Sharevertising
Às vezes compro livros pelos títulos. Um deles foi “As Ideias Têm Pernas”, uma edição de poemas ilustrados que veio parar à minha estante por causa dessa ideia de que as ideias têm pernas. Sempre achei que é uma boa definição para o que fazemos: trabalhamos para as marcas para lhes dar ideias com pernas, ideias que consigam ser tema de conversa contagiante e assim passarem a caminhar com as pessoas. É porque as ideias têm pernas que dizemos que podíamos viver sem isto e aquilo mas não era a mesma coisa e é também por isso que os nosso filhos querem ter uns sapatos que respiram.
No século passado, a publicidade que agora chamamos tradicional dependia de duas muletas para dar pernas às marcas: o talento e a repetição paga. O talento era responsável por um par de pernas compridas e musculadas: criando assunto de conversa para as marcas através das ideias, dava-lhes inteligência, humor e surpresa, dava-lhes um jogo memorável de palavras, um universo visual forte e uma produção extraordinária. A outra muleta, a repetição paga através do investimento de media, garantia que víamos a ideia e de preferência muitas vezes, para não nos esquecermos dela.
Hoje, a publicidade ganhou novos formatos e disciplinas e o investimento de media por si só dá um par de pernas curtas. Com muita insistência e dinheiro, é possível fazer caminhar uma ideia fraca mas apenas por pequenas distâncias, ou então pagando um preço que poucos podem. O essencial não mudou. Agora como dantes, a nossa profissão depende de boas histórias. Mas esse mundo onde as ideias circulam já não é o mesmo. Onde existiam caminhos de pedras, hoje há auto-estradas feitas para as ideias deslizarem a grande velocidade. Continuamos a depender de ideias com pernas para chegar às pessoas, mas temos à nossa disposição um novo motor que ajuda as ideias a correr a grande velocidade. Esse motor é a partilha.
A ideia e a partilha são como um casal perfeito que gosta de viajar. Um sem o outro iam a menos lugares, conheciam menos pessoas, conversavam menos, tinham menos coragem, conseguiam menos feitos. A ideia alimenta a partilha e torna-a maior e vice- versa. Ideias com pernas foram feitas para partilhar, mas sem ideias não há partilha, por isso é das duas que nasce a melhor publicidade que se faz hoje. Não é publicidade tradicional, não é digital, não é activação ou guerrilha, mas até pode usar todas essas técnicas. Chamemos-lhe Sharevertising. São ideias criadas com o objectivo de serem partilhadas.
O melhor exemplo de 2012 até agora: tornar famoso um criminoso. Foi uma boa história contada em 30 minutos de YouTube, o apelo à partilha e a facilidade em passar à prática que ajudaram Kony a ficar famoso num plano de meios feito por 80 milhões de pessoas em 15 dias. É a prova de que não podemos confundir tecnologia com o talento de criar enredo para uma marca. Um botão de share, um kit de guerrilha ou uma aplicação de Facebook não são uma ideia, não criam 80 milhões de cliques, são apenas um mecanismo de partilha.
Todo o publicitário, digital ou analógico, guerrilheiro ou da activação, continua a trabalhar na indústria das ideias, ou seja, na criação de assunto de conversa, porque só ele tem esse valor acrescentado que consiste em carregar as marcas às costas na sua caminhada. As ideias continuam a ser conceitos, ficções delirantes ou realidades surpreendentes.
Continuam a ser interessantes porque são novas, inteligentes, divertidas, chocantes, comoventes ou úteis. Continuam a ser um assunto sobre o qual se pode falar. A novidade é que ser publicitário hoje significa também trabalhar para esse Sharevertising, logo arquitectar a opção do share, essa utilização gratuita de meios ao nosso dispor que alimentam as ideias, essa disponibilidade constante para publicar e conversar sobre tudo e nada, na media social ou fora dela. Mas ser arquitecto da partilha sem uma boa história para contar é como desenhar uma casa feita de pó e de ar. As ideias têm pernas, isso é o que importa reter destes caracteres. Agora, graças a uma partilha diligente, elas podem correr o mundo, em vez de apenas caminharem na nossa rua.
Texto de Susana Albuquerque, Creative director da lowe ativism
Fotografia de Paulo Alexandrino