Tangível: Você não é o cliente

Imagine-se numa reunião em que está a analisar um dos produtos da sua empresa, em conjunto com os principais decisores – aquilo que está a correr bem, as reclamações recebidas e como deverá esse produto evoluir. Se estiver atento, provavelmente a maior parte dos contributos começa por “eu acho que…” (acho que devemos alterar isto, acho que os clientes não gostam daquilo, acho que devemos fazer assim, etc.).

Hoje, ainda há um grande enviesamento dos decisores na criação e na melhoria de produtos e serviços. Ainda é muito usada a opinião pessoal, a experiência pessoal ou a experiência de pessoas próximas. Mas a forma de pensar dos profissionais da empresa é diferente da dos seus clientes. Por isso, as empresas devem ter mecanismos de auscultação do mercado frequente (ou contínua) e técnicas que permitam perceber os seus clientes e a sua experiência com os seus produtos ou serviços.

Algumas equipas de marketing usam, há já alguns anos, técnicas com esse objectivo, como questionários e focus groups. Mas essas técnicas, por vezes, não produzem resultados realistas ou, pelo menos, suficientemente robustos.

Talvez por essa razão, sente-se que existem cada vez mais equipas de marketing a procurar serviços de User Experience (UX) e Service Design.


OS PROBLEMAS DOS QUESTIONÁRIOS, FOCUS GROUPS E TÉCNICAS SEMELHANTES

Há diferenças significativas entre o que as pessoas dizem que querem e fazem, e aquilo que realmente fazem.

Por um lado, as pessoas têm muita dificuldade a fazer previsões. Por exemplo, a psicóloga Susan Weinschenk explica, em vários artigos e livros, que aquilo que as pessoas acham que as vai fazer felizes e que vão gostar de fazer, quando é analisado passado algum tempo, tem, na verdade, muito pouco impacto na sua satisfação. Por outro lado, as respostas que as pessoas tendem a dar em questionários e focus groups são inf luenciadas pela sua intenção, que pode ou não concretizar-se. Por exemplo, quando dizemos que vamos começar a fazer dieta amanhã e depois comemos um hambúrguer duplo com bacon.

Em focus groups, especificamente, a maioria dos participantes dá respostas enviesadas. Isto pode ser inconsciente, porque podem não estar cientes das verdadeiras razões das suas decisões, ou foram influenciados pela resposta do participante do lado. Mas também pode ser consciente, porque querem aproximar a sua resposta àquilo que acham que o moderador quer ouvir ou é socialmente aceitável. Esta é uma ideia partilhada há vários anos por Jakob Nielsen, um dos gurus da usabilidade e UX.

Por outro lado, a envolvência de um focus group não é natural, pois junta várias pessoas numa sala, fora do contexto natural de utilização do produto ou serviço em causa. É muito difícil conquistar a confiança necessária dos participantes para que dêem respostas honestas, mesmo que o moderador seja muito bom. E muitos dos factores que influenciam o comportamento não podem ser descobertos no espaço de poucos minutos.

Outro problema que existe nestas técnicas de auscultação do mercado é que, muitas vezes, as pessoas são convidadas a julgar produtos ou serviços que não usaram. E imaginar usar algo não é o mesmo que realmente usá-lo. Mesmo que tenham usado o produto ou serviço no passado, aquilo que vão responder é o que se lembram de ter feito ou sentido e a memória humana é muito falível, especialmente em relação aos pequenos detalhes (que, muitas vezes, são o mais importante).

Com tantos problemas identificados, parece que não há forma de perceber realmente as preferências e dores dos clientes… mas há! Embora não existam técnicas perfeitas, o mais importante é saber o que perguntar, quando e como analisar os clientes e como interpretar as respostas.


TÉCNICAS PARA PERCEBER REALMENTE OS CLIENTES

A melhor forma de conhecer os clientes é observá-los no contexto real de utilização do produto ou serviço.

Existem várias técnicas que se baseiam neste princípio da observação e são inspiradas pela etnografia, uma metodologia da antropologia social que prevê a observação imparcial e não interventiva no ambiente, no contexto e em todos os aspectos sociais que envolvem determinadas pessoas ou grupos. Mesmo em contexto empresarial, muitas vezes são antropólogos, sociólogos ou psicólogos que fazem estas actividades, a que se chama de “research”.

A técnica Service Safari, por exemplo, consiste na observação imparcial, sem intervenção, de clientes a usarem um serviço ou sistema. Já o Shadowing alia a observação a algumas perguntas feitas ao utilizador que está a ser acompanhado, com o objectivo de perceber o porquê de determinadas acções. Desta forma, consegue-se ter informação mais rica sobre as dores, os problemas e as emoções dos clientes.

