Vamos simplificar a vida ao Cliente
Por Rui Santos, coordenador do programa executivo Transforming Customer Experience – Como Criar Clientes Apaixonados, do ISEG Executive Education
Faz mais de 10 anos que a British Telecom talvez tenha sido a primeira empresa a identificar uma fortíssima correlação entre Simplificação e Fidelização de Clientes. Dito de outra forma,
Os Clientes fidelizam-se com mais intensidade às empresas com as quais conseguem obter aquilo de que precisam com mais facilidade.
A British Telecom vinha observando a correlação entre diversas variáveis que habitualmente são utilizadas para medir o Grau de Satisfação dos Clientes, quando fez esta descoberta fantástica: A Fidelização de Clientes tem uma correlação mais forte com a variável CES (Customer Effort Score) do que as tradicionais CSAT (Índice de Satisfação dos Clientes) e até mesmo o NPS (Net Promoter Score – Índice de Recomendação dos Clientes).
Este facto acabaria por vir a ser repetidamente comprovado por inúmeras outras empresas por esse mundo fora, incluindo empresas portuguesas que começaram também elas a medir de forma regular o CES.
Basicamente, o CES permite medir a facilidade com que um cliente consegue obter aquilo de que necessita junto da nossa empresa. Um CES elevado significa que o cliente acha que tem imenso esforço para obter aquilo que procura. Por oposição, um CES reduzido significa que o cliente considera ser muito fácil trabalhar connosco.
Nesta nossa indústria sempre se soube que os clientes valorizam, como é obvio, processos simples e intuitivos. Ninguém tem especial prazer em encontrar obstáculos e dificuldades quando procura uma solução para as suas necessidades. Existem imensos casos de produtos no mercado cujo sucesso é atribuído à simplicidade com que os clientes desfrutam de todas as suas funcionalidades, sem ter que perder tempo a ler manuais ou a pedir auxílio junto de uma loja ou contact center.
O que ainda nunca ninguém tinha demonstrado estatisticamente era a existência de uma forte correlação entre estas variáveis.
Desde então, a partir do momento que muitos CEO tomaram consciência da enorme importância de simplificar a vida aos seus clientes, começaram a ganhar prioridade projectos com esse mesmo objectivo: Vamos simplificar a vida aos nossos clientes.
Estes projectos dividem-se, tipicamente, em duas grandes categorias.
1. Transformação Digital
2. Desburocratização
Em ambos os casos, revela-se especialmente útil a utilização de metodologias e ferramentas de trabalho, como sejam, o desenho das Jornadas de Clientes (Customer Journey Mapping no original).
O desenho das Jornadas de Clientes, quando bem executado (o que nem sempre se observa), permite identificar todos os passos que um cliente tem que dar (em cada momento), desde que sente uma necessidade até ver essa sua necessidade satisfeita (ou, no pior dos casos, desistir dela).
Importa ter presente que o bom desenho de uma Jornada de Cliente não começa quando ele visita uma das nossas lojas ou quando contacta o nosso contact center, porque, quando nos visita, ou nos contacta, já muitos passos foram dados por ele anteriormente que nos interessa compreender.
E, ao contrário do desenho dos nossos Processos e Procedimento, não “ignoramos” o cliente quando lhe dizemos que ele deverá ir recolher informação a uma entidade terceira. Não. No desenho da Jornada do Cliente, “vamos com ele” a essa mesma terceira entidade, para compreendermos em detalhe o que lhe estamos a pedir que faça.
Resumindo, no desenho da Jornada do Cliente, vamo-nos colocar verdadeiramente nos pés do nosso cliente e procurar compreender todos os passos que este dá desde que sente uma necessidade até essa sua necessidade ser satisfeita, incluindo todas as entidades que ele terá de contactar, identificando todos os “touch points”, sejam eles físicos ou digitais.
Só desta forma conseguiremos perceber a Jornada (ou o calvário) que cada um dos nossos clientes tem que percorrer até conseguir obter aquilo de que precisa.
Contudo, o desenho da Jornada do Cliente não é um fim em si mesmo, mas um meio para atingir um fim: A identificação de oportunidades de melhoria.
