«Se as marcas continuarem a ir às cavalitas dos tiktokers sem qualquer crítica, deixam de ter a sua própria personalidade»
Foi com uma viagem à história da media que Bernardo Rodo, managing director da OMD, e Sandra Alvarez, general manager da PHD Media, encerraram a 22.ª Conferência da Marketeer.
Começando por demonstrar que os profissionais do marketing vivem em permanente estado de angústia – de serem demasiado rápidos e ficarem fora de jogo ou lentos e perderem o comboio -, vivendo na confluência da inovação, da criatividade e da fusão da tecnologia com processos e pessoas, Bernardo Rodo assegurou que o processo publicitário não se alterou.
«Sabemos que todas as decisões humanas são baseadas numa emoção e que esses processos são subconscientes. Por dia tomamos 35 mil decisões e temos consciência de cerca de 50», lembrou. A história demonstra que o processo publicitário é mais eficaz quando se consegue estabelecer padrões de comportamento, com base numa mensagem emocional forte, em ambientes relaxados vendo-se, assim, espoletar comportamentos latentes.
Foi nesse contexto que surgiram o públicos-alvo resultando da capacidade de organizar grandes grupos com os quais se consegue comunicar num único momento com uma única mensagem. Mas o mundo tem evoluído e a media também. Depois de nos anos 40 e 50 a publicidade ter sido meramente informativa e depois ter passado aos arquétipos aspiracionais (a vida perfeita, o homem perfeito), hoje a publicidade tem de ser uma extensão da vida real. E nesta história mudou também a questão das audiências que no passado não muito distante, estavam todas concentradas nos mesmos sítios. Isso acabou.
«Hoje é praticamente impossível concentrar num mesmo meio toda a gente a olhar para um determinado conteúdo. Nem em jogos da selecção em directo porque apesar de até poderem estar a ver o mesmo jogo, não estarão todos no mesmo meio. As audiências estão muito fragmentadas», sublinhou Sandra Alvarez.
Neste contexto, há já muitos anos que a media usa o Machine learning e IA preditiva para ajudar a fazer segmentações comportamentais e por georeferenciação. «Hoje, com o novo layer da IA generativa e com a enorme utilização de dados, evoluímos para uma segmentação personalizada e audiências qualificadas. E é muito importante sabermos quem é que está do outro lado, ou seja para quem é que estamos a falar», assevera. Até porque não caiu no esquecimento aquilo que sucedeu quando o Second Life era a tendência do momento e as marcas quiseram usá-lo para fazer publicidade. Algumas fizeram segmentação por género numa plataforma onde eram criados avatares e onde não era possível ter a certeza – como de resto acontece hoje no metaverso – qual era o género da pessoa que estava por detrás do avatar. Ou seja, quando comparados os resultados das campanhas para as quais o género não era relevante e aquelas em que havia uma importância na segmentação por género, os das primeiras eram claramente melhores.
Daí que a responsável da PHD reforce a importância das audiências qualificadas para as marcas nesta big picture de meios fragmentados, novos canais como os influenciadores, novas formas de trabalhar mais híbridas (que leva a repensar segmentações geográficas). «Há todo um mundo de novas segmentações.» No entanto, salienta que continuam a existir grandes segmentos, com afinidades entre si, que se comportam em grupo, às vezes em tribo, e que são muitas vezes definidos pelas suas faixas etárias. São as gerações.
E apesar de muitas vezes se dizer que a segmentação sociodemográfica já não faz sentido por ser possível em determinados meios fazer segmentações mais afinadas, Sandra Alvarez assegura que, hoje, em Portugal, em mais de 70% do investimento que é feito só permitem às agências fazer segmentações sociodemográficas.
Em termos de gerações, e segundo dados compilados da Pordata, Portugal tem 24% de Boomers (60 a 79 anos), 22% de Gen X (45 a 59 anos), 18,5% de Gen Y (30 a 44 anos), 16,5% de Gen Z (15 a 29 anos), 9% de Alpha (4 a 14 anos) e 4% de Beta (0 a 3 anos). E se as gerações X e Y já são retratadas na maior parte das campanhas publicitárias, importa às marcas olharem para as gerações Alfa, Z e Boomer.
Sandra Alvarez explica que para as marcas a Geração Z é incontornável. «Está a entrar no mundo do trabalho e é onde está o novo poder de compra. As marcas querem recrutá-las para serem seus consumidores.» Mas tendo em conta que as pessoas que estão a definir a comunicação dirigida à Z são pessoas das gerações X e Y, importa que percebam que a Z tem características realmente diferentes como o desapego ou a forma como veem a lealdade, já que querem experiências. «É a geração que vê menos televisão linear, está muito nas plataformas e em todas em simultâneo. São pessoas que querem muita personalização, mas não querem dar os dados, usam muitos ad blockers e quase que sentem que as marcas lhes deviam pagar para verem publicidade.» Por tudo isto, para esta geração tem de ser feito um marketing muito segmentado, sendo que a IA e o machine learning fazem parte desta equação. «São a geração mais difícil de prever porque cada um deles acaba por ser uma marca. O brand value para esta geração não vem da publicidade nem da marca; vem da relação não emocional que criam com os produtos de acordo com aquilo que é o seu propósito e a sua autenticidade.»
