Será que AKACorleone e Rui Maria Pêgo conseguem ser criativos todos os dias?
Como é que se consegue ser criativo todos os dias foi o mote da conversa que juntou em palco, na 21ª Conferência da Marketeer, o pintor e Urban Artist Pedro Campiche, AKACorleone, e o actor e apresentador de rádio Rui Maria Pêgo.
Rui Maria Pego não hesitou na resposta assumindo que tenta sempre procurar a autonomia do seu pensamento, mesmo quando está a trabalhar com marcas. «A minha criatividade é tanto mais interessante quanto menos eu estou impactado pelo que se passa à minha volta. Quanto mais eu estou vidrado no telemóvel, pior! Piores perguntas faço ou piores programas desenvolvo.» Daí que procurar lugares de silêncio e tentar descobrir o seu olhar ajuda-o na criatividade.
Pedro Campiche não tem dúvidas de que a criatividade assume diferentes formas. E admite sem rodeios: «Não sou criativo todos os dias. É impossível sê-lo todos os dias.» Acredita que o que há é que aprender a canalizar os momentos em que se sente mais criativo para resolver problemas. E explica: «Venho de uma formação de design, vejo a criatividade como uma resolução de problemas.»
Nos momentos de menor criatividade, mais metódicos, o artista aproveita para ir buscar aquilo com o qual já está confortável, utilizando-o. Mas confessa que a pressão e os deadlines acabam por servir muito para desbloquear problemas criativos. «Para mim a criatividade serve uma necessidade. A ideia poética do artista a olhar a tela em branco e, de repente, inspira-se e faz algo, não é real. Há muito trabalho de preparação, há técnicas e estratégias a que podemos recorrer», sublinha assumindo que no seu caso a criatividade surge quando sai da sua zona de conforto, encontrando opções novas, sem repetir uma fórmula. «Adorava que não fosse assim e que a criatividade não surgisse tanto do desconforto, mas é como acontece. Aliás, quase que já é uma bengala eu colocar-me nessas situações», admite.
E muitas vezes não há sequer tempo para a síndrome da folha em branco, tantas vezes associadas aos escritores. «Não dá. Se não morremos. Temos de fazer coisas», graceja o radialista que fez rádio diariamente durante mais de 10 anos e que muitas vezes se questionou como ia dizer coisas interessantes às 7 da manhã. «Sei que tenho de estar focado, concentrado e saber para quem é que se fala», revela Rui Maria Pêgo. Hoje, na Rádio Comercial, sabe que tanto pode estar a ser ouvido em Bragança, em Lisboa, nos Açores ou em Tóquio. Portanto importa-lhe descobrir o que é mais universal possível. «Uma coisa que me ajuda a desbloquear, quando falo perguntas, em entrevistas, é assumir que não sei. Vou para todas as conversas com a mesma atitude que é seguir a minha curiosidade ou uma pista que abre a porta para qualquer outra coisa.»
E no trabalho com marcas Rui Maria Pêgo confidencia que, às vezes, recebe briefings muito fechados que são difíceis de gerir. Mas o que tenta fazer, por já ter trabalhado com muitas, é descobrir qual a nota dissonante e seguir por aí. «Por isso é que hoje faço menos coisas.»
O artista urbano AKACorleone lembra o caso raro do trabalho que desenvolveu com a Bombay Sapphire em que quase teve carta branca para fazer o trabalho com que se identifica. Mas, sublinha, muitas vezes as marcas têm uma mensagem que querem passar e os artistas têm de encontrar um veículo para isso, daí que nem sempre consigam ser o mais originais e espontâneos. E sente que quando há verdadeiramente fluidez no trabalho do artista com a marca, o público percebe-o.
