Vasco Perestrelo: «Não se consegue fazer tudo num ano»

Depois do sucesso da primeira edição, a organização do Eurobest decidiu ficar mais dois anos na capital portuguesa. Uma oportunidade para as indústrias criativas nacionais se mostrarem a opinion makers de toda a Europa. É agora ou nunca! É que o terceiro ano já começou…

Texto Maria João Lima

Fotografia Paulo Alexandrino

O Eurobest, que assinalou em 2012 o seu 25.º aniversário, realizou-se em Lisboa pela segunda vez consecutiva entre 28 e 30 de Novembro, no Cinema São Jorge. Esta foi, aliás, a primeira vez que o Eurobest se realizou na mesma cidade por dois anos consecutivos, depois de ter passado por territórios como Amesterdão, Estocolmo e Hamburgo. De referir que, este ano, o certame realiza-se novamente na capital portuguesa, reforçando a parceria entre o Eurobest e a CML.

Os prémios Eurobest distinguem a criatividade em 14 sectores de comunicação: PR, Film, Outdoor, Print, Promo & Activation, Direct, Media, Mobile, Interactive, Design, Craft, Integrated, Radio e Branded Content & Entertainment. Mas o Eurobest é mais do que prémios e, ao longo dos três dias do festival, os delegados de agências e marcas europeias têm acesso a um programa de seminários e workshops, onde são abordados temas de relevo para a indústria da publicidade e da comunicação criativa.

Para Vasco Perestrelo, CEO da MOP, representante oficial do Eurobest em Portugal, é ponto assente que «o melhor antídoto contra a crise é o Eurobest estar em Portugal». Saiba como foi conseguir a proeza de receber por três anos o festival e conheça as metas a alcançar em 2013.

Este foi o segundo ano de três que o Eurobest se realiza em Lisboa. Por que decidiu a organização repetir uma cidade, tendo em conta que nunca o fizera?

Isso aconteceu há um ano. Em termos processuais em cada ano, mais ou menos depois do Verão, são feitas as candidaturas dos países para receber o Eurobest. A organização decide cerca de 15 dias antes do Eurobest acontecer e, geralmente, no último dia do festival anuncia onde será o seguinte. Em 2011, o primeiro ano em Lisboa, na fase de candidaturas eu não participei, visto que essa edição se ia realizar em Lisboa, mas o que eu tinha ouvido dizer é que iam escolher Londres ou Bruxelas.

Foi para mim uma grande surpresa quando, no segundo dia do festival, o CEO do certame, Philip Thomas, veio ter comigo a dizer que estavam com uma ideia peregrina… «O que é que te parecia se nós ficássemos mais um ano cá?», perguntou-me.

Isso ainda no decorrer da primeira edição?

Sim. Eu achei óptimo, interessantíssimo. Eles ainda não tinham bem a certeza, porque esta decisão obrigava a perder a itinerância do festival e tinham medo do que isso podia representar em termos europeus, mas os argumentos que me deram na altura foram vários.

Primeiro, que tinham noção de que a itinerância do festival fazia com que todos os anos começassem do início e não conseguiam capitalizar o conhecimento que têm de uma cidade e no ano seguinte começar de novo. Mas a principal coisa foi que as pessoas, tanto o júri como os visitantes (delegados), estavam encantados com Lisboa. A parte de jurados e do concurso começa uma semana antes. E essas pessoas iam-lhes dizendo, de forma recorrente, que este era um excelente sítio para estabilizarem (por todos os atributos que nós sabemos que temos).

Nessa altura o que ficou combinado foi que nós tínhamos que ter a certeza que fazia sentido para a indústria, para a Câmara (que continuava a ser importante manter). Ficou combinado adiarmos o anúncio por 15 dias.

O que aconteceu nessas duas semanas?

O festival acabou, foi um sucesso, e os responsáveis do Eurobest voltaram cá. Fizemos uma volta pela indústria, pela Câmara e foi assegurada a sua manutenção. Nessa altura – isto não foi tornado público nessa fase – o presidente da Câmara, e muito bem, um pouco à última da hora, disse-lhes: «Estamos de acordo, damos apoio com o espaço, com as facilidades, mas não acho muito bem um ano.

Acho bem que sejam dois anos. Um é pouco, dois é mais ou menos, três é que é!» Na altura conseguiu-se um acordo que, sob determinadas condições, a Câmara ficava com direito de opção para mais um ano. Graças a Deus que todas essas condicionantes se concretizaram e foi com muito gosto que ficámos com o terceiro ano do Eurobest em Lisboa. E esta é a história de como ficou cá. As pessoas às vezes – e isso mostra como anda a nossa auto-estima – acham que há investimentos mirabolantes.

