Semana de 4 dias: o futuro ou um sol de pouca dura?
Por Marco Gouveia, consultor e formador de Marketing Digital, head of Digital Marketing no Pestana Hotel Group e Google Regional trainer
Com a Revolução Industrial, várias vozes se levantaram a anunciar o fim do trabalho humano, alguns dos quais – os chamados ludistas – virando-se contra as máquinas. Outros, contudo, mais optimistas, viram na automatização a libertação do Homem, que teria, finalmente, depois de séculos a lavrar a terra e a trabalhar nas manufacturas, tempo para o ócio e desenvolvimento pessoal. Três séculos depois do início da Revolução Industrial, podemos dizer, com certeza, que ambos estavam errados.
Ao contrário do que os ludistas temiam, as máquinas estão longe de ter substituído as pessoas. Por outro lado, Marx estava certo ao dizer que as máquinas, longe de nos libertarem, tornaram-nos os seus escravos, obcecados com o aumento contínuo da produção e do lucro.
Pensamos no nosso trabalho como definidor não só daquilo que fazemos, mas do que somos. O que faz todo o sentido se pensarmos que 8 horas do nosso dia, se tivermos a “sorte” de ter um emprego full-time, são passadas a trabalhar. Um terço do nosso dia. Metade se excluirmos as horas que passamos a dormir. Mesmo a outra metade, bem vistas as coisas, acaba, inevitavelmente, por ser sobre trabalho, por ter por referente o trabalho, neste caso, pela sua ausência. Aproveitamos, nessas preciosas horas, para descansar do trabalho, para repôr energias para, posteriormente, voltar à rotina do trabalho. E isto quando não passamos essas horas a pensar em trabalho ou a prepará-lo, revendo o que temos a fazer no dia seguinte ou acabando alguma coisa de modo a cumprir os prazos que são sempre para ontem.
Será isto desejável? Será isto humano? Será isto o resultado lógico dos séculos e séculos de civilização? Ou será, simplesmente, o resultado arbitrário de um processo que fugiu do nosso controlo, que deixou, nalgum ponto, de ter uma intenção adjacente? Será realmente necessário e indispensável que trabalhemos todos cada vez mais e mais horas? Não deviam as tais máquinas que nos vinham roubar do trabalho dar-nos esse bem tão precioso e cada vez mais escasso que é o tempo? Porque é que o número de pessoas com distúrbios de ansiedade e stress continua a aumentar? Porque é que expressões como “saúde mental” e “self-care” estão tão na berra?
Tenho dado por mim a reflectir cada vez mais sobre estas questões. Sobre as 8 horas diárias, as 40 semanais, os 5 dias de trabalho consecutivos… Fará este regime ancestral ainda sentido nos dias de hoje, se é que alguma vez o fez? Não somos, afinal, agricultores medievais dependentes, literalmente, daquilo que produzem para subsistir a cada dia. Temos mais tecnologia do que nunca, sistemas de saúde e educação quase universais e, contudo, parecemos, por vezes, perceber cada vez menos como viver, como ser felizes.
Algo que me chamou a atenção recentemente foi a chamada “semana dos 4 dias”, uma tendência que parece estar agora a ganhar força. Algumas empresas, mesmo em Portugal, decidiram testar neste mês de Agosto – altura conhecida como silly season, com maior absentismo de actividade, saliente-se – este modelo de trabalho.
Aliás, várias empresas ao redor do globo estão a testar implementar uma semana de 32 horas, sem cortar salários. Os líderes começam a questionar o modelo de trabalho tradicional (das 40 horas semanais) e a abrir as suas mentes para a ideia de que poderia haver uma maneira melhor de gerirem as suas empresas. Ao contrário do que alguns fanáticos do capitalismo avançado apregoam, vários estudos mostram benefícios da semana de trabalho reduzida, como a redução do stress, aumento da produtividade e funcionários mais felizes e comprometidos.
A Microsoft Japão, por exemplo, tentou a semana de trabalho de quatro dias e alega que a produtividade aumentou 40% e os custos de electricidade caíram 23%. A primeira-ministra da Finlândia, Sanna Marin, anunciou que o seu país também quer experimentar uma semana de trabalho de quatro dias. Andrew Barnes (fundador da empresa de serviços financeiros da Nova Zelândia Perpetual Guardian), no seu novo livro “The 4 Day Week”, escreve sobre como deixar os seus funcionários trabalharem dessa maneira os deixou mais felizes e mais lucrativos. O conceito já ganhou espaço em lugares variados – Nova Zelândia, Finlândia, Rússia, EUA, agora Portugal, entre outros.
O que adoro nesta ideia é a sua aplicabilidade. Não se trata de uma utopia marxista ou hippie, de uma rejeição das empresas, da produtividade e do lucro. Muito pelo contrário, parece, precisamente, alinhar-se com os objectivos de incremento destes. Contudo, em vez de romantizar, como acontece amiúde, de forma assustadora, na nossa sociedade, o excesso de trabalho e as noites mal-dormidas, assenta sobre o pressuposto de que trabalhadores satisfeitos, descansados e motivados são melhores trabalhadores.
O trabalho, na era em que vivemos, não devia ainda ser algo penoso, esgotante, mas algo que nos comprometemos a fazer, por termos competências para tal e, idealmente, para atingirmos a realização pessoal, que, contudo, está, ou deve estar, longe de se esgotar na esfera laboral. Pela minha experiência, os trabalhadores que são apenas isso são, por norma, os que menos acrescentam à empresa. Que ideias novas terá alguém que passa o dia todo em frente do computador? São precisas, sobretudo na área do Marketing, pessoas criativas, com visão, que, e perdoem a pirosice, não se limitem a seguir o caminho batido, baixando-se, volta e meia, para admirar uma flor que cresce na berma. Criemos tempo para olhar para as flores.