Turismo: balanço e estratégias

O Hotel Dom Pedro Palace, em Lisboa, acolheu no passado dia 7 de Julho o pequeno-almoço debate da revista Marketeer dedicado ao universo do turismo. A meio do ano, fazem-se análises e os primeiros balanços relativamente à actividade de 2015, avaliando-se, simultaneamente, perspectivas e estratégias para consolidação dos resultados.

Que o turismo é hoje um sector basilar da economia portuguesa não existem dúvidas. Da sua importância na balança comercial do País também não. Mas será que todos olhamos para o sector da mesma forma? Existirá, fora das agendas de cada player, uma estratégia comum com vista ao alcance de um objectivo também ele comum? E, existindo, estará ela alinhada com a política vigente? Barcelona, uma das cidades mais visitadas do mundo, viu agora a sua presidente da Câmara, Ada Colau, impor limite à entrada de turistas na urbe através da assinatura de uma moratória de um ano para suspensão temporária da concessão de licenças de construção de hotéis e outras actividades turísticas, com vista a regular a pressão turística na cidade. Haverá turismo “a mais”? Caminhará Lisboa para esta situação de extralotação turística? Questões pertinentes numa altura em que os números do turismo não param de crescer e que desembocam na grande questão: que turismo queremos para Portugal e o que se pode exigir dos responsáveis quando estamos à beira de um novo ciclo político? Temas que serviram de ponto de partida à discussão durante o pequeno-almoço, que teve lugar no Hotel Dom Pedro Palace, em Lisboa, e onde estiveram presentes: Pedro Ribeiro (director de Marketing e Comercial do grupo Dom Pedro Hotels), Margarida Blattmann (directora de Marketing da Springwater Tourism), Timóteo Gonçalves (general manager da Halcon Viagens), António Monteiro (director de Comunicação e Relações Públicas da TAP), Isabel Barata (administradora do grupo SATA) e Rogério Cardoso (director do International Student Identity Card). Com a finalidade de se alcançar um debate mais aprofundado por parte de todos, foi decidido que nenhuma das intervenções seria atribuída directamente no texto.

Novo ciclo político: o que exigir?

Com eleições legislativas agendadas para o próximo mês de Outubro fazem-se balanços sobre a actuação do executivo relativamente ao sector do turismo. Analisam-se acções, examinam-se políticas e estudam-se medidas para uma avaliação concreta do que foi feito e do que ficou por fazer. É agora a altura certa para lançar o repto a todos os players: se mandasse, o que mudaria na abordagem política ao sector do turismo? Apesar dos diferentes subsectores representados à mesa do pequeno-almoço, as opiniões expressas não foram muito distintas, com a separação «de duas áreas que devem ser analisadas em qualquer circunstância: a promoção e a regulamentação ». A regulamentação surge hoje completamente liberalizada, e exemplo disso é a abertura do alojamento local, uma área até há pouco tempo sem qualquer regulamentação, apesar de se apresentar como um universo paralelo muito activo. Relativamente à promoção, foi defendido que «este último ciclo político não conseguiu acabar o trabalho iniciado». Um dos aspectos focados foi o surgimento das entidades regionais de turismo, «novas entidades na promoção, mas que não terminaram com muitas das situações anteriores, pois continuamos a ter na maior parte das regiões entidades paralelas de promoção, com excepção de Lisboa, o único caso em que realmente não há duplicação de entidades». É preciso vontade política para pôr fim a esta duplicação de entidades a actuar na promoção turística das regiões.

Simultaneamente, todos concordaram que é importante conseguir criar novos caminhos para a promoção internacional, pois o que existe neste momento é pouco. «Fala- -se na aposta no digital, mas é uma aposta muito pouco concreta. As pessoas da área não têm noção onde foi feita essa aposta e qual foi a estratégia usada, pois a comunicação não existe.» Ainda no campo da promoção internacional, foi referenciada a lacuna existente ao nível da promoção do País em vários mercados. «Tradicionalmente Portugal era um destino com uma aposta relativamente forte localmente, fosse primeiro através das Casas de Portugal ou posteriormente através do AICEP e das delegações do Turismo de Portugal, algo que se foi perdendo nos últimos anos, pelo que hoje a nossa presença nos mercados principais é de fraca qualidade», concordando todos que estes são assuntos importantes e que devem estar em discussão aquando do início da nova legislatura. Todos expressaram o desejo de ver um maior envolvimento do Governo nestas questões da promoção do País, «até porque é da sua competência fazê-lo», foi referido.

É comum ouvir dizer-se no meio que, devido à crise e à redução das despesas do Estado nos últimos anos, a agilidade do Turismo de Portugal foi sendo reduzida, pelo que parte do orçamento anual não estará a ser prontamente utilizado. E é aqui que surge a questão: «Será que não é altura de avançar retomando a questão da criação de uma área mista de promoção em termos nacionais, da mesma forma que mantemos as regionais?» Todos expressaram concordância, visto que é comum a todos a sensação de que a determinada altura os investimentos e as acções abrandaram.

Por onde anda a estratégia?

