Ricardo Parreira (PHC): «A IA é (talvez) a tecnologia com a pior campanha de marketing de sempre»

As empresas mais avançadas são aquelas que estão, hoje, a experimentar os benefícios e os desafios da Inteligência Artificial (IA) face a economias em desenvolvimento. E os números não deixam margem para dúvidas. Segundo dados do FMI, cerca de 40% dos empregos em todo o mundo serão mais cedo ou mais tarde impactados pela IA e em economias mais avançadas este impacto sobe para 60%.

O aumento da produtividade é apenas uma meta transitória, mas no meio de tudo isto importa perceber onde ficam questões como a ética, a gestão de pessoas e a produtividade em equipas, além, claro está, da felicidade. Foi esse o mote da conversa que decorreu esta manhã entre Ricardo Parreira, Chief Executive Officer da PHC, e João Ribeiro da Costa, head of Digital Transformation and Program director da Católica Lisbon School of Business and Economics (Powered by BP), com moderação de Maria João Vieira Pinto, directora de redacção da Marketeer. Numa mesa com o tema “Talento, Força de Trabalho e Responsabilidade em IA”, realizada no âmbito do evento _AIVØLUT1ØN_, com organização da  Knower Impact Meetings, Ricardo Parreira lembrou a evolução que tem havido nos anos mais recentes do foco apenas no lucro e na produtividade para o foco noutros propósitos. «E é isso que as novas gerações querem.»

O líder da PHC recordou um estudo feito recentemente pelo MIT com knowledge workers que diz que a produtividade nesse tipo de trabalho pode aumentar até 37%. Isto significa que poderemos fazer em três dias o que fazíamos em cinco. «Isto é uma oportunidade e vai permitir reduzir a quantidade de trabalho para nos podermos dedicar a coisas mais interessantes ou até com mais valor acrescentado. Acho que cada vez mais precisamos dos seres humanos a tratar daquilo que faz a diferença e não das coisas mais básicas. Essas coisas mais básicas podem perfeitamente ser tratadas pela tecnologia», salientou. Mas aqui há algo que o preocupa já que quem não aderir a esta tecnologia vai ficar obsoleto. «Essa é a maior preocupação que eu tenho com a sociedade.»

Ricardo Parreira parece não ter dúvidas de que a IA pode ser uma aliada das lideranças nomeadamente na construção de ambientes que permitam aos seus colaboradores serem felizes. E dá o exemplo do sistema de avaliação que o software da PHC tem e as ilações que o líder poderá tirar da avaliação do colaborador. «Nem todos estamos treinados para dar inteligência psicológica às nossas equipas. Por que não pedir a IA para trazer inteligência psicológica às nossas equipas, para lhes trazer segurança psicológica?», questiona o profissional que acredita que a tecnologia do momento é «uma oportunidade de ampliar as capacidades dos líderes» para a felicidade e produtividade dos seus colaboradores que, juntas, podem «ter um impacto incrível para as empresas».

Ter no board das empresas quem perceba de tecnologia é, hoje, não apenas desejável, mas imperativo. «É absolutamente chave para as organizações perceberem o papel que a tecnologia tem e serem capazes se repensar a organização de modo a criar valor com essas tecnologias que estão disponíveis», comenta João Ribeiro da Costa. Se ao nível das organizações não houver conhecimento tecnológico, se não houver pessoas na administração que sejam competentes digitalmente, essas empresas serão prejudicadas no futuro, defende, salientando que há estudos quantitativos sobre isso.

Porém, a competência digital não é a única necessária e há vários casos no mercado internacional a atestar que, isoladamente, não chega. É preciso bom senso, inteligência emocional.

E ainda que a liderança esteja envolvida e tenha as referidas competências, o trabalho está longe de ter garantia de sucesso. Há que não esquecer que as empresas são feitas de pessoas. João Ribeiro da Costa lembra que se as pessoas não estiverem envolvidas na estratégia da empresa, se não souberem a visão, não vão participar. «Em Portugal já há um número considerável de empresas a fazerem investimentos significativos em IA (há um banco que tem uma equipa de IA de 50 pessoas), mas é necessário que quem está nas restantes áreas da empresa esteja envolvido porque, de outra forma, tudo o que se queira implementar não funciona. Porque o propósito da função dessas pessoas pode ficar esvaziado. Há que perceber como podemos internalizar a IA sem destruir o propósito.»

A inércia das pessoas vai ser um grande obstáculo a adopção da IA, sublinha o responsável da PHC. As pessoas estão habituadas a fazer as coisas de uma maneira e isso é difícil de mudar. Neste contexto, é preciso uma liderança forte para trazer essa mudança. «Esta talvez seja a tecnologia com a pior campanha de marketing de sempre. Vê-se que a tecnologia é superpoderosa, mas o que mais se fala é nos riscos, nos perigos, na destruição de empregos… claro que numa primeira fase isso vai acontecer. E as pessoas vão ver na IA uma ameaça aos seus postos de trabalho», comenta. Mas a verdadeira competição de cada uma das pessoas, sublinha Ricardo Parreira, são as outras pessoas que têm a mesma função, mas que agarram esta tecnologia e ficam muito mais produtivas.

