Tempo em frente ao ecrã «é mais elevado em crianças de famílias de menor posição socioeconómica»
Um estudo publicado na revista científica “Sleep Medicine” mostra que, embora os dispositivos electrónicos sejam mais prevalecentes nas casas de famílias portugueses pertencentes a uma classe socioeconómica mais elevada, a disponibilidade desses mesmos equipamentos no quarto das crianças é mais comum em agregados mais desfavorecidos. Esta situação tem um impacto negativo no sono dos mais novos, revela a mesma investigação.
Uma das justificações possíveis para este cenário prende-se com a possibilidade de as famílias de baixo estatuo socioeconómico terem menos conhecimento sobre os problemas de saúde associados ao uso excessivo de ecrãs. Além disso, poderão ter menos tempo para supervisionar os filhos ou menos oportunidades de envolve-los em actividades extracurriculares.
Independentemente da idade, sexo, ou do tipo de equipamento, o tempo despendido em frente ao ecrã «é sempre mais elevado em crianças de famílias de menor posição socioeconómica», sublinha Daniela Rodrigues, primeira autora do artigo científico.
Entre crianças dos três aos cinco anos, «ter uma televisão e um tablet no quarto foi associado a maior tempo ecrã. Entre crianças de seis a 10 anos, ter dispositivos no quarto (televisão, laptop e tablet) foi associado a maior tempo de ecrã e a menos horas de sono principalmente nos dias de aula», acrescenta a investigadora.
O estudo, conduzido por uma equipa do Centro de Investigação em Antropologia e Saúde (CIAS) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC), assentou na análise de dados de 8.430 crianças, com idades entre os três e os 10 anos, a frequentas escolas públicas e privadas das cidades do Porto, Coimbra e Lisboa.
Segundo Daniela Rodrigues, «ter um equipamento no quarto da criança não está relacionado com uma maior disponibilidade do equipamento em casa (nem com maior disponibilidade financeira)», mas é crucial «desenvolver estratégias eficazes para minimizar o acesso ao dispositivo na hora de dormir», já que o «tempo excessivo em frente ao ecrã e a menor duração do sono têm importantes implicações na saúde das crianças».
O estudo revela ainda que o uso generalizado de dispositivos móveis e a «popularização de dispositivos electrónicos no quarto são provavelmente responsáveis pelo aumento substancial do tempo de ecrã na infância ao longo dos anos».
A pandemia terá vindo agravar o problema, já que as crianças se viram obrigadas a passar mais tempo em casa e, em alguns casos, terão ficado dependentes de equipamentos electrónicos, tanto para uso educacional como social.
«É urgente aplicar estratégias de gestão do uso destes equipamentos na hora de deitar. Especial atenção deve ser dada a crianças socioeconomicamente mais desfavorecidas por estarem em maior risco, como encontrado neste trabalho», conclui a investigadora.