capital para se juntar ao chef Vítor Matos.

Agora, juntos, fazem-nos voar ao balcão, em pratos que não são apenas bem feitos ou conseguidos; são refinados, como um bordado na mais fina organza. «Respeitamos ao máximo o sabor e realçamos a essência através de técnicas que sejam o menos invasivas possíveis. É uma cozinha de poucos passos, de base Escoffier, onde tudo acontece ao vivo. Queremos dar a conhecer os ingredientes e os fornecedores», partilha Vítor Matos.

O menu é de degustação, e pode ser adaptado às alergias e restrições alimentares de cada cliente – sendo que não há para vegetarianos, mas há a possibilidade de harmonização vínica (100 euros) sugerida pelo sommelier da equipa, Miguel Morais. Eu, como não como carne, tive então direito a um menu do dia adaptado, que aqui lhe conto: em jeito de amuse bouches iniciámos com enguia fumada que se cruzou com beterraba em jeito de pequeno macarron; seguimos com tomate coração de boi em várias derivações e imenso sabor; e fechámos esta primeira etapa com os belos dos espargos, entre verdes, brancos e puré. Até aqui nadinha a opor, apenas a vontade de repetir!

Pequena pausa para repor palato com um pão de trigo barbela ladeado por três manteigas e nova viagem. Chawanmushi de cebola com avelã, noz fermentada, amêndoas e óleo de abóbora foi a primeira experiência – e a que menos aplaudi, apesar de, dizem, ser a mais consensual -, a que se seguiram umas gambas violeta com mirin, endro e limão de imenso sabor. Quase tanto como o dos carabineiros com alho branco e lima kafir que preencheram o prato que viria depois. Mas este mergulho de mar não ficou por aqui: houve pregado sobre puré de couve-flor e pescada de anzol em cima de couve male, pil pil e aipo, de se soltar a posta.

Pois que no doce já só ficámos com a waffle de massa mãe ajudada por um gelado de baunilha e caramelo salgado. E ficámos bem. Muito bem, de conforto no estômago e na alma.

O 2Monkeys – nome que derivou de uma pequena estátua que Vítor Matos tinha em casa, que hoje figura no centro da cozinha, e que se destacou numa conversa por zoom quando o chef trocava ideias sobre o nome a dar ao restaurante – apresenta “dois chefs, duas origens, uma experiência única”. Confirmamos, sublinhamos e aconselhamos, que o que ali se faz é mesmo muito bem feito!

Texto de M.ª João Vieira Pinto

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