Sector segurador prepara-se para nova abordagem ao mercado

A Covid-19 tem obrigado marcas e empresas a adaptarem-se aos desafios impostos pela pandemia, seja a nível do negócio como das necessidades dos consumidores. No caso do sector segurador, depois de um período interno de adaptação, seguiu-se uma fase de comunicação mais emocional, de forma a tranquilizar os clientes, mostrando que estavam dispostos a ajudá-lo a superar os desafios. Agora, há uma mudança no paradigma da comunicação, apostando-se na promoção de produtos que possam fazer frente às adversidades da pandemia.

Esta foi uma das conclusões do pequeno-almoço de debate do sector dos Seguros, que decorreu no restaurante Il Gattopardo, no Hotel Dom Pedro Lisboa. A discutir o presente e o futuro do mercado estiveram Afonso Barata (GNB Seguros), Ângela Veras (Logo), Ester Leotte (AdvanceCare), Inês Simões (Ageas), João Gama (Mapfre), José Villa de Freitas (Fidelidade), Susana Abelha (OK! teleseguros) e Susana Fava (CA Vida).

Ao nível de comunicação, houve uma necessidade de transmitir segurança e tranquilidade às pessoas, com produtos que salvaguardem as necessidades e imprevistos dos consumidores. Assim, as seguradoras mostraram uma maior solidariedade, deixando de ter um enfoque na venda e mais atenção nos produtos que os clientes tinham, mas não os estavam a utilizar, como as consultas online. «Durante estes meses, houve um grande foco na comunicação emocional. Agora, há uma grande necessidade de trabalhar a componente do produto, com foco na protecção e prevenção. Os operadores têm mais atenção e dedicação ao cliente. E esta postura faz diferença naquilo que é o ciclo do seguro», afirmam.

Os responsáveis presentes sublinham que, neste momento, os consumidores contam com um leque de serviços que lhes permite enfrentar os desafios da pandemia com outra confiança. Mas estão cientes de que a adopção aos mesmos requer um período de tempo de habituação até se criarem novos hábitos. E alertam que não basta disponibilizar os produtos e serviços e esperar que os consumidores recorram aos mesmos. «Tem de partir de nós, seguradoras, criar as condições para que essa mudança possa ocorrer. E, para tal, no caso da telemedicina, por exemplo, é fundamental conquistar a comunidade médica e atestar as mais-valias deste serviço», explicam.

Olhando para o mercado e para a performance o sector em 2020, houve áreas que reagiram de forma diferente à pandemia, pelo que alguns players tiveram um crescimento, ainda que não muito significativo. Outros afirmam que não se registou grande oscilação ao nível da procura por produtos seguradores. Aliás, até baixou. Mas registou-se uma grande mudança ao nível da movimentação das pessoas entre as seguradoras: a erosão caiu. «Contrariamente ao que se verificava até Fevereiro, houve um movimento muito mais limitado no que respeita a anular seguros e trocar de seguradoras. Houve uma diminuição da erosão», afirmam. O que se verificou, sim, foi, numa primeira fase, os consumidores fizeram uma maior comparação do seu seguro com outros, de forma a apurar se havia uma oferta melhor no mercado.

Adaptação ao desafio

Os responsáveis presentes no pequeno-almoço afirmam que, perante os desafios da pandemia, os agentes e mediadores reinventaram-se bastante. Foi-lhes dada muita informação, novas funções e capacidade de iniciativa. «Hoje, os mediadores estão mais tecnológicos, utilizam mais ferramentas e conseguiram assegurar uma proximidade com os clientes mesmo em tempo de pandemia. Foi um processo fundamental para fazerem frente aos desafios», contam.

Actualmente, há uma grande percentagem de agentes que entraram bem neste novo modelo de abordagem comercial. «E isso é notório porque começaram a exigir às seguradoras um maior nível de apoio da nossa parte, uma vez que detectaram problemas que outrora não detectavam. Mas isso é óptimo porque significa que, ao nível de gestão, indicia que começaram a mergulhar na utilização de novas ferramentas», salientam.

Um dos desafios que os mediadores e agentes clientes sentiram foi a venda de produtos por telefone ou e-mail. Apesar de exequível, os responsáveis presentes no pequeno-almoço referem que a presença física é fundamental para o negócio dos agentes e mediadores. «Há produtos que não são vendáveis remotamente. Certos assuntos, como seguros de funerais, são temas que precisam de uma abordagem presencial devido à sensibilidade necessária para esta abordagem», sublinham.