Mas não há. Zero. Há uma grande vontade, acima de tudo, do júri vir para Lisboa e fazer o evento cá, não esquecendo que um dos primeiros critérios para ter o festival cá é ter o reconhecimento de sucesso criativo – o que nos é reconhecido.

Mas 2012 não foi um ano de muitos prémios para as agências em Portugal…

Não é especificamente de um ano, mas do histórico. A crise acabou por se reflectir um bocadinho no número de inscrições de trabalhos e se calhar um bocadinho na ousadia.

Chamo a atenção para a história do Eurobest ter ficado cá no sentido contrário. Mais uma vez têm de ser os outros a reconhecer-nos como um país criativo, mais do que nós próprios fazemos. Temos é que pôr a crise de lado, precisamos de criatividade para os produtos, para as empresas e para o próprio país resistir à crise.

Quais são as características de Lisboa que a tornam apetecível para o Eurobest?

Para uma cidade se poder candidatar a receber o festival há três critérios. Primeiro, estar no Top 10 de histórico criativo dentro da Europa. O festival tem 25 anos, mas só é itinerante há cinco; fez Estocolmo, Amesterdão, Hamburgo e Lisboa.

O segundo critério era que a cidade tivesse um real interesse na promoção das indústrias criativas – uma coisa que está muito presente, especialmente neste segundo mandato do presidente da Câmara – e acho que no segundo ano conseguimos tirar ainda mais partido do que no primeiro, já com coisas concretas.

Terceiro, que a indústria em si apoiasse o festival. Ou seja, este festival é muito aberto, mas tem uma grande parte de favorecimento da própria indústria. Há uma grande parte da indústria que vai ao festival, que o acompanha. Portanto, se a indústria não estiver para aí virada, não vale a pena. Estes três critérios foram reunidos, nós passámos à tal fase de consideração e depois são os critérios deles ao escolher uma cidade em detrimento de outras.

O que é que Lisboa, em específico, e o País, em geral, ganham com este evento?

Não sendo pouco importante o facto de trazer pessoas que consomem – mas aí há dezenas de congressos que fazem o mesmo-, acho que a grande relevância deste festival é outra. Para já o tipo de universo onde ele se insere, o tipo de pessoas que se interessam por este festival, que, além de ser uma área das indústrias criativas, é muito específica, tem uma visibilidade muito grande nos opinion makers desta indústria.

O nome Lisboa, em termos externos, beneficia muito em estar associado a um festival desta categoria. É um pouco o contraponto do que falávamos antes: a nossa tendência de não nos valorizarmos.

De alguma maneira impulsiona-nos em termos internacionais também. Depois reúne-se aqui cerca de 80 pessoas que são a “crème de la crème” da indústria criativa.

Essa indústria tem pessoas que são opinion makers por si só. Tem pessoas que estão no Top 10 de referência dos seus países, pessoas que são muito ouvidas.

A cidade, ao constituir uma relação com esta gente, o efeito de satisfação que elas têm ao regressarem aos seus países, tem um goodwill muito forte que se repercute por serem estas pessoas.

E depois o lado inverso. A oportunidade que nós temos, enquanto país, indústria, de nos mostrar. Espero que na edição de 2013 possamos ir um bocadinho mais longe, em termos de aproveitar os seminários. Em 2012, em termos de seminários, eu decidi criar o nosso.

Não houve grandes sugestões de seminários propostos pela nossa própria indústria e no sentido de ter alguém português.

Por que é que o escolhido na edição de 2012 foi João Wengorovius?

O critério do nosso seminário é escolher alguém que eu ache que mostre um ponto de vista de interesse do nosso sector e da nossa indústria. Mas é uma coisa completamente subjectiva. É da minha cabeça, se quiser. Aqui junta-se a particularidade do João ser meu amigo – mas estou nesta indústria há tanto tempo que conheço quase toda a gente, sendo uns mais amigos do que outros.

É importante que eu sinta confiança – e ser próximo ajuda – que a pessoa possa representar bem o País, possa dar uma visão interessante de como nós vemos o País e – no caso específico do João isso aplica-se – uma pessoa que traga mais e que vá além da criatividade. Nos seminários tenta- se evitar que as pessoas vão para lá vender os serviços das suas próprias agências. Isso não tem graça nenhuma.

No caso do João, havia este interesse pela cozinha, achámos que era interessante fazer uma ligação, uma metáfora quase, entre a indústria da cozinha e a indústria criativa. Agora tenho de pensar noutro para o ano!

De alguma maneira estas pessoas, que são tão influentes, virem conhecer a cidade poderá trazer produção internacional para Lisboa?

