Seth Godin, o factor Uau e o botão Next
Andrey Ternovskiy tem 17 anos e anda à procura de um site onde possa meter conversa ao acaso com qualquer pessoa que esteja sentada à frente de uma webcam. Como não encontra resultados para a busca, fecha-se no quarto durante três dias e inventa um site chamado ChatRoulette. A mecânica do site é muito simples, igualzinha a um jogo de roleta. Entramos no site e calha-nos alguém ao acaso que está online em frente a uma webcam. Se não nos interessar, pelo que diz, pela forma como se senta, pela idade, pelo sexo, pelo corte do bigode, carregamos no botão “next” e o infeliz rejeitado é substituído por outro, e por outro e por outro, tantas vezes quantas forem precisas até conseguirmos encontrar alguém com quem nos apeteça meter conversa.
Parece um ovo de Colombo inventado numa garagem de Sillicon Valley mas, na verdade, Andrey é russo e está agora a decidir o que fazer com o site que criou, que recebe 1,5 milhões de visitantes todos os dias, e cujo valor estimado anda entre os 10 e os 30 milhões de euros, menos de 1 ano depois de ter sido feito no tal quarto do norte de Moscovo.
Muitos de nós andam à procura de criar algo com este factor Uau, mas a verdade é que a maioria apenas o quer consumir, ou espreitar, ou deambular entre os vários factores Uau que aparecem, clicando next atrás de next, como fazem os utilizadores do ChatRoulette. O site é uma boa expressão desta nova enorme cultura do toca-e-foge, uma cultura de clickers, nas palavras de Seth Godin, uma cultura que não consome nada a fundo, apenas consome a velocidade de encontrar um próximo encanto. A leitura deste texto de Seth Godin é altamente recomendável e é o tema desta página. O post chama-se “Driveby culture and the endless search for wow” e está disponível em sethgodin.typepad.com (post de 16 de Março). Nele, Seth chega a perguntar-se, em tom irónico, se deve alterar o conteúdo dos seus posts em benefício de ser mais clicado e assim fazer subir as estatísticas do seu blog, ou se pelo contrário deve continuar fiel ao que acredita e seguir escrevendo mais a fundo sobre o que lhe interessa, com o objectivo de mudar mentalidades e comportamentos, mesmo que isso implique menos visitas.
O post de Seth Godin é uma boa reflexão sobre a ditadura da aparência no marketing, a contabilização do click como sendo o objectivo máximo dos conteúdos e das campanhas que criamos e veiculamos na internet, do qual a ChatRoulette é um bom exemplo. Hoje contam-se clicks, pageviews e números de fãs no Facebook, é isso que interessa e que define o sucesso do que se faz, é essa capacidade de produzir o factor Uau, mesmo que muitas vezes ele seja aleatório, sem levar em conta o real valor para o anunciante de cada um desses clicks, sem contemplar que muitos desses clicks podem ser apenas um next entre muitos nexts. Como no ChatRoulette, eu posso clicar em 150 pessoas e apenas conversar com uma delas, fazendo destes 149 clicks que são contabilizados 149 clicks sem qualquer significado.
Eu não consigo desdenhar tanto o factor Uau como Seth Godin, até porque ele é o motor da publicidade; ele é essa capacidade de surpreender e encantar ao mesmo tempo, e sem essa primeira piscadela de olho de 10 segundos não há primeiro beijo nem namoro depois. O factor Uau continua a ser a forma mais rápida de estabelecer uma relação emocional com alguém. Mas para além do primeiro click, estou com o Seth, vale a pena mais do que nunca procurar relações duradouras, através da relevância, da criação de um conteúdo de valor, do significado do que se diz e faz, vale a pena procurar afinidades profundas entre o que se está a criar, o que se quer vender e quem nos está a ver, mesmo sabendo que elas são cada vez mais difíceis de conseguir. O factor Uau é óptimo para atrair alguém, mas é importante que ele traga junto alguma imunidade a esta correria sem paragens que nos faz interessar por tudo e todos e ao mesmo tempo por nada.
Entretanto, a chamada “cultura de auto-estrada” já promoveu o Chat-Roulette a fenómeno do momento: nos últimos dois meses, a French Connection UK lançou uma promoção que prometia premiar o primeiro tipo que conseguisse seduzir uma rapariga através da roleta, o Jon Stewart fez uma rábula hilariante sobre a utilização do site, uma banda canadiana chamada Holy Fuck decidiu lançar o seu novo disco para uma webcam do ChatRoulette (mesmo com as muito baixas probabilidades de ter algum fã da banda a ouvi-los) e já há um vídeo do YouTube no top dos virais que não é mais do que uma utilização da roleta, com a particularidade de ter o utilizador sentado ao piano, a improvisar em tempo real sobre todas as figuras que lhe aparecem no monitor sempre que faz next. Estaremos mesmo todos apenas movidos por apertar o botão do next?