Já a geração Alfa, que tem agora entre 4 e 14 anos, é diferente da Z devido ao impacto de factores ambientais e de diversidade nos comportamentos de consumo. «Não são ainda o foco das marcas, mas vão ser mais difíceis de compreender. Têm alguma questões de sensibilidade emocional e alguns desafios relacionados com a sua identidade devido à forma como a sociedade os coloca em redomas de protecção, seja física ou emocional», comenta Sandra Alvarez. A profissional alerta para o facto de terem menos 40% de vocabulário do que tinha a geração anterior na mesma faixa etária. «Ao pensar em campanhas de comunicação para esta geração se calhar temos de pensar de forma diferente.» Estes consumidores têm uma consciência social grande que os afasta da comunicação e das marcas. Para eles, a autenticidade já não é um nice to have, é um must have.
De um extremo ao outro, as marcas não devem esquecer os Boomers que têm características muito particulares como o poder de compra, a energia e a disponibilidade para gastar o tempo que têm. Ao contrário do que muitos pensam, têm uma proficiência digital inesperada (estão nas redes sociais todas, incluindo TikTok) e aproximam-se das gerações mais novas até na forma como se vestem. Aqui as marcas podem contar com autenticidade e lealdade já que se escolhem uma marca ficam com ela ao longo do tempo. A responsável da PHD deixa o alerta: «Têm maior poder de compra mas não se sentem representado pelas marcas (a não ser nos produtos funcionais). Na comunicação sentem que lá estão apenas como figurantes.»
As marcas nesta vontade de serem relevantes focam-se nas gerações mais novas. «Mas temos de olhar para as outras para ver onde é que ainda pode fazer sentido continuar a comunicar. Faz sentido voltar a pensar nesta geração dos boomers.»
Não perder a personalidade da marca
Quando surgiram os alvos comportamentais (pessoas com interesses específicos e estilos de vida específicos) foi o el dourado das marcas, lembra Bernardo Rodo. «Pensaram que tinham a vida feita e que já não precisavam de comunicar para toda a agente, mas apenas para aqueles que já estavam dispostos a comprar.»
Só que, na perspectiva do responsável da OMD, as marcas cometeram dois erros e pagaram-nos caro. O primeiro foi o erro da hipersegmentação. Acharam que já não precisavam de construir marca e de ter proposta de valor, de se posicionar num espaço específico para aquele consumidor porque estavam a falar com aquele que estava interessado na marca. «E depois demoraram muito tempo a introduzir a tecnologia necessária para colmatar o que não estavam a fazer do lado da construção da marca.»
O segundo erro, que está a ser resolvido, é que nestas hipersegmentações, perderam de vista que para o consumidor a relação é sempre emocional. Mesmo quando a decisão é tomada no linear do supermercado, há uma relação emocional ainda que de forma subconsciente.
«Acreditamos que o alvo comportamental não e apenas uma ferramenta de performance, mas o alvo principal da comunicação mainstream. E está-se a transformar numa moeda transaccional em que as marcas vão ter de disputar entre si aquele comportamento», refere. Enquanto no passado eram dados tiros de canhão para alvos muito abrangentes, neste momento não só estão a segmentar muito como estão a disputar com outras marcas exactamente aquele micro segmento que interessa. «E se as marcas não se distinguirem de alguma maneira e continuarem a ir às cavalitas dos tiktokers sem qualquer crítica, deixam de ter a sua própria personalidade. Porque vão atrás da tendência e deixam de ser marcas e valor de marca», alerta.
Hoje a criação publicitária é muito mais complexa estando as marcas a perder o controle do que se diz, como se diz e onde se diz. «O que temos de perceber é como é que fazemos conviver aquilo que queremos dizer com o espaço próprio para dizê-lo e com a pessoa que sabemos que vai estar lá para receber essa mensagem.» Bernardo Rodo confessa que viu exaustivamente, com Sandra Alvarez, conteúdos de tiktokers e perceberam que basicamente as marcas estão a dizer aos criadores de conteúdo que não sabem o que têm para dizer e que têm de ser esses criadores a ensiná-las a falar com as pessoas com quem se relacionam. «Nós não acreditamos nisso. Acreditamos que ainda é possível ter controle sobre a comunicação.»
Até porque há que não esquecer a questão das métricas. Tudo o que as agências de meios fazem é medido. «Assim as marcas o exigem e nós queremos fazer porque queremos provar se resulta ou não resulta», assegura a responsável da PHD. Daí que saliente que o grande desafio para o futuro passa pela convergência das métricas. «Temos de conseguir comparar se um determinado meio ou suporte é melhor ou pior que outro para um determinado objectivo de uma marca. Tudo o que não se mede não se gere e portanto as métricas são fundamentais para chegarmos às conclusões.»
Texto de Maria João Lima