Turismo, imigração e longevidade ditam alterações na oferta das grandes marcas
Aquilo que era a segmentação no passado é diferente de hoje. Hoje há uma capacidade de personalização da comunicação com os clientes muito maior. Esta é uma das principais mensagens que fica da mesa redonda da 22.ª Conferência da Marketeer que teve como tema “Baralhar e voltar a dar na segmentação de perfis” e que juntou em palco Catarina Freire (Marketing manager Consumer Insight na Sumol Compal), Liliana Bernardino (head of Customer Intelligence & Analytics na MC) e Manuel Paula (director de Marketing do El Corte Inglés).
«Ainda que na componente de ecommerce se veja a tendência da personalização não só no retalho alimentar mundial, mas também das grandes plataformas de ecommerce não alimentares, é impossível abrir uma loja física personalizada para cada cliente», diz a responsável da MC que acrescenta: «A proposta de valor de uma loja física, do ponto de vista de uma comunicação genérica e da gama que está disponível é impossível ser orientada numa perspectiva one to one.» Mas, ainda assim, Liliana Bernardino assegura que «a segmentação dos perfis de consumo mais emergentes e a tipologia de consumidores que visitam a loja é muito útil para que a gama e a proposta de valor fique assente e seja relevante para essa tipologia de consumidores».
Na MC, nomeadamente através do Cartão Continente e da app, a forma como a marca fala com o consumidor – «e às vezes pode ser considerado algo invasivo porque falamos com ele através de SMS e de push notifications na app», admite – faz com que ele esteja muito mais conectado com o Continente. «Essa conexão permite-nos, por sua vez, a colecta de informação que possibilita criar um perfil one to one muito mais individualizado.» Nesta conversa a marca tem em conta não apenas o nome do cliente, mas também a linguagem que usa, a cor e todas as outras preferências que vai recolhendo ao longo do tempo. «Temos tido essa preocupação não só numa componente de promoção, mas tendo em consideração a emergência do retail media e tendo como base as novas tecnologias – com o acesso aos dados e fazendo-lhes as perguntas certas de maneira a que se transformem de maneira a permitir a comunicação assertiva e personalizada.»
Ou seja, no Continente a segmentação não é feita olhando aos perfis ditos tradicionais e sociodemográficos, mas pelo comportamento e forma de compra.
É também a olhar para os comportamentos dos consumidores que o El Corte Inglés vai construindo as suas estratégias. «Através dos canais digitais temos cada vez mais capacidade de segmentar, baseada no footprint que as pessoas vão deixando, na sua interacção, no comportamento que têm, se estão a pesquisar, se interagem ou não com a marca e se é possível fazer remarketing», enumera Manuel Paula. Tudo dinâmicas que existem hoje e são amplamente utilizadas, mas que eram inexistentes há 15 ou 20 anos, quando as marcas, entre as quais os El Corte Inglés estava, se baseavam apenas em perfis sociodemográficos.
Agora, «há toda uma lógica de first party data e hiperpersonalização em que estamos todos na corrida de ter uma base de dados que entre outras coisas vai permitir no futuro áreas de negócio diferentes – como a já mencionada de retail media», acrescenta. No curto prazo, essas bases de dados permitem maior eficiência na comunicação e a captação de mais dados que a vão alimentando. Ou seja, os instrumentos para segmentar evoluíram e estão muito mais complexos e mais efectivos.
Apesar de se orientar por um perfil de classe média alta e alta e de saber captar bem nessas áreas, o El Corte Inglés não se fecha nesses segmentos sociodemográficos e em situações promocionais mais agressivas capta classe média e jovens. «O nosso core, quando vamos para canais tradicionais, são mulheres activas, urbanas, com poder de compra médio-alto e alto. Este é o sociodemográfico de há 20 anos. A partir daqui construímos audiências. Para vendermos videojogos não fechamos a jovens e se aparecer um senhor de 60 anos que goste de jogar FIFA está na audiência.» O mesmo se passando num segmento que está bastante dinâmico, o do negócio de produtos para pets. Não sabem se quem está por detrás são pessoas mais velhas, sozinhas ou famílias com crianças. Ou no caso dos produtos para crianças, não sabem se são pais ou avós. «A abordagem sociodemográfica perde relevância porque a forma como podemos construir audiências ganha ao permitir muito mais informação e captação de vendas», sublinha Manuel Paula.
