«O meu filho não come»
A alimentação das crianças, sobretudo em termos de quantidade, é uma preocupação constante para a maioria dos pais. Desde o período neonatal com os prazeres do aleitamento materno até aos primeiro passos da diversificação alimentar, a maioria dos bebés são bastante complacentes e comem quase tudo que lhes dão. A partir dos 12 meses a verdadeira saga começa e mesmo aqueles que comiam tudo dão alguma luta na hora das refeições.
O momento de viragem em termos alimentares situa-se algures no 2.º ano de vida. Este fenómeno é tão frequente, que motivou a referência no Boletim de Saúde Infantil e Juvenil de “anorexia fisiológica do 2.º ano de vida” nos temas de conversa da consulta dos 12 meses. A anorexia fisiológica do 2.º ano de vida deve-se, em primeiro lugar, a uma desaceleração do crescimento do bebé, fenómeno evidente nas curvas de crescimento do boletim. Ao longo do primeiro ano os bebés chegam a triplicar o peso que tinham ao nascer, no entanto, no 2.º ano e seguintes, o aumento de peso é menor. Devido a esta desaceleração o aporte de alimentos necessários vai ser menor.
O crescimento das crianças não é feito de uma forma linear, mas feito por etapas em escada. As crianças têm fases de grande crescimento alternando com fases de latência. No início de cada patamar, depois da criança ter crescido e subido um degrau, há uma fase de descanso que faz com que a criança não tenha muito apetite. Esta fase pode durar dias ou semanas. Mais tarde, passando o meio do patamar, antes de começar uma nova subida (novo surto de crescimento), a criança volta a ter apetite e começa a comer imenso. A criança vai dar novamente um salto de crescimento para depois voltar a estagnar. Por esse motivo, após o primeiro ano de vida, não é útil estar constantemente a pesar e a medir as crianças.
Outros aspectos que podem condicionar alguma anorexia dos bebés deve-se ao desejo de autonomia e de afirmação de personalidade. Este processo de afirmação pode levar a crises de negativismo centrados na refeição. Aqueles bebés que abriam a boca para tudo passam a cerrar a mesma com alguma veemência e não há colher que entre. Os bebés passam a ter personalidade e “gostos”. De repente a hora da refeição passou a ser um momento de tortura para os pais e para o bebé. Muitos bebés querem tocar na sua comida e isto deve ser incentivado. Esta necessidade de mexer nos alimentos e de levá-los à boca é muito importante e uma etapa fundamental do desenvolvimento. Estudos mostram que as crianças, que comem sozinhas mais cedo, geralmente são menos “piscas”.
A “anorexia fisiológica” pode motivar grande preocupação por parte dos pais e gerar conflitos intrafamiliares, sobretudo entre os pais e avós. O resultado final pode levar a práticas persuasivas contraproducentes, nomeadamente, súplicas, ameaças, chantagens e refeições demasiadamente prolongadas. Estas práticas, uma vez implementadas, podem demorar muito tempo a serem extinguidas.
As particularidades dos bebés, aliadas ao facto de necessitarem de um menor aporte alimentar, fazem com que muitos comam realmente pouco. A alimentação cuidada e saudável do primeiro ano desaparece. Muitos pediatras liberalizam a dieta das crianças a partir do primeiro ano e dizem que podem comer de tudo, nomeadamente “a comida do tacho”. Infelizmente, muitos pais, no desespero da hora das refeições, acabam por comprometer a qualidade da alimentação dos seus filhos.
Erros na alimentação dos mais pequenos
Os erros alimentares após o primeiro ano de vida são vários. Em primeiro lugar o excesso de consumo de sal. Durante o primeiro ano de vida toda a comida dos bebés é confeccionada sem sal, sobretudo devido a uma imaturidade em termos da função depuradora dos rins. Após o primeiro ano já é permitido introduzir o sal, mas muitas vezes a quantidade é francamente excessiva. No entanto, o excesso mais cometido é o dos açúcares.