O que João Ribeiro da Costa acredita é que a vasta maioria das pessoas, se devidamente enquadrada, não se vai opor. «Quando estudava no Técnico, usava uma régua de cálculo. Depois, vieram as calculadoras Texas. A AI traz um desenvolvimento muito maior do que aquele que foi passar da régua de cálculo para a calculadora», recorda, tentando demonstrar a enorme evolução a que se está a assistir. Para o docente, o papel dos líderes é motivar as pessoas e mostrar com clareza o caminho a seguir.

Mas de nada serve fingirmos que não há riscos. Ricardo Parreira,  um dos líderes que assinou uma carta pela interrupção da IA, lembra que esta é uma tecnologia muito poderosa. «Usada para o bem é uma coisa fantástica, mas também quando é usada para o mal.» Daí que não se coiba de colocar o dedo na ferida: «Hoje, quem está a controlar a evolução da IA são os CEO das tecnológicas, que têm uma agenda própria e individual. Nós não os escolhemos. Eles vão fazer, acima de tudo, por eles. A regulação é absolutamente urgente.» Uma regulação que, no seu entender tem de ser política porque é nos políticos que a sociedade vota (e não nos CEO das tecnológicas). «Têm de ser os políticos a representar a sociedade que vão dizer até onde as tecnológicas podem ou não ir. É dificil. Mas se conseguimos abrandar significativamente a clonagem humana, porque achámos que atravessamos uma linha perigosa, também temos de actuar sobre a IA.»

Convém lembrar que dentro de pouco tempo vai ser praticamente impossível detectar um vídeo ou uma noticia falsos. Já existe software que faz vozes e imagens com o texto que se quiser. Motivos que levam Ricardo Parreira a ser defensor de que o esprito crítico humano vai ser das características mais importantes.

Onde fica a ética?

«Há uma linha clara entre o legal e o ético. Tudo aquilo em que houver uma regulação ou uma legislação, se eu incumprir com essa regulação não estou a ser ético. A ética tem uma importância enorme no campo da IA, por causa de temas que antes não foram regulados», sublinha João Ribeiro da Costa.

O profissional explica que os modelos que usamos, como o ChatGPT, são treinados sob dados e conteúdos que estão disponíveis na internet. Neste contexto, jornais e revistas sentem que os seus direitos são violados se esses dados forem usados para treinar os modelos. «Na realidade os modelos não estão a copiar os dados, estão a usá-los para serem treinados. Mas isto levanta uma questão: é ou não ético usar textos que não foram pensados para isso?», questiona. No Japão foi adoptada uma solução extrema em que tudo o que está na internet pode ser usado para treinar.

E se há industria que foi impactada pelo ChatGPT foi o ensino. João Ribeiro da Costa conta que foi preciso repensar os trabalhos mandados fazer em casa e a maneira como se fazem os exames. Numa das cadeiras, conta, é feito um hackaton, em que dão uma hora e meia para os alunos resolverem um problema. E deixam-nos usar o chatGPT. A questão que os alunos precisam de aprender é que o ChatGPT não é uma varinha mágica que pensa por eles. Esse, garante o docente, é um erro gravíssimo.

Inegável é que este é um comboio a alta velocidade e é impossível pará-lo. «A IA é uma das maiores revoluções que tivemos até hoje. Pessoalmente, nunca vi nada com este impacto. Nem os computadores, nem os telemóveis, nem mesmo a Internet», confidencia Ricardo Parreira. Acredita que nas organizações tem um impacto principalmente ao nível do aumento da produtividade. «O impacto vai ser gigante naquelas que conseguirem vencer a tal inércia e adoptar estas tecnologias. Como muda tanto a forma como fazemos e pensamos o nosso trabalho, há uma resistência incrível. Mas por outro lado, nas empresas que adoptam estas tecnologias, dão um grande salto não só as empresas, mas também as pessoas.»

Confessando usar a IA todos os dias, o líder da PHC não tem dúvidas de que tem ampliado as suas capacidades. «Desde sempre, o ser humano usa a tecnologia para se ampliar. A IA vai permitir-nos fazer coisas que nunca fizemos, porque não tínhamos tempo ou as skills necessárias.» É que, apesar de tudo, é uma tecnologia muito barata, que está ao alcance de todos. «É preciso é mudar a mentalidade para incorporar a tecnologia. Isto vai determinar quem vai ficar obsoleto e quem não fica.»

Até porque, remata João Ribeiro da Costa, os meios para aprender estão hoje (ao contrário do que sucedia há uma década) ao dispor de quem queira aprender, portanto, aprender ou não depende de cada uma das pessoas.

Texto de Maria João Lima

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