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Storywashing: a diferença entre “contar uma história” e “viver a história”
Por Gustavo Mendes, Diretor do programa Brand Management da Porto Business School e fundador da Ichika Brand Consulting
Era uma vez uma marca que queria ser relevante. O mercado estava saturado, os consumidores cada vez mais exigentes e a concorrência extremamente feroz. Para se destacar, decidiu investir em storytelling. Afinal, era o tema mais hype, toda a gente o fazia, e parecia o passo óbvio. Procurou uma tensão social “à porta de casa”, para ser o gancho perfeito, pensou no (produto) que tinha de melhor e carregou cada momento de emoção e de dedicação (da marca) ao serviço de um mundo maior e melhor.
No entanto, há uma grande diferença entre “contar uma história” e “viver a história”. A primeira pode envolver, entreter e até motivar, mas não deixa de estar dissociada da essência da marca (se existir alguma) ou de estar desancorada das suas ações de todos os dias, e por isso resulta numa promessa (por cumprir), apesar de bem contada. Entramos aqui no território do que chamamos de storywashing – uma história (de ficção) cativante, bem feita, mas suspensa no vazio e desancorada (da cultura) da marca. É como um filme que vimos, gostamos e partimos para o seguinte, sem levar nada connosco. Por isso, o seu verdadeiro impacto reduz-se ao efeito de buzz inicial, às partilhas e likes em real-time, mas sem qualquer lastro, tração ou contributo para si própria (de posicionamento, por exemplo) ou para os utilizadores, clientes e parceiros.
Está longe de ser o que caracteriza a segunda – “viver a história” –, neste caso, uma narrativa que é orgânica, que ganha vida própria e se constrói todos os dias. Cada escolha, cada interação e cada compromisso (cumprido) adiciona significado à marca, faz sentido à vida de quem a escolhe. A repetição consistente de tudo isto perpetua a história e cria os novos capítulos que a mantêm viva.
Era uma vez uma marca que percebeu que a sua história não era apenas sua – estava a ser vivida por todos (colaboradores, clientes, parceiros). Em vez de inventar uma história sobre o que achava importante, a marca primeiro decidiu perceber o que realmente importava. Ouviu quem fazia parte dela e quem não fazia parte, mas estava lá, e redescobriu a sua relevância para chegar à conclusão de que as melhores histórias não são inventadas, mas sim reveladas. Elas existem no dia-a-dia, nas ações e escolhas repetidas, nas interações entre pessoas e a marca, à espera de serem contadas. E foi isso que fez: contou a história que estava a viver, fazendo de todos (colaboradores, clientes, parceiros) protagonistas, mais ou menos presentes, mas todos participantes. Por isso é que o impacto mais interessante para a marca que decidiu viver a história foi ver a sua cultura reforçada e a relação entre todos fortalecida e renovada a cada capítulo.
Uma história não se impõe, ela constrói-se através das escolhas que fazemos (entre elas as marcas) e das palavras que usamos para dar sentido, literalmente, a tudo o que nos acontece. A história – e quem dela faz parte (nomeadamente as marcas) – explica quem somos e o que queremos ser. Por isso é que mais do que escolher produtos ou serviços de uma marca, as pessoas escolhem “viver a história” com a marca.