Riscos globais e pandémicos: o impacto nas empresas

O mundo está a atravessar mudanças incontornáveis. A pandemia da Covid-19 alterou, de forma significativa, a percepção dos empresários portugueses sobre os diferentes riscos. As conclusões são do estudo “Riscos Regionais dos Negócios 2020”, lançado pelo Fórum Económico Mundial em Outubro de 2020. Pela primeira vez, o risco “propagação de doenças infecciosas” aparece no topo das preocupações dos empresários portugueses. Este é também o risco mais recorrente a ocupar o Top 10 em todas as regiões do mundo, excepto na Ásia do Sul.

Em Portugal, contudo, os empresários ainda não conseguem relacionar este risco com os riscos climáticos de “falha de adaptação às alterações climáticas”, que se situou em 10.º lugar, ou com a “perda da biodiversidade e colapso dos ecossistemas” que só aparece em 23.º lugar. Falta, ainda, criar a consciencialização e percepção de que os episódios climáticos extremos que acontecem noutros continentes também afectam, e muito, as empresas, a economia em geral e a sociedade.

O “desemprego”, as “doenças infecciosas” e os “ataques cibernéticos” são os três riscos que os líderes portugueses têm em comum com os líderes de todo o mundo. A “bolha de activos” e a “falha de mecanismo financeiro ou institucional” são os dois riscos constantes no top 5 dos últimos três anos em que este estudo foi realizado, o que denota uma grande preocupação dos líderes nacionais com os riscos económicos.

«As disrupções de emprego causadas pela pandemia, o aumento da automação e a transição para economias mais verdes são fundamentalmente mercados de trabalho em evolução. Ao sairmos desta crise, os líderes têm uma oportunidade única para criar novos empregos, com rendimentos dignos, e redesenhar redes de segurança social que correspondam aos desafios dos mercados de trabalho de amanhã”, refere Saadia Zahidi, Managing Director do Fórum Económico Mundial.

«Os empresários portugueses precisam de ter uma visão muito mais alargada da intersecção dos riscos. Continuamos a ter a preocupação máxima nos riscos económicos, descurando que sem acções em prol do ambiente e da sociedade a economia não subsiste. Enquanto não tivermos estas três áreas – economia, ambiente e sociedade – integradas no radar das nossas empresas, as empresas, os negócios e a economia como a conhecemos nunca serão suficientemente resilientes. Na fase de reavaliação das prioridades em que todos estamos, as empresas precisam de preparar melhor os seus modelos de negócio, com a certeza de que estão a contribuir para proteger as gerações vindouras, proporcionando-lhes um mundo equilibrado e saudável para viver», reforça Edgar Lopes, Chief Risk Officer da Zurich Portugal.

O mundo necessita de políticas sustentáveis capazes de impulsionar a economia e, em paralelo, proteger o planeta e as pessoas. Por isso, é importante que, tanto em Portugal, como no mundo, sejam promovidas acções conjuntas, entre agentes privados e públicos, face à actual crise, caso contrário, o tempo de resposta a alguns dos desafios económicos, ambientais, sociais e tecnológicos mais prementes esgotar-se-á. Encontrar um novo equilíbrio que evite a vulnerabilidade das pessoas, das famílias, das comunidades, dos bens, das empresas e dos governos é mais importante do que nunca.

A Covid-19 e a interligação dos riscos

Apesar de a pandemia ser a grande preocupação das empresas portuguesas e europeias, hoje em dia já não existe um risco principal à actividade das empresas porque os riscos são globais, estão interligados e, apesar de poderem ocorrer em locais distantes de Portugal, acabam por impactar as pessoas e as empresas de forma alargada. As quebras das cadeias de distribuição – de matérias-primas, alimentação ou fármacos – que aconteceram durante os primeiros meses de confinamento são um exemplo da conectividade dos riscos.

Uma das principais conclusões da gestão da crise global da COVID-19 – refletida no relatório “COVID-19 Risks Outlook: A Preliminary Mapping and Its Implications”, desenvolvido pelo Fórum Económico Mundial em Maio – é o facto de estarmos a ignorar outros riscos globais, que são igualmente actuais, e que não desapareceram devido à pandemia, como é o caso das alterações climáticas.