Acho que sim. A boa parte de isto ser um projecto a três anos é que não se consegue fazer tudo num ano. Enquanto no primeiro ano foi uma novidade para todos, até para nós que estamos cá. Correu muito bem e foi uma experiência óptima para toda a gente. Mas tenho de ultrapassar metas sucessivas e no segundo ano estabeleci, juntamente com a câmara, que tinha de conseguir que o festival deixasse cá uma marca qualquer, que quando o festival se for embora isto não fique a zero. Que houvesse coisas palpáveis que pudessem beneficiar do festival. E a câmara respondeu muito bem com a criação do Lisbon Film Comission. É um produto da cidade. Lisboa tem, de facto, condições especiais para albergar produções, mas a verdade é que era uma coisa mais subjectiva do que objectiva. Até há uns tempos decidir fazer cá uma produção não era tão simples como podia parecer.

E havia outros países que eram mais rápidos. A câmara decidiu – muito bem! – fazer disto uma coisa prática. Decidiu criar um instituto que facilite a burocracia, para que seja de facto automático na cabeça de um produtor, quando pense em fazer um filme, vir para Lisboa. Isto é o tipo de coisa que tem muito relacionamento com o Eurobest.

Ao mesmo tempo que foi criado, aproveitou-se depois o festival e especificamente a área de Craft, para dar visibilidade nesse contexto. Foi feita uma sessão na Câmara para explicar o conceito da Lisbon Film Comission às pessoas. Nesse aspecto a Lisbon Film Comission é completamente na mouche. Temos é que pensar em mais.

Mas a Lisbon Film Comission vai funcionar apenas para produções estrangeiras?

Não. Só se chama Lisbon Film Comission para eles perceberem lá fora. Mas é um instituto que facilita interna e externamente. E é para cinema e para publicidade.

Como avalia a edição de 2012 face à organizada em 2011?

Muito bem. No ano passado, quando decidimos fazer a segunda edição, pusemos dois ou três objectivos que acho que foram todos alcançados, excepto termos um sítio maior.

Há determinadas características-requisito do local: não pode ser uma sala de congressos, tem de ser um espaço característico da cidade, com várias salas. Da câmara só há o São Jorge.

Para o ano vamos tentar novamente encontrar uma alternativa, porque o São Jorge já começa a ser pequeno para a dimensão do festival.

Aí falhámos. No resto acertámos em tudo. A segunda questão prendia-se com conseguir bater a qualidade dos speakers do ano passado e isso foi conseguido. Aumentámos de tal maneira a fasquia, que agora vai ser dificil superar para o ano. Reflectiu-se também no número de pessoas que esteve a assistir ao festival.

Em 2011 apenas no segundo dia atingimos 100% de ocupação. Em 2012 logo no primeiro dia isso foi conseguido.

Quantas pessoas são 100% de ocupação?

São mais de 1000 pessoas por dia, em cada um dos dias. O segundo ponto, que tinha estado menos bem no primeiro ano, relacionava-se com a formação, que nos festivais de Cannes e Eurobest tem uma componente muito forte.

Esta formação foi muito pequena no primeiro ano e tinha passado quase despercebida. Era muito importante que no segundo ano houvesse um programa de academia para jovens criativos. Houve um para jovens marketeers e outro para accounts das agências. Correu muito bem, tivemos muitos jovens futuros directores de Marketing. Esse passo também foi dado.

Já há uma série de ideias para darmos um passo em frente para o tipo de academias que vão existir em 2013. É uma questão muito importante, porque a parte da formação do festival, para mim, como representante, é um dado fundamental. Em Cannes, por exemplo, é muito forte e aqui eu sentia falta.

O terceiro ponto, e onde acho que podemos ainda evoluir um pouco, é aproveitarmos, como portugueses, a força internacional do festival, para passarmos as nossas ideias. Aqui acho que a Câmara esteve melhor do que a indústria, pois soube aproveitar com a Lisbon Film Comission.

Não é um bom sítio para as marcas portuguesas se fazerem representar?

Talvez. Uma das coisas que eu tento fazer no Eurobest é que tudo tem de fazer sentido para lá da acção dos três dias. Ou seja, ter lá as marcas portuguesas num expositor durante três dias não vale de nada. Tem de ser uma coisa mais profunda. E é isso que nós vamos procurar para a edição de 2013. Mas a própria indústria, as agências… têm de tirar partido do festival que mexe com a cidade.

Costumo dizer que o Eurobest estar em Portugal é o melhor antídoto contra a crise que pode haver, porque a velha metáfora de termos pessoas a dar-nos valor sem sermos nós próprios faz com que nos motivemos e que voltemos a fazer coisas. Que as pessoas sintam a sua auto-estima subir por o festival ser cá e que queiram aproveitar para fazer mais trabalho, nos apresentem seminários.