«Grande parte do sucesso actual do movimento e do tráfego de turistas foi um acaso, uma convergência de uma série de factores, sendo um dos principais a duplicação do tamanho da TAP em apenas uma década e o aumento da oferta ao nível do transporte aéreo», afirmação apoiada por todos e cimentada pela convicção comum de que «não foi o resultado de um plano, de uma estratégia concertada com objectivos a atingir. E o que acontece, tal como sucede quando as situações ocorrem por acaso, é que todos têm medo de intervir, do género: “Está tudo tão perfeito que é melhor não mexer para não estragar”, algo que começa a não ser sustentável», opinião expressa pelo grupo e tida por todos como a convicção generalizada dentro do sector.

O turismo cresceu no número de turistas, mas não na tarifa média cobrada na hotelaria, «é isso que nós queremos, sabemos ao menos para onde estamos a caminhar?». Se houvesse uma decisão em que massificar seria o caminho, com todas as consequências que daí adviriam, «estava decidido um caminho, uma hipótese, havendo quem ficasse contra e outros a favor, mas existia uma estratégia», algo hoje inexistente. Ouviu-se a opinião de que a criatividade e inovação que presidiram a muitas das decisões das entidades estão a revelar- -se agora excessivas, «estávamos fechados e agora percebemos que abrimos de mais, de facto hoje tantos “tuk tuk” já incomodam”, solicitando-se que os responsáveis do próximo Governo entendam que «da grande abertura realizada nos últimos anos devem voltar a ter a consciência de que têm de regulamentar, e que o turismo de “pé descalço” é um tipo de turismo que não interessa a Portugal». Retomando o exemplo de Barcelona, foi defendido que, «sem preconceitos, é um caso que tem de ser estudado e analisado, antes que em Lisboa se chegue à mesma situação». Sem querer travar o crescimento dos números, é preciso determinar que «tipo de crescimento queremos e se estamos dispostos a transformar os nossos monumentos em Luna Parks, como se está a passar com Barcelona». O facto de Lisboa estar na moda foi por todos desvalorizado, pois o ideal é ver a cidade crescer no sector através de um turismo de qualidade, não na moda, mas com características turísticas consistentes para receber um turismo de nível. Perante tal afirmação foi relembrado que por cá nunca existiu algo que já foi implementado noutros países e que dá pelo nome de pacto de regime. «Corremos o risco de que, independentemente do partido que ganhar as eleições, não existir uma maioria absoluta, o que significa que quem governar o vai fazer não sobre uma base estratégica, mas na base do compromisso ou do resultado rápido.» Desta forma, foi defendido que, «em termos da decisão das grandes linhas mestras do sector, era importante conseguir sentar à mesma mesa os diferentes intervenientes políticos com a finalidade de traçar um caminho, bem como os objectivos a alcançar». Há uma obrigatoriedade de «cavalgar a onda da moda», pois com o desejo único de conseguir números tudo, ou quase tudo, é permitido e aceite, «como o aluguer de sofás por parte dos particulares com vista a receber turistas». Foi referido como exemplo os Açores, tendo sido defendido que o caso de crescimento do arquipélago não é sustentável, pois «fora do transporte aéreo os restantes subsectores não sabem o que devem fazer, que caminho tomar, o que surge como uma evidência, de que é o transporte aéreo que faz o destino». A liberalização dos últimos anos tem de ter agora o contraponto de alguma regulamentação, «não pode continuar a concorrência desleal, em especial no transporte aéreo», pois a ideia de que se o turista poupar no avião gasta mais no alojamento não se verificou.

evidente que aconteceu uma mudança nos hábitos das pessoas quando viajam, facto que não se reporta apenas a Portugal, mas que é global. Por exemplo, se Lisboa continuar a seguir um caminho em que surge cada mais descaracterizada, o cliente MICE vai deixar de vir, pois ao contrário de outras grandes cidades, como Londres ou Paris, Lisboa não tem dimensão geográfica para apresentar zonas distintas e que cativem os diferentes tipos de turistas. Algo que poderá mudar com a implementação do novo eixo Belém/Ajuda.

No que diz respeito à tarifa média, foi ponto assente que todos desejam o seu aumento, mas as perguntas que se impõem são: «Será que se o fizermos deixamos de ser competitivos? Estaremos nós a posicionar um destino ou um preço?» Até agora, mais do que um destino, temos posicionado um preço, «mas será que no dia em que subirmos a tarifa média os atractivos das cidades e do nosso País são suficientemente fortes para continuarmos a captar a vinda de turistas?». Todos se mostraram apreensivos relativamente ao tema.

Esta realidade acaba por aflorar outra questão que reside no facto de, a existir uma estratégia, a mesma não estar a ser convenientemente divulgada junto dos envolvidos que, desta forma, não podem, porque não têm conhecimento, aproveitar as oportunidades que vão surgindo. Será esta situação culpa do próprio sector, que não é suficientemente exigente consigo próprio, que não se faz valer com voz activa junto dos órgãos de decisão? «Sendo esta uma realidade, convém focar que cada vez mais o turismo vai ganhando posição devido ao crescimento a que se tem assistido nos últimos tempos. Podemos agora começar a ter o peso que todos desejamos para defendermos o sector como ele merece», declaração com a qual todos mostraram concordância.

Artigo publicado na edição n.º 229 de Agosto de 2015.

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