Vendedores do Futuro: Precisam-se!
Por Simão Machado, coordenador de cursos CTeSP no IPAM
Se há característica que define o futuro é a incógnita, o desconhecimento, a surpresa. Se o futuro representa a imprevisibilidade, como é possível os profissionais das vendas prepararem-se convenientemente para o desconhecido? Prepararem-se para quê? Quais serão os desafios? Como se poderá desvelar o futuro que neste nosso tempo digital atropela o presente quase sem darmos por isso? Dito de outra forma, como poderemos habitar o futuro a partir do nosso presente?
«O vendedor tradicional, pelo menos em modelos de negócio B2C, está condenado!», disse um aluno numa das minhas aulas. A frase ecoa-me na cabeça (e na consciência…) há demasiado tempo e motivou o impulso para me debruçar sobre o assunto.
A Academia de Vendas (e de Marketing) tem multiplicado esforços no sentido de reinventar o futuro do profissional de vendas para melhor responder aos desafios que a função enfrenta.
Os vendedores estão cada vez mais expostos a uma economia que funciona 24 horas por dia, 7 dias por semana, e que define o trabalhador ideal como aquele que chega primeiro, sai por último e não tem ligações emocionais fora do local de trabalho. Com este enquadramento, o vendedor tem, assim, de se adaptar às circunstâncias em que a venda ocorre e ao tipo de cliente que atende, o que requer um profissional multifacetado e polivalente típico de um canivete suíço.
Mas o que se pede, de facto, ao novo vendedor B2C? Como há-de continuar a desempenhar as suas funções, a atingir objectivos de vendas ou de lucratividade quando os recursos são cada vez mais digitais, os consumidores cada vez mais informados e exigentes e os seus processos de tomada de decisão de compra cada vez mais afastados da influência do vendedor? Como pode o vendedor tradicional, com anos de experiência e várias formações em técnicas de argumentação e persuasão obsoletas, ultrapassar as vantagens aparentes causadas pela digitalização dos processos de vendas, com o comodismo que representa a facilidade de colocação de encomendas, comparação de preços e de produtos, e disponibilidade de stock em loja?
De acordo com um estudo da Consultora Barilliance, em 2017, 17% dos consumidores elege exclusivamente o canal offline para realizar as suas compras (por oposição ao online com um total de apenas 5%), mas quando inquiridos sobre a sua preferência, o offline consegue arrecadar uns magníficos 40%. Este estudo indica as razões que legitimam esta preferência, como o acesso rápido ao produto, ver e tocar no produto antes de o comprar ou a experiência de ter um assistente de loja a auxiliar no processo de compra. A experiência de compra em loja ainda é determinante na modalidade de compras dos consumidores.
No entanto, à medida que os consumidores incorporam a tecnologia nos seus hábitos de compra, esperam também que as marcas se posicionem de forma a corresponder com ferramentas digitais sob a bandeira da experiência de consumidor em autênticas estratégias e manobras omnicanais. Os artigos são colocados à disposição do consumidor quando e onde este pretende, havendo pouca margem de manobra para sofrer a influência de pretensos vendedores com objectivos pessoais ou organizacionais dispostos a dizer “qualquer coisa” para conseguir a venda. Sob este ponto de vista, é verdade, o vendedor tradicional está condenado não tanto pela sua função desatualizada, que continua a ser necessária, mas pela mudança de paradigma em torno dela.
De facto, a informação que o consumidor tem disponível online e que tem o poder de o informar devidamente actua como um estimulante de compra capaz de despoletar todo o processo. Mas em que ponto deste processo estará dispensada a presença do vendedor? Actualmente, assiste-se à oferta de produtos altamente massificados, onde o gosto pessoal passou a denominar-se de gosto “colectivo”, com produtos de “tamanho único” que servem (e são de desejo) a uma vasta gama de públicos-alvo. A venda é cada vez mais assente em atributos e especificidades técnicas ao invés de uma proposta de valor individualizada. A proposta de valor, perante este cenário, reveste-se de especial importância pois é única em cada consumidor. Este compra produtos por várias razões, mas as necessidades e a forma como determinado produto ou serviço irá solucionar a sua necessidade expressa é pessoal e intransmissível.