Tenho deixado um pouco ao critério da indústria, não a tenho forçado muito a propor coisas. Mas no próximo ano – até por ser o último – vou espicaçar um bocadinho para que isso aconteça. Se eu tiver um desígnio para o ano é tentar que a nossa indústria ganhe mais voz dentro do Eurobest, aproveitando as suas ideias, as suas empresas, os seus produtos, as suas inovações. Aproveitando a voz internacional que Portugal tem.

Como é que o vai conseguir fazer?

Não há fórmula. Podem ser ideias de produtos, empresas, tecnológicas, mostras de produto… Nós temos muito boa inovação em Portugal e o festival está muito aberto, mas tenta manter uma fasquia de qualidade muito alta em termos de conteúdos e acho bem.

Mas há ideias boas que as pessoas não têm por hábito apresentar, têm vergonha, não sabem como fazer… Há que criar o awareness (não estou a falar apenas de agências de publicidade) e aproveitar o festival para lhes dar um empurrão na sua estratégia de crescimento, exportação…

Não posso deixar a indústria acomodar-se de que o festival é cá. Porque é o último ano que temos para se aproveitar em benefício próprio!

O que é possível melhorar, em termos de infra-estruturas, para quem vem de fora?

Não há muito. Aí corre tudo muito bem da parte de apoio, de serviços, de hotelaria…

As pessoas ficam muito contentes. Se estiver bom tempo melhor. Mas em Londres está sempre a chover. Lisboa é muito convidativa, as pessoas são muito agradáveis.

Como evoluiu o número de participantes?

Em 2012 tivemos cerca de 25% de participantes a mais. Passámos para 1500 pessoas.

Ainda não tenho os números acerca de quantas dessas pessoas foram novas todos os dias e quantas estiveram nos três dias.

Em termos de inscrições de trabalhos crescemos cerca de 10%, o que tem uma relação directa com a crise.

As inscrições são pagas!

Sim. É tudo pago. O que é outra característica interessante do festival, é que tem estes números, sendo pago. As pessoas pagam para vir cá. Uma entrada para os três dias e festas custa 400 euros.

Depois há um preço para Young Creatives (300 euros) e para estudantes (100 euros). Há preços de agrupamentos para agências que compram mais de 40 passes.

Como se reparte o número de participantes entre portugueses e estrangeiros?

Em 2011 foi cerca de 60% de portugueses.

Dos 1500 inscritos em 2012, cerca de 50% de portugueses e outros tantos estrangeiros, o que representa um ganho de quota dos estrangeiros.

O que não é mau.

Qual a importância que este festival tem para a MOP?

Não sei dizer. Eu acho que faz sentido porque a MOP na sua estratégia posiciona-se como o único operador de exterior que é um operador 360º e não faz só publicidade. Como entra nas áreas de activação, below the line, eventos… passa a ser um player 360º de exterior.

Materializa a ligação dos consumidores às marcas em tudo o que seja o meio exterior.

O nosso dia-a-dia, em vez de ser falar só com agências de meios e clientes, passa por ser 360º com toda a indústria: produção, agências criativas, agências de eventos. Há um posicionamento muito mais conceptual do ponto de vista da MOP, desde que abriu este conceito360º. Mas é uma ligação indirecta.

Espero que a indústria reconheça à MOP o papel de fomentar isto, fazer com que o festival esteja cá, puxar pela nossa indústria. Ao fazer isto de alguma maneira estou a desempenhar um papel de goodwill para a MOP. É uma forma de favorecer a cidade e de algum forma os nossos produtos que estão ligados à cidade.

Curriculum

Idade

40 anos

Formação

Licenciatura em Administração e Gestão de Empresas pela Universidade Católica Portuguesa. Pós-graduação nos cursos “Strategic Marketing Planning” e “TV Programming” da New York University (NYU)

«Música, cinema e ler (por esta ordem) são as grandes paixões da minha vida e por isso os meus hobbies estão relacionados com estes temas. Tento ouvir música nova e ler um bocado todos os dias e, sempre que tenho tempo disponível, vou ao cinema, por isso é-me muito difícil nomear uma lista. Assim, para ter um critério aqui ficam três referências de últimos filmes/livros/músicas que vi/li/ouvi, editados em 2012, e dos quais tenha gostado particularmente», comenta.

Livro

“How Music Works”, de David Byrne (misto de biografia e história da música); “How Will You Measure Your Life”, de Clayton M. Christensen, e “Abundance – The Future is Better Than You Think”, de Peter H. Diamandis e Steven Kotler

Música

“Same Love”, de Macklemore & Ryan Lewis;

“Tesselate”, dos Alt-J, e “Thunder Clatter”, dos Wild Cub

Filme

”We Need to Talk About Kevin”, de Lynne Ramsay; “Moonrise Kingdom”, de Wes Anderson, e “Amour”, de Michael Haneke

Hobbies

Tocar guitarra/viola. Além do referido acima, todo o tempo que tem é aproveitado para estar com os quatro filhos.

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