«Cada criança é dotada de uma singularidade ímpar, que a torna especial e única»

Como podemos definir socialização infantil?

A socialização é um processo interactivo necessário ao desenvolvimento, através do qual a criança satisfaz as suas necessidades e assimila os hábitos da cultura na qual está inserida.

Inicia-se com o nascimento e, embora com mudanças, permanece ao longo de todo o ciclo de vida. A socialização infantil é a que ocorre durante o período da infância e tem como principal objectivo que as crianças tenham contacto e obtenham conhecimento do que é mau e bom, correcto e incorrecto na sociedade onde pertencem, e que interiorizem esses valores e actuem de acordo com os mesmos.

A partir de que momento da vida da criança a socialização acontece ou deve acontecer?

A criança nasce num estado de elevada imaturidade sendo a socialização um instrumento fundamental ao seu desenvolvimento. A socialização deve ocorrer logo na infância da criança, ou seja, nos primeiros anos de vida, pois nesta fase a criança começa a ter contacto com o mundo que a rodeia.

Qual a importância da socialização para as crianças?

A socialização é fulcral porque permite que a criança possa agir de forma adequada em sociedade, seguindo as directrizes da moralidade. Permite também que a criança interaja com outras pessoas e, consequentemente, ajuda a melhorar a comunicação e a formar a sua identidade. A interiorização das normas vigentes na sociedade e o seu respeito possibilitam que a criança se desenvolva de forma saudável, estabelecendo vários vínculos sociais duradouros e adequados, bem como a desenvolver a sua empatia face ao outro e às suas necessidades.

É importante também porque a criança passa a ter contacto com várias situações e várias pessoas, fazendo com que a criança desenvolva uma atitude mais tolerante em relação à diferença.

Que consequências o período de confinamento terá nas crianças?

Foi uma situação nova, única, para a qual nenhum de nós estava preparado. Obviamente que tal facto terá um impacto directo nas nossas vidas, que será sentido no curto prazo e dependendo da forma como o vivermos, também a médio e longo prazo. No entanto, o confinamento foi a opção contra a catástrofe e se pensarmos desta forma vemo-lo como algo positivo, adoptando uma postura optimista face à realidade.

É verdade que o confinamento trouxe consigo a impossibilidade de sair de casa, de realizar as rotinas a que estávamos habituados, de estar com os amigos, na escola, nos trabalhos e, em muitos casos, impediu que as crianças e os seus pais estivessem com a família, em especial os avós.

Perante uma situação nova com evidentes alterações das rotinas diárias é natural que as crianças se sentissem mais tristes, ansiosas, eventualmente confusas e com medo. As saudades da escola, dos amigos, mas também a situação de incerteza e desconhecido pode ter sido a causa de mais birras ou dependência.

As crianças têm necessidade de compreender o que se está a passar à sua volta e a forma mais fácil de perceber é estar atentos, como “verdadeiras antenas parabólicas”, à “frequência pais”. Se a “frequência” evidenciar tranquilidade, tudo decorrerá de forma calma e tranquila, e os efeitos pouco ou nada se farão sentir. A forma como vivemos o distanciamento é que irá determinar as consequências nas crianças. Consequências essas que nunca serão definitivas, afinal falamos de crianças, cuja personalidade não está totalmente formada e ainda há tempo e espaço para alterações. Não hipervalorize as situações e não crie cenários catastróficos. Haverá consequências, é certo, que cada criança viverá de diferentes formas consoante a sua idiossincrasia, mas haverá no futuro formas de as elaborar e resolver.

Sem sentimentos de culpa, se as ouvirmos, se estivermos atentos aos seus medos, às suas emoções, será mais fácil ajudá-las a enfrentar tudo. Paralelamente, se estimularmos a sua criatividade, a autonomia e responsabilidade, se as ajudarmos com os trabalhos escolares, se continuarmos a promover a sua socialização, através de contactos regulares com amigos e família, as consequências nefastas a nível emocional, cognitivo e social perderão expressão.

O ingrediente secreto que vai fazer a diferença é uma combinação singular entre atenção e afecto. Se os pais estiverem atentos aos comportamentos e ao estado emocional da criança, reagirão prontamente e minimizarão os efeitos da nova realidade. Paralelamente, com afecto acalmam-se ansiedades, medos e receios, transmite-se segurança e fortalece- se a autonomia.

Quais as melhores estratégias para as crianças recuperarem as relações que mantinham com outras crianças? E com a sociedade, de uma forma em geral?

