Vegetarianismo é uma oportunidade para as marcas em Portugal
Em Portugal, existem 764 mil adultos que seguem uma dieta veggie, o que corresponde a 9% da população. A conclusão é do estudo “The Green Revolution 2019” que considera veggie os vegetarianos e veganos, mas também os flexitarianos (que consomem carne mas em quantidades muito reduzidas). O grupo de flexitarianos é, aliás, o que mais tem crescido nos últimos dois anos, correspondendo a 7,4% da população.
No geral, 43% dos portugueses afirma ter reduzido ou eliminado o consumo de carne vermelha no último ano e 54% diz ter reduzido ou eliminado por completo o consumo de enchidos.
O estudo, elaborado pela consultora Lantern, indica também que é nas camadas mais jovens (18-24 anos) que se concentra o maior número de veganos e vegetarianos. Preocupação com a saúde e cuidado com o ambiente estão entre as principais razão para a adopção de uma dieta com mais plantas e menos animais.
Mas o que significam mudanças como estas para o mercado? Estão a marcas a saber acompanhar as alterações nos hábitos e comportamentos? Um em cada três veggies portugueses admite ser complicado ou muito complicado encontrar pratos adequados à sua dieta fora de casa. Além disso, o grau de insatisfação com os produtos substitutos disponibilizados é superior a 55%.
David Lacasa, partner da Lantern, explica à Marketeer que há uma oportunidade por explorar e que os consumidores não estão apenas à procura de alternativas à base de plantas. Querem opções mais saudáveis e com consciência ambiental.
De que forma distinguem as dietas vegetariana, vegan e flexitariana?
Os vegans só se alimentam de produtos vegetais, não comem lacticínios, nem ovos, nem mel, nem nenhum tipo de proteína animal (carne ou peixe). Os vegetarianos têm uma alimentação fundamentalmente vegetal, consomem mel, mas também comem ovos (ovo-vegetarianos), lacticínios (lacto-vegetarianos) ou os dois. Os flexitarianos têm uma alimentação similar à dos vegetarianos mas ocasionalmente também comem carne ou peixe.
De que forma estão distribuídos os 764 mil adultos veggie mencionados no estudo por estas três variantes?
Do total de 764 mil indivíduos veggies, 628 mil são flexitarianos, 76 mil são vegetarianos e 60 mil são vegans.
Como justifica o crescimento do número de flexitarianos face aos vegetarianos ou vegan?
Ter uma alimentação vegetariana ou vegana exige muitos sacrifícios e é complicado de seguir se o ambiente não for o mais favorável. É por isso que a camada flexitariana é a que mais crescimento tem tido: o flexitarianismo é uma forma mais simples de adaptar a alimentação e rever os hábitos alimentares, enquadrando-os em algumas opções que habitualmente já são consideradas. Por outro lado, os flexitarianos adoptam este tipo de dieta muito por motivos de saúde, enquanto os vegans e vegetarianos fazem-no por motivos mais éticos, ligados a causas de sustentabilidade e cuidado com os animais. A saúde é uma tendência mais forte.
E, no sentido oposto, quais as razões dadas por quem não quer mudar a sua alimentação?
O resto das pessoas ainda entende que ter uma alimentação variada é a melhor opção. Mas também é importante realçar que 45% dos portugueses diz ter reduzido o consumo de carne e 54% o consumo de enchidos. Por isso, esta é uma tendência muito forte e há uma tensão importante a criar-se no consumidor para comer cada vez mais verduras.
Qual é a previsão em relação aos próximos 5, 10 anos?
Não é fácil de determinar, mas de acordo com o que temos analisado não só em Portugal, mas em Espanha, esperamos que esta tendência continue a crescer. Em Espanha, de 2017 a 2019, o número de veggies cresceu 27%. Não seria estranho ver crescimentos de dois dígitos nos próximos 3-5 anos.
Quais são os factores indicados pelos inquiridos para justificar a insatisfação com os produtos substitutos disponíveis?
Por um lado, a queixa mais forte é o sabor. Por outro lado, também é um consumidor muito mais consciente e por isso lê mais as etiquetas e exige maior compromisso com o meio ambiente. Não gostam por não serem muito saudáveis, independentemente de serem produtos à base de plantas. Se têm muita gordura ou muito açúcar, pouco importa que sejam produtos vegetarianos. Assim como as embalagens: devem ser feitas de material reciclável, ter pouco plástico, etc.
Como seriam as alternativas ideais? O que podem as marcas fazer?
Há uma oportunidade muito grande e que ainda é pouco explorada pelas marcas: criar produtos vegetais saborosos, mas que não tentem imitar os outros produtos de carne. Criar receitas originais, com sabor, qualidade e que vão ao encontro das preocupações destas pessoas. Os vegetarianos e vegans não querem consumir coisas que lhe faça lembrar carne e os flexitarianos, se lhes apetecer, comem sem problema um produto originalmente vegan e diferente de tudo o que existe no seu universo. Por isso ,a oportunidade real está em facilitar o consumo de vegetais de uma maneira mais natural, conveniente e, sobretudo, saborosa.
Como caracteriza a evolução da resposta/adaptação das marcas no geral a esta mudança de hábitos?
Ainda é pobre. Começaram pela parte mais fácil, fazer o mesmo que antes mas sem proteína animal. Na sequência do que comentávamos na questão anterior, este ano, o pavilhão da carne na Feira ANUGA (a mais importante a nível europeu e mundial) estava cheio de hambúrgueres vegetais, todos praticamente iguais. As pessoas que optam por fazer alterações nos seus hábitos alimentares, querem comer mais verduras, conhecer novas opções, novas receitas e não mais hambúrgueres transformados em opções sem proteína animal.
Há muitas culturas gastronómicas que têm um conjunto muito atractivo de opções originalmente concebidas com verduras: as asiáticas (Coreia, China, Vietname, Tailândia…) e o Norte de África sobretudo (Marrocos, Turquia…). Aproximarmo-nos destas culturas deveria significar uma maior aprendizagem sobre a forma como estas trabalham com as verduras, sendo criativos. Vejamos o caso do hummus e do guacamole, são bons exemplos.
O consumo fora de casa pode ser mais problemático? De que forma?
São os veggies que nos dizem que para eles é complicado encontrar opções adaptadas à sua dieta. Nos restaurantes, habitualmente, a única opção vegan é uma sopa, uma salada ou umas batatas fritas. Os restaurantes devem, cada vez mais, incorporar refeições fundamentalmente vegetais nas suas ementas.
Esta tendência representa uma oportunidade para as marcas?
Totalmente. As marcas têm uma oportunidade de diferenciação e de inovação imensa com esta tendência. Os consumidores querem comer melhor, mais saudável, mas não querem deixar de desfrutar da comida, gostamos de comer bem. E estão abertos: estão disponíveis para conhecer novas propostas de valor, desde que saborosas e enquadradas naqueles que são os seus padrões de selecção. Por isso mesmo, há um mundo muito amplo de desenvolvimento de produto com uma tensão muito forte por parte do consumidor. A marca que consiga responder adequadamente a esta necessidade terá um caminho aberto para se tornar a escolha deste e muitos outros consumidores.
Texto de Filipa Almeida