Observa-se assim um novo paradigma em marketing assente em estratégias centralizadas nos clientes (ver Customer Centric Approaches) onde estes são considerados sempre co-criadores de valor. A literatura vem encontrando outros contornos mais descentralizados para esta abordagem, propondo que os consumidores não serão sempre co-criadores de valor, mas que, sob certas circunstâncias, o cliente obtém oportunidades para co-criar valor junto dos vendedores.
Portanto, para co-criar valor com o cliente, depende não apenas da aquisição de conhecimento profundo do cliente e da capacidade de adaptar e personalizar recursos à situação de uso do cliente, mas também representa um novo conceito de vendas, que muda naturalmente do foco transaccional do negócio para a identificação de oportunidades de acrescentar valor como pilar fundamental de um relacionamento contínuo. Na verdade, os vendedores podem usar as suas competências singulares de construção de relacionamento para demonstrar empatia e capacidade de resposta às necessidades do cliente, desde o contato inicial até a contínua satisfação e conseguinte relação de lealdade.
Os Vendedores do Futuro assumirão, pois, um estatuto de “Facilitadores”, “Correctores” ou “Mediadores” de conhecimento de forma a potenciar processos de co-criação de valor com os clientes através da capitalização das situações de utilização do produto ou serviço (Value-in-use).
Esta etapa do processo de compra é a mais importante, pois é onde o cliente extraí o benefício do produto ou serviço. Através do conhecimento profundo, dos benefícios ou das condições de utilização do cliente (Customer Usage Situation), o vendedor poderá realizar propostas de valor ajustadas à realidade de cada cliente, proporcionando uma experiência de compra única ao mesmo tempo que serve de facilitador de valor com infindáveis possibilidades.
Refiro-me à função da Gestão da Informação que o vendedor, pela posição que ocupa de fronteira entre a empresa e o mercado, tem acesso constantemente, e que a empresa poderá transformar em capital para desenvolvimento de novos produtos e serviços, e até novas práticas industriais ou comerciais.
Caberá ao vendedor do futuro assegurar a proximidade e humanização das relações, bem como a capacidade de atuar como um pulverizador de informações, previamente recolhida e traduzida dos clientes, dentro e fora da empresa e promover a integração interfuncional para garantir que o valor criado durante a interação com o cliente seja materializado na proposta de valor de uma empresa que se pretende ajustada e competitiva. A função evolui da mera venda transaccional para o estabelecimento de laços de confiança e credibilidade da empresa ou produto que representa. Com isto, as estratégias assentes na argumentação e persuasão evoluirão também para uma postura centrada na utilização do produto ou serviço por parte do cliente de forma que o vendedor “mostre o caminho” ao cliente traduzindo-se numa experiência de compra totalmente personalizada e irreplicável.
Assim, estima-se que o Vendedor do Futuro não esteja condenado enquanto função propriamente dita, mas estarão condenados aqueles que optam pelo mesmo “modus operandi” partindo do princípio que a forma de fazer negócio não tem vindo a alterar com a digitalização dos negócios ou com a ampla disponibilidade de informação que nos invade diariamente. Na crescente digitalização dos processos das empresas com benefícios múltiplos para os consumidores, é com especial admiração que se assiste que as vendas B2C (deixando propositadamente as vendas B2B fora desta análise) ainda resistem ao teste do tempo pela componente humana que o vendedor é capaz de trazer sob a forma de valor que acrescenta. Vive-se, pois, a era das vendas Human2Human na sua verdadeira ascensão onde o relacionamento entre vendedor e cliente ainda é capaz de fazer a diferença no acto da compra.20