Por outro lado, há clientes que, depois de terem tido boas experiências com a compra de seguros à distância, poderão querer manter esse hábito. Desta forma, é necessário a criação de uma estratégia que contemple as duas formas de venda.

Perspectivas para 2021

Apesar do clima de incerteza, com decisões a serem tomadas a curto-prazo, no que respeita aos próximos tempos, os responsáveis presentes no pequeno-almoço consideram que a situação não deverá mudar muito. «Em Março, pensava-se que a situação pudesse ser resolvida em pouco tempo. Em Julho, considerava-se que em Setembro a situação poderia voltar ao normal. Vivemos, portanto, numa fase em que é difícil fazer precisões. Mas, no que respeita ao comportamento do consumidor, mantém-se tudo igual: hoje, ainda não sabemos qual o rumo. Mas, se calhar, daqui a um mês já saberemos», afirmam.

O grande impacto prevê-se que seja interno, nomeadamente no que respeita ao digital: como é que as seguradoras vão implementar mais tecnologia, desenvolver novos produtos, agilizar o processo entre equipas em casa e no escritório. Neste momento, os responsáveis afirmam que a solução passa pela continuidade no que respeita à gestão das equipas: rotatividade, ora em casa, ora no escritório. «Está fora de parte assumir o regresso de todos os colaboradores como está fora de parte o teletrabalho a 100%», vincam.

Nos últimos meses, assistiu-se a um grande aumento na criação e adopção de novos serviços médicos, desde serviços de consultas médicas online. «Esta será uma tendência que se manterá pois os consumidores perceberam que há situações que podem ser agilizadas através da tecnologia. Com o médico online, as pessoas não precisam de sair de casa, não precisam de correr mais riscos ao deslocarem-se para um hospital. É uma tendência que precisa de ganhar o seu espaço. Mas começa a ganhar relevância, até porque muitos evitam deslocações às urgências neste período de pandemia», explicam.

Os responsáveis prevêem que os seguros de saúde merecerão uma maior preocupação, bem como de acidentes de trabalho. Haverá alguma pressão por parte das empresas pelo facto de os trabalhadores estarem em casa e usufruírem de seguro de acidentes de trabalho. «Se um colaborador está metade do tempo em casa e outra metade no escritório, quando está em casa não está sujeito ao mesmo risco do que quando está no escritório. Será uma situação a ter em conta. Mas única garantia é a atenção à saúde. Essa será a principal preocupação dos consumidores», afirmam, referindo ainda que o seguro de vida será um assunto que começará a ganhar mais relevância junto das pessoas.

O paradigma do seguro automóvel também alterou subitamente. Numa fase em que se procurava cada vez mais alternativas de mobilidade, sejam transportes públicos como viaturas partilhadas, o receio de contágio de Covid-19 fez com que muitas pessoas optassem por se deslocar na sua viatura própria. Esta tendência poderá criar um maior dinamismo no que respeita ao seguro automóvel.

À falta de investimento, serviços são a solução

Os responsáveis afirmam que a população portuguesa é muito avessa ao risco. A maior parte dos portugueses prefere não ganhar nada do que investir dinheiro em que exista uma possibilidade de o perder. Mas há, claro, uma grande possibilidade de ganhar.

Actualmente, os portugueses apresentam uma taxa de poupança que não se via desde 2008. Mas não estão predispostos para investir. «Preferem ter o dinheiro disponível face à incerteza de ficarem sem trabalho, por exemplo», afirmam.

No entanto, os responsáveis afirmam que, se o consumidor português não tem o mindset do investimento, poupança e protecção e não conseguem alcançá-lo através dessas perspectivas, têm de se adaptar. «E essa adaptação consiste, em parte, em criar serviços que o consumidor procura: serviços de qualidade e proximidade. É a indústria que está a mudar devido ao consumidor, não o inverso», explicam.

Perante esta última afirmação, foi possível concluir que, cada vez mais, as seguradoras irão vender serviços ao invés de produtos. «É uma tendência. Verifica-se que as marcas estão a acoplar serviços, permitindo uma relação mais dinâmica com os clientes, havendo mais touchpoints entre ambas as partes», vincam.

Texto de Rafael Paiva Reis
Foto de Paulo Alexandrino

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