«Vamos matar o sector dos eventos com a cura»
O sector dos eventos tem sido um dos mais afectados com a pandemia, com elevadas quebras na facturação. Pedro Rodrigues, CEO da Desafio Global, afirma que, com o avançar da pandemia, as medidas actuais carecem de fundamento e estão a prejudicar o sector.
Na 16.ª Conferência Marketeer, Pedro Rodrigues, na TIP Talk “Eventos – as novas tipologias e os seus desafios. Vieram para ficar?”, afirmou que as medidas impostas não estão de acordo com o actual contexto pandémico.
«A Direcção-Geral de Saúde (DGS) não percebe muito sobre o sector dos eventos pelo que as regras que implementa não fazem sentido. Temos de ser pedagógicos para com os clientes, mas não há coerência nas medidas. Vamos matar o sector com a cura e não com a doença», disse, num debate onde também marcaram presença Pedro Magalhães, CEO do Europalco, e Tiago Santos Paiva, partner e CEO da WSA, numa conversa moderada por Gonçalo Castel Branco, CEO da Lohad.
O CEO da Desafio Global explica que os clientes não querem comprometer-se com eventos quando as regras mudam a cada 15 dias, discordando da lógica que tem sido aplicada pela DGS. «Os números que nos passam sobre a Covid indicam que temos regras iguais a Janeiro quando a doença está num patamar diferente desde então. Estamos a definir regras com base em parâmetros que não fazem sentido. Temos de abandonar o lado sensacionalista da doença e focar-nos no lado económico para poder seguir em frente», afirma.
Ainda assim, o responsável da Desafio Global explica que houve uma reinvenção no sector, ainda que dolorosa. Mas afirma ser gratificante perceber que o sector ainda consegue apresentar novidades e surpreender os clientes.
Faltam experiências no digital
Pedro Rodrigues recorda que o sector dos eventos foi um dos mais afectados em contexto pandémico. Uma das consequências foi o evento híbrido, que será o futuro. «Não porque se quer mas porque tem de ser, porque as pessoas não vão querer fazer, para já, viagens longas para ir a um evento, por exemplo», afirma.
De um dia para o outro, Pedro Magalhães afirma que os profissionais da área dos eventos deixaram de fazer o que sabiam para terem de enveredar por algo que desconheciam. «Do lado dos clientes também havia desconhecimento em relação aos eventos digitais. Como não dominam a temática, há um medo associado. Mas o nosso trabalho é mais valorizado porque os clientes não dominam a tecnologia e confiam nas nossas competências. A verdade é que há eventos digitais com uma complexidade incrível que faz com que sejam mais dispendiosos do que um evento físico», conta.
Tiago Santos Paiva refere que a maior dificuldade num evento digital consiste em transmitir a mesma emoção de um evento físico: «Temos um espectro maior mas perdemos a emoção, a intimidade, a experiência. Nos eventos digitais isso não existe. A grande dificuldade para as marcas é perceber como passam a sua cultura num evento digital. E de uma forma calorosa. Os eventos virtuais são todos frios, por muito personalizados que sejam, pelo que ainda há muita coisa por fazer. Os clientes e os consumidores não acreditam nos eventos virtuais. Passamos o dia em dispositivos e, depois do dia de trabalho, voltamos a fazer o mesmo. Os eventos digitais funcionaram, mas as pessoas cansaram-se dos mesmos.»
No entanto, os eventos digitais não são obrigatoriamente negativos. Aliás, Pedro Rodrigues indica que, com base nas circunstâncias, o balanço dos eventos digitais em 2020 foi francamente positivo. «Tivemos eventos que seriam, em condições normais, para 1000 pessoas mas que permitiram reunir milhares de pessoas de forma digital. E há uma maior interactividade, com questões colocadas em tempo real, por exemplo», realça.
Pedro Rodrigues afirma que muitos dos eventos digitais que têm sido feitos são corporativos. Mas os realizados numa lógica individual têm de ser pensados de forma diferente, proporcionado mais interacção. «Não podemos ver o evento digital como uma ferramenta menor. Temos de ter melhor conteúdo e mais apelativo.»
Também Tiago Santos Paiva afirma que os eventos digitais vieram para ficar mas obrigam a mais formação, que falta no mercado. «Há muita gente que não consegue avaliar coisas que não são tangíveis», enaltece.
Eventos digitais não são eventos híbridos
Pedro Magalhães clarifica o conceito de evento híbrido, referindo que muitos dos eventos são apenas físicos com uma transmissão online. «E isso não é um evento híbrido. Um evento híbrido acontece quando proporcionamos duas experiências, uma para os presentes e outra para quem está em casa. O Super Bowl, por exemplo, é um evento híbrido, uma vez que o espectáculo ao intervalo tem um impacto completamente diferente para quem está em casa do que para quem está no estádio», afirma.
Quanto aos eventos híbridos, o CEO da Desafio Global afirma que os clientes ainda não estão predispostos para esse formato. «Mas acredito que em Setembro haja uma “demanda reprimida”, com muitos clientes a solicitarem eventos híbridos. Os clientes ainda estão no digital porque é mais barato, mas nem sempre é bom», realça.
Tiago Santos Paiva acredita que, em Portugal, será adoptado o estilo dos eventos dos grupos de incentivo norte-americanos, onde há pessoas que assistem aos eventos e outras que, em casa, têm acesso a outras experiências. «Queremos criar experiências digitais e presenciais de qualidade. O fim da pirâmide é o presencial e queremos que os clientes percebam que querem estar ali. Não podemos banalizar os eventos presenciais. Queremos que as pessoas “lutem” para ir aos eventos, pois não haverá lugar para todos», refere o partner e CEO da WSA.
Preço não pode ser factor de distinção
Pedro Magalhães explica que, com a necessidade de enveredar por eventos digitais, a primeira impressão é o preço, mas esse não pode ser um factor decisivo. «Já passámos por várias crises nos últimos anos e sinto que estamos a destruir tudo o que foi construído deste o pós-crise de 2011. Não podemos focar-nos no preço, caso contrário vamos ter anos muito difíceis. Se assim for, nem com paixão vamos conseguir superar os próximos tempos. E isto aplica se a todos os intervenientes do sector», sublinha.
Também Gonçalo Castel-Branco partilha esta visão do preço, factor que se tornou prioritário para os clientes. «Houve uma fase de pânico que gerou uma rápida velocidade de adaptação que fez com que surgissem muitas novidades no mercado, boas e más. E, quando não se conhece, é difícil perceber o que é bom e o que é mau. Nesses casos, os clientes vão atrás do preço», salienta.
Pedro Rodrigues diz que, durante a pandemia, muitas marcas hibernaram, mostrando-se pouco activas no que respeita a eventos. Mas concorda com as opiniões do CEO do Europalco e da Lohad, afirmando que há cada vez mais clientes a comprar pelo preço e não pela qualidade. «Mas os clientes têm obrigações para com o mercado. Não faz sentido estarmos em concursos com empresas que não possuem material nem competência e estarmos a competir pelo preço. Os clientes têm a obrigação de separar o trigo do joio no mercado», vinca.
Texto de Rafael Paiva Reis