TikTok: o tempo está a contar

Por Marco Gouveia, consultor e formador de Marketing Digital, head of Digital Marketing no Pestana Hotel Group, Google Regional trainer e fundador da Influenza

«É uma dança?», retorquiu Rita Blanco num recente episódio do canal de YouTube “Maluco Beleza”, quando questionada por Rui Unas acerca do TikTok. Por muito tempo, a sensação era a de que seria mesmo esse o único intuito da plataforma: responder a desafios coreográficos ao som das últimas tendências na música pop. Não obstante, contornando as baixas expectativas de muitos, a aplicação detida pela empresa chinesa ByteDance tem ganho um fôlego crescente, não se mostrando tão frágil e literal como inicialmente fazia crer. Nas últimas semanas, o assunto tem corroído o juízo aos grandes magnatas dos países mais poderosos do mundo e a expectativa por desenvolvimentos impera. Será este o início de um fora de jogo do TikTok ou não haverá, afinal, rasteira que o faça cair?

Metáforas futebolísticas à parte, o duelo já se estende a mais do que um campo temático. O TikTok não se livra da polémica, divide opiniões como nenhuma outra app o fez até hoje, e, se o teor da discussão começou por ser predominantemente concorrencial – entre ele e o Instagram -, hoje, a tensão prolifera para uma esfera muito mais ampla: a política, principalmente ao nível da sensível questão da privacidade dos dados. Uma equipa de engenheiros de segurança do ProtonMail alegara já, previamente, a prática de recolhas abusivas de dados pessoais dos utilizadores do TikTok por parte da app e uma suposta ligação ao Partido Comunista Chinês (1). Há, inclusive, informação indicadora de que a National Intelligence Law obrigue mesmo as empresas do ramo tecnológico na China a providenciar dados às forças governamentais chinesas a título confidencial, sendo duvidoso o uso que o Governo lhes dará. A operação americana da app, por seu turno, já negou tais acusações e sustenta a sua defesa na ausência de provas.

A acção continuou de modo surpreendente: o The New York Times revelou que a Microsoft e a ByteDance estariam a negociar a aquisição das operações da app nos EUA, Canadá, Austrália e Nova Zelândia (2). O resto já se sabe: Donald Trump declarou intencionar banir a aplicação do país (sendo que a mesma já havia sido proibida para o staff da Marinha e do Exército americanos, por exemplo) pelas referidas alegações, intensificando a “guerra tecnológica” iniciada com a gigante chinesa Huawei, efectivamente banida do território norte-americano. A esperada confirmação da intenção de aquisição do TikTok por parte da Microsoft não tardou a chegar, acompanhada por uma garantia de que, em situação de concretização da compra, todos os dados seriam alocados nos EUA, desaparecendo de todos os servidores fora do país (3). Ao fim e ao cabo, das duas uma: ou o negócio se fecha até meados de Setembro deste ano ou a app deixará de poder operar nos EUA. O TikTok, de resto, deverá contestar a medida do governo dos EUA, alegando que o decreto é inconstitucional, pelo que o ponto de interrogação permanece.

O leitor perguntar-se-á: mas o que é que o TikTok tem de tão especial para todo este filme? Bill Gates, co-fundador e actual consultor tecnológico da Microsoft, é um dos cépticos quanto ao negócio de compra da aplicação, admitindo que se trata de algo extremamente incerto, desafiante e bizarro (até pelo envolvimento directo de Trump nas negociações): «É um cálice envenenado. Ser grande no negócio das redes sociais não é um jogo simples», afirmou o magnata à Wired (4). Com efeito, há riscos e fragilidades inegáveis associados à app chinesa: para além de todas as questões políticas e económicas que já percorremos, neste contexto de incerteza profunda, a replicabilidade das suas funções-chave é um outro factor de peso. À semelhança do que sucedeu com o Snapchat, o Instagram não demorou muito a criar um produto substituto do TikTok nas suas funcionalidades, endurecendo a sua competitividade com os designados Reels. A somar a isso, criou mesmo um fundo para incentivar criadores de conteúdo a serem exclusivos, abandonando o TikTok (5).

Porém, sejamos francos: a app apresenta sinais evidentes de um enorme potencial. O interesse da Microsoft – a que se juntou o Twitter – no TikTok é, desde logo, demonstrativo disso mesmo (6). A aplicação mantém-se no topo da lista das mais descarregadas em todo o mundo e gigantes como a Airbnb têm investido em campanhas de rentabilização dos seus próprios negócios, com experiências e iniciativas online em parceria com os influencers mais populares da app (7). O próprio TikTok não tem baixado os braços, criando um fundo de 300 milhões de dólares para content creators europeus pertencentes à app, como que proporcionando uma “carreira” a quem quer escolher o TikTok para crescer no ramo (8).

O tempo está a passar e a pressão está nos píncaros. Por via das dúvidas, o meu apelo é que passe pelo TikTok enquanto a temperatura não arrefece. 150 milhões de users por mês em todo o mundo não são coisa pouca… De qualquer modo, a reflexão impõe-se: com os dados a serem o que nos proporciona uma experiência online personalizada, estaremos dispostos a abdicar da nossa privacidade para tal…?

1 – Fonte: ProtonMail. “Why TikTok’s ties to China pose a significant privacy and security risk”.

Acedido a 13 de Agosto de 2020. Disponível em https://protonmail.com/blog/tiktok-privacy/

2 – Fonte: The New York Times. “Microsoft Said to Be in Talks to Buy TikTok, as Trump Weighs Curtailing App”.

Acedido a 13 de Agosto de 2020. Disponível em https://www.nytimes.com/2020/07/31/technology/tiktok-microsoft.html

3 – Fonte: Microsoft. “Microsoft to continue discussions on potential TikTok purchase in the United States”.

Acedido a 13 de Agosto de 2020. Disponível em https://blogs.microsoft.com/blog/2020/08/02/microsoft-to-continue-discussions-on-potential-tiktok-purchase-in-the-united-states/

4 – Fonte: Wired. “Bill Gates on Covid: Most US Tests Are ‘Completely Garbage’”.

Acedido a 13 de Agosto de 2020. Disponível em https://www.wired.com/story/bill-gates-on-covid-most-us-tests-are-completely-garbage/

5 – Fonte: Eco. “Instagram Reels paga milhares a “criadores” para saírem do TikTok”.

Acedido a 13 de Agosto de 2020. Disponível em https://eco.sapo.pt/2020/07/28/instagram-reels-paga-milhares-a-criadores-para-sairem-do-tiktok/

6 – Fonte: Público. “Twitter e TikTok discutem possível “combinação”.

Acedido a 13 de Agosto de 2020. Disponível em https://www.publico.pt/2020/08/09/tecnologia/noticia/twitter-tiktok-discutem-possivel-combinacao-1927539

7 – Fonte: NiT. “Airbnb lança experiências online organizadas pelos criadores mais populares do TikTok”.

Acedido a 13 de Agosto de 2020. Disponível em https://newinsetubal.nit.pt/na-cidade/airbnb-lanca-experiencias-online-organizadas-pelos-criadores-mais-populares-do-tiktok/

8 – Fonte: Pplware. “TikTok anuncia fundo de 300 milhões de dólares para pagar a influencers”.

Acedido a 13 de Agosto de 2020. Disponível em https://pplware.sapo.pt/redes_sociais/tiktok-anuncia-fundo-de-300-milhoes-de-dolares-para-pagar-a-influencers/

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