No caso dos produtos digitais, os testes de usabilidade são uma das principais ferramentas para encontrar problemas e oportunidades de melhoria. Esta técnica é usada há muitos anos pelos profissionais de usabilidade e baseia-se num protocolo bem estabelecido e comprovado. Observam-se os clientes a interagir com o produto ou serviço em questão, procurando desempenhar determinadas tarefas, identificam-se problemas de interacção e avalia-se o grau de facilidade (ou dificuldade) com que as completam. Nesta técnica, o conhecimento e a experiência do moderador são essenciais para captar todas as pistas, verbais e não verbais, muitas vezes inconscientes, que são dadas pelo cliente. Mais uma vez, a observação do cliente no momento da interacção – e não antes ou depois – é um factor crítico.

As técnicas aqui faladas, para além de identificarem problemas em produtos e serviços já existentes, também ajudam a encontrar oportunidades de melhoria nesses produtos e serviços, e até mesmo outras oportunidades de negócio – soluções para problemas que ainda não foram endereçados no mercado.


BENEFÍCIOS DAS TÉCNICAS DE USER EXPERIENCE E SERVICE DESIGN

Por um lado, estas técnicas permitem perceber melhor os clientes e, assim, criar produtos e serviços mais alinhados com as suas preferências, aumentando a probabilidade de adopção pelo cliente. Por outro lado, ao proporcionarem melhores experiências aos clientes, conseguem que usem o produto ou serviço repetidamente (retenção). Hoje em dia, um dos factores mais diferenciadores de um produto e serviço é a sua experiência de utilização (por vezes mais do que o preço!) e estas técnicas permitem perceber bem essa experiência, essa jornada do cliente.

Tradicionalmente, o marketing foca-se na atracção de utilizadores e clientes e fá-lo com muita eficácia. Mas, muitas vezes, a retenção desses clientes é deixada para segundo plano. E é aí que as técnicas de User Experience e Service Design podem ajudar e muito!

Como se viu, através da observação contextual, no terreno, algumas técnicas ajudam a perceber os obstáculos que os clientes encontram, as dificuldades que sentem e, assim, permitem melhorar de forma significativa a experiência de utilização. Dessa forma, aumenta-se a taxa de retenção dos clientes e também se gera mais word-of-mouth positivo. Um bom exemplo disto é a aplicação Waze, que proporciona uma experiência de utilização tão boa aos seus utilizadores que são eles próprios a convencer outros a usá-la.

Nas vendas online, em particular, as técnicas de UX permitem aumentar de forma significativa a taxa de conversão, pois identificam os obstáculos que os utilizadores enfrentam no processo de compra – os problemas de usabilidade. Depois dos problemas identificados, os especialistas em design de interfaces (UI designers) criam soluções que permitem levar mais clientes até ao final do processo de compra e aumentar as vendas.

Também do lado dos custos, a utilização de técnicas de UX e Service Design traz benefícios relevantes. Por um lado, reduz os custos de desenvolvimento dos produtos e serviços, pois estes são, à partida, mais adequados às preferências dos clientes e têm maior taxa de aceitação. Evita-se, assim, rework.

Por outro lado, contribuem para a redução dos custos de apoio ao cliente, por exemplo call centers, uma vez que torna os produtos e serviços mais simples de usar e corrige os problemas que os clientes enfrentam, reduzindo assim o número de pedidos de apoio e de reclamações.

No momento da tomada de decisão sobre a criação de novos produtos e serviços ou sobre a evolução de produtos e serviços existentes, procure basear essas decisões em evidências, recolhidas no terreno junto dos clientes. Assim, terá uma noção o mais fidedigna possível dos problemas e preferências dos seus clientes. As técnicas de UX e Service Design podem ajudar a complementar as actividades de marketing, com grandes benefícios para o negócio.


SOBRE A TANGÍVEL

A Tangível é a empresa pioneira de serviços de Human-Centered Design (HCD) em Portugal, com mais de 17 anos de experiência. Faz parte do Grupo Tangível, juntamente com a Tangível Academy, que actua no sector da formação de executivos na área de HCD, e pela Hyphen, empresa de outsourcing especializada em experiência digital, desde User Experience Design a Front-end development.

Saiba mais em tangivel.com.

Este artigo faz parte do Caderno Especial “Costumer Experience”, publicado na edição de Março (n.º 308) da Marketeer.

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