Outro grande exemplo da globalidade dos riscos é a própria pandemia. A Covid-19 começou por ser uma crise de saúde pública que rapidamente se transformou numa crise económica e social. Durante esta crise, surgiram ainda conflitos e divisões políticas, vários ataques cibernéticos e a desigualdade acentuou-se. Cenários que continuam a acontecer.

O surgimento de um novo surto de doenças infecciosas e o seu relacionamento com os riscos sociais globais é outra das principais conclusões do estudo. Além dos perigos para a saúde pública, a pandemia e os consequentes planos de confinamentos podem ter efeitos duradouros sobre as pessoas e as sociedades. Para além das consequências económicas directas, é muito provável que o elevado desemprego – percebido como o segundo risco mais preocupante – venha a agravar a desigualdade e a afectar a saúde mental e a coesão social. O bem-estar individual e social poderá ser também afectado por uma automação acelerada da força de trabalho.

«É certo que os cientistas ainda não encontraram ligação directa entre as alterações climáticas e a Covid-19. No entanto, as alterações climáticas são, não só um risco, como um dado adquirido e, no futuro, sabemos que os episódios climáticos extremos serão cada vez mais severos e frequentes. Para além da pandemia, também temos como prioridade, em todo o mundo, a mitigação e adaptação às alterações climáticas. Terá de ser uma urgência dos governos, das empresas, das ONG e das famílias. Se adoptarmos comportamentos mais sustentáveis, conseguimos reduzir as emissões de carbono e restaurar a biodiversidade do planeta. Atingir este objectivo é uma forma de evitarmos novos surtos epidémicos», adianta Edgar Lopes.

A redução do impacto da pandemia: medidas a tomar

Uma medida necessária para mitigar os impactos da pandemia é incorporar políticas verdes, circulares e inclusivas em pacotes de estímulo à retoma económica, nos projectos público-privados, nas reformas financeiras e nas eventuais novas regulamentações. Esta seria uma forma de ultrapassar os actuais modelos de subsídios desactualizados, facilitar a transição para as energias renováveis, melhorar a intermodalidade dos transportes públicos, reduzir a agricultura intensiva, restaurar a biodiversidade e, assim, diminuir as emissões de carbono e atingir as metas do Acordo de Paris.

Urge, também, investir em áreas completamente estruturais que continuam a ser altamente pressionadas neste período de pandemia: sistemas de saúde, sistemas de segurança social, infra-estruturas digitais, protecção dos dados pessoais de ciber-ataques e políticas do mercado de trabalho. Uma acção concertada, em todas estas vertentes, vai permitir tornar a economia mais resiliente para as famílias, para as empresas e para o planeta.

A importância da gestão de risco

Em Janeiro, quando ainda mal se falava da Covid-19, as graves ameaças ao clima faziam parte do top da lista de riscos a longo prazo do “Global Risks Report 2020” do Fórum Económico Mundial, com as “confrontações económicas” e a “polarização política interna” a serem reconhecidas como riscos significativos a curto prazo.

De forma a minimizar os impactos directos das alterações climáticas nos seus negócios, as empresas devem desenhar a sua matriz de materialidade para depois medirem os trade-offs entre todos estes riscos. Só assim é possível fazer uma gestão holística dos riscos e perceber o caminho ou os caminhos a tomar. Neste contexto, é fundamental que os líderes promovam uma reflexão profunda sobre em que medida os riscos globais, identificados no “Global Risks Report 2020”, e os riscos regionais do “Riscos Regionais dos Negócios 2020” afectam os riscos comerciais, estratégicos e operacionais das suas empresas.

Na preparação das respostas empresariais para garantir uma transição para uma economia de baixo carbono – que terão de ser sempre desenvolvidas através de estratégias de adaptação à resiliência climática que incluam o conhecimento profundo dos riscos e das oportunidades que estes trazem –, a necessidade de antecipar os riscos vai ditar o sucesso das empresas. A solução, para isso, está à vista: uma análise de gestão de risco mais alargada, que integre não só os riscos económicos, mas também os ambientais e os sociais. Esta é a chave para o desenvolvimento sustentável e o que vai permitir às empresas manterem-se resilientes.

Artigo publicado na edição de Novembro 2020 da Marketeer

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