Sistema interbancário de cartões de pagamento posto em causa pela EU

CartoesA maioria dos consumidores e retalhistas europeus utiliza um sistema de cartões de pagamento muito eficiente: o cartão do banco do cliente é aceite pelo retalhista, independentemente dos seus respectivos bancos.

Este esquema muito amigo do utilizador baseia-se num sistema de transferências interbancárias e num modelo económico baseado em taxas de intercâmbio multilaterais (TIM) pagas entre bancos ou instituições de crédito. Graças a estes benefícios, o sistema “four corners” dos cartões de pagamento desenvolveu-se em toda a Europa. Trinta anos depois de terem sido introduzidos, os cartões bancários tornaram-se o método de pagamento preferido dos franceses e agora representam praticamente um em cada dois pagamentos.

O maior benefício do cartão bancário é o facto de ser aceite em toda a parte. Outras vantagens incluem:

Uma garantia de que os retalhistas serão pagos;

Fiabilidade e confiança, com risco de fraude persistentemente baixo;

Localização: uma arma essencial na luta contra a lavagem de dinheiro.

Aceites por todos os intervenientes, os cartões de pagamento bancários oferecem um interessante rácio custo-serviço, patente na sua expansão e selecção contínua entre muitos outros tipos de pagamentos inovadores (Paypal, Isis, Google Wallet, etc.).

Actualmente, o esquema de compensação repartida proporcionado pelos cartões bancários ajuda a reduzir os custos unitários da transação, num ambiente aberto a todos os retalhistas, independentemente da dimensão, localização geográfica ou canal de distribuição. As taxas de intercâmbio multilaterais aplicam-se a todas as transações, independentemente do banco usado pelo consumidor ou pelo retalhista: as TIM garantem a interoperabilidade e universalidade do sistema de cartões de pagamento.

E no entanto este método de operação, que é bem conhecido das autoridades públicas, está agora a ser contestado pela União Europeia; do ponto de vista das regras da concorrência, a Comissão acredita que o sistema de transferências interbancárias tem falta de transparência. Discussões em curso sobre o futuro dos instrumentos de pagamento na Europa incluíram propostas para a redução e até para a eliminação total das taxas de intercâmbio multilateral.

No entanto, dentro da Área Única de Pagamentos em Euros (Single Euro Payments Area – SEPA) e numa base com o mesmo âmbito, se o modelo multilateral fosse substituído por acordos bilaterais, teriam de ser negociados diversos milhões de acordos, incluindo cláusulas contratuais e gamas de preços potencialmente diferentes para cada um. Consequentemente, está longe de ser uma certeza que a mudança do modelo económico traria maior transparência ou justiça de tratamento entre os intervenientes.

Consequências inevitáveis para consumidores e retalhistas

Para além da complexidade de uma rede de acordos com um crescimento tão descontrolado, as críticas apontadas ao sistema implementado em toda a Europa poderiam originar uma série de possíveis mudanças, que ocorreriam, potencialmente, todas em simultâneo:

Taxas mais elevadas nos pagamentos com cartões bancários, pois os bancos procurariam recuperar algumas das taxas de intercâmbio perdidas cobrando aos clientes. Os bancos seriam obrigados a aumentar as anuidades dos cartões ou as taxas para usar um cartão (pagamento e/ou levantamento) ou até para serviços como débitos diferidos. Foi precisamente o que aconteceu em Espanha entre 2006 e 2010: a um corte de 57% nas TIM seguiu-se um aumento de 50% nas anuidades dos cartões durante o mesmo período, e no entanto não foi possível demonstrar que as poupanças de custos para os retalhistas nas suas taxas bancárias se refletiram nos preços do consumidor;

Migração para outros instrumentos de pagamento que são menos seguros e/ou menos transparentes, como numerário, cartões pré-pagos anónimos, cheques… Em Portugal, a utilização predominante de cartões de pagamento bancários ajudou a reduzir significativamente, ou pelo menos a conter, a utilização de outros instrumentos de pagamento que são mais dispendiosos para a sociedade como um todo;

Um impacto na inovação e segurança dos pagamentos com cartões. A inovação tecnológica e o combate à fraude são as maiores preocupações das instituições financeiras. Os bancos estão constantemente a fazer esforços para melhorar a segurança dos pagamentos, ao mesmo tempo que testam soluções técnicas novas e inovadoras. Uma parte substancial dos seus recursos é gasta neste tipo de iniciativas. Seria prejudicial privá-los dos meios para continuarem a fazer estes investimentos cruciais para o futuro dos cartões de pagamento em França.

Consequências inevitáveis para os bancos

É graças ao modelo económico da banca comercial na Europa que os clientes têm uma vasta gama de produtos e serviços eficazes. Um factor essencial deste sucesso é a densidade da rede da banca comercial. Este modelo ficaria ameaçado se houvesse menos comissões adicionais para os bancos. Em última análise, também significaria menos recursos e menos empregos directos e indirectos para o crescimento económico.

Mas o fim do modelo do cartão de pagamento interbancário está no horizonte? Eliminar as TIM poria um fim à colaboração interbancária do sistema de «Quatro Cantos». Também promoveria o desenvolvimento de redes de pagamento privadas e debilitaria o papel dos bancos como criadores e emissores de instrumentos de pagamento.

Dada a importância das questões em causa, os profissionais da banca têm reafirmado a sua determinação de exercer a sua actividade em condições equitativas para todos os intervenientes – bancos e não bancos – e para todos os sistemas de “three corners” e “four corners” que oferecem os mesmos serviços, com os mesmos direitos e deveres para garantir uma concorrência justa e aberta no mercado dos cartões de pagamento. Além disso, pretendem proteger o modelo “four corners” que abriu caminho para a utilização generalizada dos cartões de pagamento: a sustentabilidade deste modelo exige a aplicação continuada de TIM, que por si só podem garantir a interoperabilidade e distribuição massificada deste instrumento de pagamento.

Os profissionais da banca um pouco por toda a Europa pedem, por isso, que qualquer iniciativa que conteste o modelo económico do sistema de cartões de pagamento seja precedido de uma análise minuciosa do mercado de instumentos de pagamento (numerário, cheque, cartão de pagamento, etc.), comparando cada instrumento de pagamento em termos de custos diretos e indiretos, segurança e facilidade de utilização em todos os países europeus e no exterior.

Texto  Colette Cova, Departamento de Estudos e Actividades Bancárias e Financeiras da Federação dos Bancos Franceses.

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