Starbucks: O marketing é demasiado importante para ser um departamento

Por André Zeferino, consultor em Estratégia de Marketing, autor dos livros “Digital Marketing Analytics” e “Marketing Mindset” e co-autor de “Marketing Futureland”

“Marketing is too important to be left to the marketing department.”

Esta citação, atribuída a David Packard, co-Fundador da HP, está muito alinhada com um pensamento de Peter Drucker: “Marketing is not a function, it is the whole business seen from the customer’s point of view”, numa perspectiva que não deixa dúvidas quanto à importância desta área no seio de qualquer organização.

Poderá dizer-se que esta visão do marketing foi construída num período da história onde os desafios apontados aos negócios não eram tão complexos como os tempos que hoje se vivem, perante novas dinâmicas dos mercados e ciclos económicos mais incertos e instáveis.

Mas é relevante sublinhar que os conceitos que ainda hoje marcam a diferença em qualquer estratégia e abordagem de marketing foram idealizados há 60 anos e mantêm-se firmes na sua pertinência a estes desafios como se tivessem sido pensados ontem:

• Miopia de marketing – Definido há 64 anos por Theodore Levitt, e que coloca a necessidade do cliente à frente do protagonismo do produto: “People don’t want to buy a quarter-inch drill; they want a quarter-inch hole”

• Variáveis de Marketing (mix) – Definido há 60 anos por Neil H. Borden, e que estabelece a natureza adaptativa do negócio às dinâmicas do mercado: “The marketing mix of a firm is the product of the evolution that comes from day-to-day marketing”

Quando se fala em “evolução do marketing” não estão em causa muitos dos seus conceito fundacionais mas os novos meios que surgem para os aplicar.

O que precisa fundamentalmente de mudar em cada alteração estrutural do mercado e no funcionamento dinâmico da economia é a mentalidade dos profissionais e decisores de marketing, na forma como utilizam os instrumentos e as ferramentas à sua disposição em cada momento, para criarem valor no negócio e nos clientes, numa relação simbiótica.

E foi justamente esta mudança de mindset que levou recentemente a Starbucks a alterar o seu modelo de abordagem, ajustando o papel do marketing aos seus desafios – ipsis verbis na visão de Neil H. Borden.

Embora esta medida tenha sido apelidada pelos media como uma “tendência” seguida por outras marcas globais, importa referir que qualquer alteração estrutural em negócios estabelecidos com determinada dimensão exige uma ponderação concreta e objectiva, e não ser movida apenas por tendências, até porque estas podem não determinar uma necessidade imperativa de mudança.

Nesta decisão da Starbucks, tornada pública no seu press center, destaco três aspectos na sua comunicação oficial:

O desafio específico da Starbucks

O principal desafio da marca é a necessidade de um posicionamento mais expansivo das suas actividades – de notar que a palavra “global” é mencionada 16 vezes e em todos os contextos: suporte global, parceiros globais, funções globais, etc.

Todas as empresas e marcas que abraçam o crescimento e a expansão das suas actividades precisam, em primeiro lugar, de cultivar no seu mindset a palavra “globalização” em tudo o que pretenderem vir a criar e alcançar.

Só com um pensamento devidamente ajustado é possível tirar partido dos instrumentos e das múltiplas ferramentas de marketing a favor de qualquer nova estratégia, tal como refere o CEO da Starbucks, Laxman Narasimhan: “We are realigning the organization to balance clear geographical focus with investing in functional capabilities to scale around the world”.

O foco nas funções estratégicas

Este ajustamento nas funções do CMO não retira qualquer importância ao papel do marketing, porque a sua essência continua a ser crítica, quer para a própria Starbucks, quer para as organizações.

Basta relembrar que outras grandes marcas já o fizeram no passado e algumas até reverteram as suas decisões. A Coca-Cola fê-lo em 2017 numa mudança que durou apenas dois anos, e a McDonald’s, que eliminou a figura do CMO em 2019, trouxe-a de volta nem um ano depois.

A Starbuck estabelece agora o foco da importância do marketing em três pontos críticos: no apoio regional, junto dos clientes; na estratégia de produto e na cultura da marca, criando novos cargos globais para estes dois últimos – chief Merchant and Product officer e global Brand creative leader, ou seja, pretende-se um marketing centrado na inovação de produto e no brand building.

Embora a gestão do produto e da marca sejam funções convencionais no mix de marketing, ganham um novo protagonismo na estratégia da Starbucks.

O desafio da profissão neste contexto de evolução

De acordo com dados da Spencer Stuart, que actua na área do executive search, apenas 36% dos profissionais de topo na função marketing em empresas do Fortune 500 possuem o título tradicional de CMO, porque nos últimos anos as atribuições de marketing têm vindo a ser assumidas por responsáveis globais de produto, marca, publicidade, comunicação, inovação ou até de qualidade.

Esta aparente “plasticidade” do marketing nem sempre é percebida como uma vantagem e talvez por esta razão exista no seio da própria indústria a necessidade de um debate quase constante sobre a sua afirmação e importância, já que numa estrutura empresarial poucos terão dúvidas sobre o que faz a Contabilidade, a direcção de Recursos Humanos, a direcção Financeira ou a direcção Comercial.

De igual modo se poderia falar dos advogados, economistas, engenheiros ou médicos, entre outras classes profissionais. Nestes exemplos, as respectivas Ordens têm um papel determinante na clara definição e importância das competências de cada profissão, algo que as associações de marketing, e sobretudo a academia, poderão sempre fazê-lo ainda com mais empenho e determinação, não apenas para dentro da indústria, mas sobretudo na dignificação desta profissão na opinião pública.

A redefinição funcional do CMO reflecte uma evolução necessária num ambiente altamente competitivo e de contínuas inovações, que exige uma mentalidade de marketing mais ágil e integrada, atendendo a necessidades específicas, onde é premente combinar diferentes competências e uma ampla visão dos objectivos de negócio.

A Starbucks pretende criar uma estrutura de liderança geográfica clara, apoiada por funções globais com um profundo conhecimento processual e capacidade de gerar impacto em maior escala para acelerar a reinvenção da empresa e elevar a marca.

E para tudo isto precisa de um marketing que não esteja centrado apenas no CMO mas – em diferentes atribuições – descentralizado e focado. No essencial, a Starbucks considera que o marketing é demasiado importante para estar apenas num departamento, porque deve estar onde o negócio precisa e, no limite, na mentalidade de toda a organização.

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