Muitas crianças pequenas ingerem açúcares em excesso sobre a forma de bolachas, cereais, gelados e guloseimas, sobretudo no intervalo das refeições. As guloseimas são erradamente oferecidas como prémios se a criança comer a sopa toda ou os vegetais. Esta postura está completa mente errada. A comida saudável não deve ser encarada como um castigo. As guloseimas devem ser restringidas a determinados dias de festa. Os chocolates existentes nos supermercados, que advogam conter uma quantidade importante de leite, não substituem um copo de leite ou iogurte e também não trazem outros benefícios nutricionais.
A ingestão de sumos e refrigerantes às refeições é outro erro alimentar frequente. Estas bebidas contêm açúcar e corantes e podem levar a uma diminuição do consumo de leite. Em muitas casas a água deixou de ser uma bebida e o seu consumo deve ser incentivado.
A alimentação de muitas crianças tende a ser desequilibrada, para além dos diferentes “excessos”, com um aporte exagerado de proteínas. Actualmente sabemos que o aporte proteico é frequentemente excessivo, prejudicando um aporte de vegetais e frutos. Encontrar o equilíbrio, sobretudo nos casos das crianças mais “esquisitas”, é uma tarefa muito difícil, mas na realidade os aportes necessários para uma alimentação saudável são muito menos do que as pessoas pensam.
Para os pais de crianças que não comem ou comem mal este é um assunto muito sério. Os ingleses chamam-lhes “fussy eaters” e na internet existem vários sites dedicados a ajudar os pais destas crianças. A ajuda é para os pais, porque as crianças não percebem que têm um problema e normalmente vivem bem com isso. Algumas crianças fazem mesmo um cavalo de batalha da hora da refeição, além de procurarem um método para chamar a atenção dos pais. Os estudos mostram que os “piscos” para comer podem surgir em qualquer tipo de família e em qualquer local, não existe um padrão nem uma causa comum. No entanto, os pais dos “piscos” têm dois pontos em comum, uma tendência para ficarem excessivamente preocupados com a ingestão de alimentos do seu filho e têm a convicção de que tudo é culpa deles.
Quando a criança é um “pisco” e as refeições se tornam insuportáveis, comprometendo a qualidade de tempo que a família passa em conjunto, chegou o momento de reconsiderar o que devem fazer. As crianças devem ser incluídas na escolha das ementas, introduzindo gradualmente novos alimentos e paladares. Muitos pais gostam de cozinhar e apreciam experimentar o que prepararam. Os adultos devem comer com as crianças e partilharem a comida que gostam com elas. Elas podem assim observar os pais a comer e desfrutarem de uma enorme variedade de alimentos. Por darem um bom exemplo às crianças, elas podem-nos seguir.
Comer bem imitando os outros
Nunca se deve forçar uma criança a comer algo que não gostam, porque pode comprometer a possibilidade de apreciar esse alimento particular. O paladar das crianças vai sofrendo modificações e desenvolve- se a ritmos diferentes. Muitas crianças pequenas têm desde muito cedo um gosto sofisticado, fazendo muitas coisas por imitação. Colocar uma criança “pisca” ao pé de outras que comem bem geralmente tem um efeito positivo. Esse é um dos fenómenos da creche. Os pais argumentam que os filhos comem sempre bem na creche e em casa é um pesadelo. Um dos motivos desde fenómeno deve-se ao facto de quererem ser iguais aos outros e assim imitam- -nos. O outro motivo igualmente importante é de que os pais já vivem “stressados” com a hora das refeições e na creche as educadoras e auxiliares têm obrigatoriamente outra abordagem.
Independentemente das estratégias desenvolvidas, sabemos que muitas crianças após o primeiro ano vão ter períodos mais ou menos grandes em que comem pior. Reflectindo um pouco sobre as suas necessidades nutricionais, muitos pais ficaram tranquilos percebendo que, mesmo pouco, deve chegar para manter a saúde e o crescimento das suas crianças.