Uma marca com propósito antes de mais precisa de ser “humana”

Por Irene Consiglio, assistant professor of Marketing na Nova SBE 

Durante o “Marketing with Purpose Colloquium”, co-organizado pela a Nova School of Business and Economics e a Fundação Amélia de Mello, investigadores e profissionais de marketing e membros da sociedade reflectiram sobre o papel do marketing no apoio aos esforços das empresas para contribuir para importantes objectivos sociais, e sobre os desafios que as empresas encontram na procura de propósito. Nos últimos anos, este tem sido um tópico com relevância crescente.

De facto, um número crescente de consumidores quer que as empresas tenham um propósito além do lucro. Estudos de mercado têm revelando consistentemente que a maioria dos consumidores quer que as empresas se envolvam em questões sociais e ambientais, e até mesmo no debate cultural e político. Também vemos que as marcas com propósito são recompensadas. Marcas com propósito atraem consumidores que estão disponíveis a pagar mais por bens e serviços e crescem três vezes mais rápido que outras marcas. Seguindo exemplos de sucesso como a Unilever e a Patagónia, cada vez mais marcas estão a abraçar com entusiasmo o seu propósito. No entanto, a maioria encontra dificuldades na tentativa de traduzir/concretizar este propósito em relações mais significativas com os seus consumidores e em resultados finais.  Na verdade, apesar de a maioria dos consumidores concordar que as empresas deveriam ter propósitos fortes, apenas 1/3 dos consumidores acredita que tenham. Estes dados vêm acompanhados por uma crise de confiança generalizada: os consumidores não confiam que as empresas façam o que está certo. Apenas 21% acredita que as marcas actuam em prol do superior interesse da sociedade.

A minha própria investigação tenta contribuir para compreender este “paradoxo do propósito” e adiciona detalhes vívidos a esta imagem geral de desconfiança. Em conjunto com os meus co-autores, estudamos a vasta panóplia de experiências dos consumidores com marcas, incluindo as experiências mais negativas. Num dos estudos, medimos as emoções que os participantes expressaram e descobrimos que desapontamento e insatisfação foram as emoções negativas menos mencionadas. As emoções mais comuns eram francamente mais negativas e incluíam raiva, frustração e mesmo medo e desesperança. Curiosamente, até a palavra “abuso” surgiu. Noutro estudo, conduzido em Portugal, perguntámos especificamente às pessoas se elas se sentiam abusadas como consumidores e o que é que as tinha feito sentir isso. Perguntámos também se as pessoas estariam a usar a palavra de forma leviana como uma metáfora para uma situação extrema ou se se sentiam verdadeiramente “abusadas” pela marca na situação descrita. Uma percentagem chocante de 50% de consumidores em Portugal sentiram-se, pelo menos uma vez, de facto “abusados” por uma marca. Isto significa que sentimentos negativos extremos na relação dos consumidores com as marcas não são tão raros como poderíamos desejar.

Além disso, nas situações em que os consumidores sentem este abuso, o custo reputacional da marca foi enorme: os consumidores acreditavam que a marca estava a ser mecânica e metódica para conseguir deles a maior quantidade de dinheiro possível. A percepção destes consumidores é de que as marcas “abusivas” perseguem o lucro a qualquer custo — o oposto de propósito.

Outro projecto de investigação relacionado revelou um efeito de contaminação do tipo “basta uma maçã podre para estragar toda a cesta”: quando os consumidores têm uma experiência negativa com uma marca, frequentemente generalizam a sua opinião negativa para outras marcas da mesma categoria de produto. Houve indústrias em que os consumidores reportaram mais frequentemente a percepção de abuso e sentimentos negativos associados – com as empresas de telecomunicações móveis, Internet, IT e eletrónica, entre outros, no topo da lista.

Na maioria dos casos, o serviço ao consumidor foi o responsável pelo incidente que levou à percepção de abuso. Mais do que os danos à carteira (por vezes reduzido), os consumidores saem magoados da experiência, sentindo que a marca não os respeitou ou não os valorizou como indivíduos. A falta de ligação humana genuína e de preocupação com o consumidor no momento em que mais necessita estiveram entre as principais causas de choque e incredulidade.

Um caminho possível para avançar – especialmente para marcas em indústrias com uma forte componente de serviço – é investir significativamente mais em recursos humanos e na sua formação, dando prioridade aos funcionários na linha da frente e cara a cara com o consumidor final, e aproximarem-se muito mais dos consumidores, que não se querem sentir descartáveis (como “um num trilião de consumidores” – como disse um dos nossos inquiridos).

Pode parecer óbvio, mas os nossos dados revelam que os consumidores procuram humanidade nas marcas frequentemente vistas como distantes e poderosas. Neste caso, mesmo quando uma marca está genuinamente a fazer um esforço para fazer uma mudança positiva e procura propósito para além da maximização do lucro, os consumidores poderão não o ver. Para conseguir superar o crescente cepticismo dos consumidores, e ser visto como tendo realmente propósito, muitas marcas terão que investir mais em construir relações humanas com significado com as pessoas que lhes estão mais próximas: os seus funcionários e os seus consumidores.

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