1. No caso dos projectos de Transformação Digital, vamos avaliar todas as interacções que o nosso cliente tem com os diversos “Touch Points” físicos e interrogamo-nos quais dessas etapas (Use Cases) poderiam ser digitalizados, com o objectivo de oferecer maior autonomia ao cliente, simplificando-lhe a vida a reduzindo o correspondente Tempo de Gratificação.
2. No caso dos projectos de Desburocratização vamos focar a nossa atenção em todos os elementos físicos que trocamos com os clientes e interrogamo-nos sobre a pertinência, importância, validade, actualidade desse procedimento, com o mesmo objectivo de simplificar a vida ao cliente reduzindo o correspondente Tempo de Gratificação.
Nessa segunda vertente, importa recordar que, na esmagadora maioria dos casos, os papéis trocados com clientes (impressos, cartas, contratos, anexos, apêndices, etc) servem um propósito muito simples: Minimizar o Risco de Incumprimento por parte do cliente.
Simplificando, trocamos papéis com os nossos clientes, que lhes pedimos que os assinem, para que, um dia, caso seja necessário, tenhamos do nosso lado um elemento de prova de que o cliente sabia o que estava a fazer, sendo responsável por isso mesmo.
É muito importante, e saudável, que cada empresa reveja regularmente todos estes seus procedimentos e questione se aquilo que sempre fez ainda faz sentido continuar a fazer da mesma forma à data de hoje. A tecnologia evolui a um ritmo alucinante. E o legislador procura acompanhar essa evolução, actualizando o quadro legal em função daquilo que passa a ser o novo contexto e a nossa nova realidade em cada momento.
Os mecanismos de autenticação de clientes são hoje muitíssimo mais evoluídos (fiáveis e seguros) do que uma básica e elementar assinatura em papel. Face a isso, será que hoje, nas nossas empresas, ainda faz sentido obtermos a autenticação e responsabilização dos nossos clientes através de métodos do seculo XIX, como era a troca de papéis? Não haverá, para cada caso, soluções mais inteligentes?
A resposta a esta questão até poderá ser, em muitos casos, “não, não é”. Mas, é sempre saudável questionarmo-nos de forma periódica.
A nossa experiência tem revelado que grande parte desses nossos Processos e Procedimentos podem ser dramaticamente simplificados… ao que o cliente agradece e, como referido no primeiro parágrafo, reforça a sua fidelização à nossa empresa.
Outra reflexão obrigatória prende-se com a Gestão de Risco. De que risco financeiro em concreto esta troca de papéis nos está a proteger? Qual seria o pior cenário possível caso, de um dia para o outro, decidíssemos adoptar uma medida radical, como seja, por exemplo, abdicar de todo e qualquer documento de suporte a uma determinada operação? Que outros mecanismos de controlo poderíamos implementar para minimizar esse mesmo risco? Será que para nos protegermos de 1 eventual “bandido incumpridor” em cada 100 clientes não estaremos a “infernizar a vida” a 99 clientes que trabalham connosco de boa fé?
Outra linha de raciocínio consiste em perguntarmo-nos: Haverá etapas / tarefas que estamos a pedir ao cliente que execute que, em alternativa, pudessem ser asseguradas por nós, ainda que com a autorização do cliente? É fácil pedir a um cliente para se deslocar a uma Junta de Freguesia ou Câmara Municipal para levantar um documento. Raramente avaliamos o esforço que isso efectivamente representa para o cliente. Será que o cliente estaria disposto a pagar-nos para realizarmos isso por ele, com a sua devida autorização?
O investimento realizado em projectos de Transformação Digital e Desburocratização terá assim um Retorno Financeiro (ROI) directo, que pode ser medido através do aumento da Fidelização dos Clientes, do Customer Life Time Value, do Índice de Recompra por Cliente e do ARPU (Average Value per User), para além do impacto igualmente mensurável no CSAT (Índice de Satisfação dos Clientes) e NPS (Net Promoter Score – Índice de Recomendação dos Clientes).
Razões mais que suficientes para simplificar a vida ao Cliente.