Uma questão de confiança
Maria João Vieira Pinto
Directora Editorial da Marketeer
Editorial publicado na edição de Outubro de 2015 da revista Marketeer
Fiz a minha adolescência num Portugal com poucas marcas. Só algumas de dimensão nacional, com a publicidade a iniciar-se na TV. Não eram muitas, pequenas, mas perduram na memória. Assim como slogans, campanhas, jingles, do Citröen Mehari à pasta Medicinal Couto. Entrada na Europa, chegada de marcas; globalização; clubes de fãs; campanhas; novos suportes e canais. E volatilidade, ou não…
A Volkswagen chegou a Portugal com o Carocha em 1950. Ganhou clientes, fiéis, conquistou lugar no Top de vendas. Diria que não se perde numa semana o que se construiu em 65 anos. Apesar das teorias defenderem que a confiança pode demorar uma vida a conquistar e um minuto a destruir, não há relações iguais com todas as marcas. É difícil equiparar o afecto a uma Vista Alegre ao que se tem, por exemplo, a uma Lay’s! Por mais forte e relevante que esta seja. O património de uma marca como a VW não se esvai com um estalar de dedos!
Vivemos dias de informação e pressa. É o que foi dito, o que se viu, o que alguém postou – e se calhar apagou -, o que se colocou na rede. Mas, nem aqui, se apaga. Como lembrava o professor da Católica do Porto, Rogério Canhoto, num fórum da Marketeer e da Sonae sobre Gestão de Crises nas Redes Sociais, tudo o que vai para a rede, lá fica. Há sempre quem guarde, partilhe, há a cloud e os discos externos!
Num anúncio publicado semanas depois da torneira ter sido aberta, a VW pedia desculpas aos portugueses por ter posto em causa a confiança que sempre lhe depositaram. A confiança! É o que está em cima da mesa. Não é risco, segurança ou defeito de fabrico. Foi fraude, engano, ocultação, perda de confiança e respeito! Em 65 anos, os portugueses deram um enorme voto de confiança à Volkswagen. Irá manter-se? À marca em si e a todas as do grupo?
Em Março de 2004 a Coca-Cola anunciava a retirada da sua água Dasani do Reino Unido, depois de se saber que esta provinha da torneira e tinha excesso de sal de bromo (produto que pode aumento o risco de cancro). A companhia, que tinha avançado com uma gigante campanha de comunicação, viu-se a braços com a retirada de 500 mil garrafas, as mesmas que tinha anunciado como “água pura”. Nos EUA, a Dasani chegou a ser a segunda água mineral mais vendida e a Coca-Cola mantém-se como das marcas mais icónicas do mundo!
Também a francesa Perrier teve que retirar milhares de garrafas do mercado quando, em 1990, foram encontradas contaminadas com benzeno. A “imperatriz” das águas manteve a verdade ao longo do processo, criou uma linha telefónica e organizou encontros individuais com jornalistas. O caso beliscou a marca na altura.
E hoje, está beliscada? Noutro sector, menos feliz foi o desenlace da Arthur Andersen no início dos anos 2000. A que era uma das “Big Five”, as cinco grandes empresas de auditoria financeira do mundo, foi arrastada pelo escândalo financeiro da energética Enron, da qual ela era auditora. Não demorou a “morrer”!
O que está aqui em causa? A capacidade de colocar no pódio e atirar para a berma. De se poder reduzir a cacos os melhores jarros que algum dia a Vista Alegre fabricou. Ou, até onde vai o arbítrio de fazer tábua rasa de marcas, políticos ou instituições?