Mas não há uma regra que a todos sirva. Por exemplo, a marca Um Bongo, da Sumol+Compal tem uma componente muito relevante ao nível etário. Tem dois targets relevantes: por um lado as crianças, por outros os pais e os avós das crianças. Algo que não se passa na maioria das marcas do portfólio. «O que verificamos, salvo algumas excepções, é que toda a gente consome um bocadinho de tudo, apesar de haver pesos maiores nuns perfis do que noutros», conta Catarina Freire. Muitas vezes o que varia é a ocasião em que consomem e a necessidade que a marca preenche na vida deste ou daquele perfil. Daí que seja «cada vez mais importante conhecer a fundo os vários segmentos que existem e os segmentos (e subsegmentos) para os quais as nossas marcas e as nossas propostas de valor são mais relevantes».
A profissional da Sumol+Compal lembra que hoje é possível num meio generalista, como a televisão, encontrar uma mensagem que é comum a todos os segmentos, mas também é personalizar a mensagem naquilo que é mais relevante para um determinado grupo que não tem de ser definido com base na idade, mas em função daquilo que essa proposta representa na vida das pessoas e que necessidade é que está a suprir.
Agregar comportamentos
Seja por estarem unidos na dificuldade de ler letras pequeninas (sentida a partir dos 40 anos), na importância que dão à redução do plástico de utilização única, nas soluções de conveniência, na solicitação de produtos bio ou nas propostas de bem-estar, certo é que o consumidor mudou.
«As evoluções sociais empoderaram o consumidor, levando-o a exigir uma grande atenção por parte das marcas. O consumidor exige soluções desenhadas para si e quer ter voz activa na construção das marcas», sublinha Catarina Freire, lembrando que isso cria pressão para as marcas para responderem de forma personalizada. E também aqui os dados podem dar uma ajuda de maneira a responder da forma mais adequada para cada um destes geradores de opinião. Manuel Paula lembra ainda que o que estes novos consumidores exigem que as marcas tenham políticas sociais genuínas e que o tenham de forma proactiva.
Um mercado crescente
Com clientes oriundos de diversas partes do globo, é de fora da União Europeia – sobretudo de países como Brasil, China, Angola, EUA e Reino Unido – que chega a maior parte dos estrangeiros que visita o El Corte Inglés. Um público que pesa mais pela venda do que pelo número de pessoas. Neste contexto os grandes armazéns desenvolveram uma série de facilitadores da vida destes clientes permitindo acrescentar níveis de serviço: criaram pontos de apoio de atendimento ao cliente em loja; têm uma base importante de colaboradores que falam uma segunda língua; e têm parcerias com hotéis para entregas.
Também a MC está desperta para esta realidade. «No caso do Continente, o crescimento da população estrangeira está a ser trabalhado através da segmentação e percebendo muito bem aquela que é a população residente em determinada trade area, adaptando a gama das lojas para aquelas que são as necessidades.» Neste contexto tem feito crescer a gama em algumas lojas com estas dinâmicas de multiculturalidade que se têm vindo a evidenciar em algumas zonas do País.
Liliana Bernardino explica que a proposta de valor e o posicionamento das marcas que têm ao nível do portfólio leva em consideração a informação do Cartão Continente (first party data – informação recolhida pela própria marca) e dados externos (3rd party data) como do INE, informações de meteorologia ou se há jogos de futebol perto daquela loja…
O Guaraná é um caso paradigmático de como as alterações sociais, no caso, o crescimento da comunidade brasileira em Portugal, alavancou o crescimento da marca. E ciente da sua importância a Sumol+Compal tem tido isso em consideração em acções específicas de ponto de venda no retalho e Horeca. «Há espaços em que faz mais sentido ter acções dessa marca. A marca tem essa consciência e adapta as suas estratégias de comunicação e de distribuição de acordo com essa realidade», revela Catarina Freire.
Mas há também alterações relacionadas com o crescimento do turismo, por exemplo, que provocam modificações àquele que era o padrão anterior de consumo de cerveja e de água com gás. «Todas estas alterações sociais, bem como a globalização e alteração dos hábitos, são notórias. Importa mapear, quantificar e desenhar, quando se justifica, estratégias específicas para responder», comenta a responsável.
Daí que o marketing tenha, hoje, de ser mais analítico. «Temos de conseguir bem quais as variáveis que explicam os comportamentos que queremos analisar. Existem cada vez mais dados, mas os dados por si não servem para nada. É preciso saber arrumá-los e saber organizar a informação de acordo com aquilo que estamos a querer explicar. É preciso uma combinação de informação qualitativa que ajude a perceber os porquês com informação quantitativa que ajuda a quantificar esses porquês. É na combinação das duas coisas que conseguimos perceber, marca a marca, segmento a segmento, onde é que faz sentido investir e como», finaliza a responsável da Sumol+Compal.
Texto de Maria João Lima