O radialista partilha que na sua experiência há pessoas mais e menos abertas a negociar, havendo agendas que as marcas têm de cumprir. Mas, conta que tem tido experiências felizes de uma maneira geral. «Vivi a explosão dos influenciadores. Houve um tempo em que nada disto existia e não foi assim há tanto tempo. Portanto marcas e mercado adaptaram-se a isso.» Agora sente que tem mais força para dizer que algo não lhe faz sentido e portanto para dizer às marcas para procurarem outra pessoa. Não obstante, acredita que os artistas ou criadores de conteúdos não podem ser inflexíveis. «Tem de ser um casamento feliz para os dois lados.» Hoje, tenta escolher de forma consciente, tentando ligar-se a pessoas e a marcas em que haja fit. «Gosto de relações de continuidade, havendo marcas com que trabalho há bastante tempo. Procuro ver como é que eu me mantenho eu, apesar daquilo que me pedem.»
Rui Maria Pêgo já fez vários podcasts para e com marcas. Mas acredita que com a proliferação de podcasts, agora, há que encontrar as razões certas para os fazer e não ter um podcast apenas para mostrar que se está vivo. Tem de se ser relevante, mas ter algo para dizer, algo que tenha sido pensado. Ou seja, no caso das marcas, «o que é que estamos a comunicar».
No meio de tantas personalidades e artistas a querer comunicar, Pedro Campiche assume não só que não tem um podcast como que falar em público não é o seu meio natural. «É complicado como artista ter presença pública em redes sociais, criar conteúdos que seja pertinentes e originais. O Instagram está saturado de artistas a querer mostrar com quase um desespero de “estou aqui e não se esqueçam de mim”. Como artista tento fazer uma abordagem e uma comunicação o mais natural possível. Gosto muito, e as plataformas ajudam, de contar a história que está por trás de uma exposição ou de um projecto, as colaborações e que as pessoas se sintam mais próximas e relacionadas com o que eu faço.» AKACorleone quer, ainda assim, acreditar que o trabalho artístico que é feito é o mais importante e não a forma como está nas redes sociais. «Todos os dias estou a tentar arranjar forma de mostrar algo novo. Se mantiver a criatividade e experimentalismo acredito que vou continuar a conseguir pagar as compras.»
Trabalhando há dez anos como artista independente, conseguiu já perceber como comunicar com o seu público e como chegar a novos públicos. E fá-lo tentando que seja algo natural para si e não tentando replicar o que vê funcionar em outros artistas.
Nascido e criado no meio dos media, Rui Maria Pêgo conta que sempre teve vontade de sair da roda e por isso foi estudar teatro para Londres. «A ideia era estar fora, pensar-me e pensar o que queria fazer de outra forma. Fui descobrir novas maneiras de ter encontros entre pessoas – que é o que se faz em rádio e em televisão. Para fazer boas perguntas temos de viver coisas, algo que nem sempre se consegue quando estamos em velocidade vertiginosa.»
Portugal é criativo?
A síndrome de país pequeno existe. Muitas vezes conseguimos ver as oportunidades em mercados maiores, mas AKACorleone acredita que dos desafios surgem oportunidades. «Comecei a carreira de artista numa crise económica. O que me fez ir atrás do que queria, fosse com marcas ou com galerias. Gosto da sensação de perseguir um objectivo. Se calhar noutro país muitas das oportunidades que procurei (e que consegui), não teria procurado. Estas dificuldades transformam-se em oportunidades.»
Ainda que concorde com o seu parceiro de painel, o radialista aponta o dedo ao medo da diferença e ao risco que existe em Portugal. «Há muita criatividade e vontade de fazer coisas, mas muitas vezes não há capacidade financeira para produzir. E há também medo de assumir uma identidade. Na minha experiência assumir a minha identidade a todos os níveis foi aquilo que me diferenciou. Nem todos gostam. Mas há os que me reconhecem porque não estou a tentar ser outra coisa. Acho que a criatividade crescerá sempre a partir do momento em que as pessoas puderem existir da forma que entenderem.» Mas, sublinha, Portugal, com traços marcados de uma ditadura longa, corta muitas vezes as pernas da criatividade.
Texto de Maria João Lima