Ser criança é símbolo de humildade e simplicidade, é não ficar presa ao medo, pensando no que têm a perder ou avaliando cada passo que dão com medo das consequências. As crianças não ficam presas ao medo, elas simplesmente acreditam que podem e que vão conseguir. Às vezes magoam-se, noutras circunstâncias conseguem, ou então os seus planos não funcionam, mas algo ainda melhor acontece. Mas, elas arriscam porque sabem e acreditam no que querem e têm a certeza que se não tentarem nunca saberão se é possível. É por isso natural presenciar a alegria no rosto de uma criança, independentemente das circunstâncias em que ela se encontra. Não há problema, crise ou dificuldade para ela. A criança só pensa em brincar, divertir-se e aproveitar a vida. Para ela, tudo é festa e alegria. Por isso provavelmente estão os adultos mais preocupados com o retomar dos laços afectivos do que as crianças. Elas, na sua linguagem, com o seu tempo e espaço, que reflecte a sua individualidade, retomarão as suas relações e brincarão com os seus amigos.

Terão receios, é certo, mas a magia do brincar, a vontade de estar novamente com os seus amigos, a saudade, falará mais alto e tudo voltará a ser especial como era antes. Não caiamos também em exageros, pois obviamente as crianças que já teriam dificuldades em socializar continuarão a ter, mas o medo será maior nos adultos. As crianças não precisam de grandes planos, de um número infindável de estratégias, não colocam limites na própria vida, isso é característico da fase adulta. Com muitas perguntas, com mais ou menos receios, retomarão os laços estabelecidos. O nosso papel, sem exageros, sem superprotecção, é dar-lhes segurança e autonomia, para que o consigam fazer.

Socialização e comunicação estão ligadas? Se sim, de que forma uma exerce influência sobre a outra?

A socialização permite o desenvolvimento da comunicação, nomeadamente da aquisição de novas palavras, mas também é através da comunicação e da linguagem que o ser humano consegue dar significado à realidade onde está inserido.

O mundo digital (equipamentos tecnológicos e internet) influencia a socialização das crianças? De uma forma positiva ou negativa? E porquê?

O mundo digital está presente diariamente nas nossas vidas, é um facto, não o podemos negar. No entanto, temos nas nossas mãos o poder de controlar a importância que lhe damos e a forma como o usamos. Será essa distinção que nos irá permitir perceber se a sua influência é positiva ou negativa. No entanto, não podemos nunca esquecer que o mundo digital não pode substituir o mundo real.

O mundo real tem pessoas, emoções reais, sentimentos reais, dificuldades e dilemas reais. No mundo real, a criança pode experimentar, “ensaiar” as suas ideias, colocar em prática as suas competências, contactar com a diferença, fazer escolhas, exercer a sua individualidade. A criança conhece-se através dos outros. Vai reconhecendo as suas características e interpretando o mundo em função delas. Aprende uma interpretação própria da realidade que adequa ao contexto.

No mundo digital, apesar de o contacto ser fácil e rápido com outras pessoas, não há as vivências do mundo real, vivências essas que ajudam a construir a realidade e a saber como se comportar em sociedade. A comunicação neste mundo não é tão rica e a interacção, essa é claramente pobre. O verdadeiro desafio é conseguir encontrar o lado positivo destes dois mundos, equilibrá- los no sentido de assegurar o desenvolvimento saudável da criança.

Na sua opinião, no futuro teremos crianças com maior ou menor capacidade de socialização e porquê?

Cada criança é dotada de uma singularidade ímpar, que a torna especial e única. Nesse sentido e como gosto pouco de generalizações, não podemos dizer com total segurança se a capacidade de socialização será maior ou menor, irá depender dessa mesma idiossincrasia. O que podemos garantir é que as crianças, tal como nós adultos, têm capacidade de adaptação a novas situações e realidades. Da mesma forma como, de repente, todos nós nos adaptámos a um novo mundo, também de futuro o processo de socialização terá de decorrer de formas diferentes. Já disse Heráclito, nada é permanente, excepto a mudança.

Pais e escolas, os principais agentes de socialização nos primeiros anos de vida, de mãos dadas, têm de encontrar novas formas de garantir que os seus papéis continuarão a ser assegurados, garantindo a eficiência e eficácia do processo de socialização. É importante não dramatizar e o foco ser na solução e não nos problemas. Não há danos irreparáveis e na vida não há nada que seja para sempre. Através da criatividade e de uma elevada dose de empatia será encontrada a solução. É natural que nos primeiros tempos de regresso à escola, as crianças reajam com estranheza, chorem, refilem, façam umas birras ou até exijam estar mais tempo com os pais. Mas, gradualmente e sem pressas, as crianças irão adaptar- se, novamente, à nova rotina. A possibilidade de brincarem, de reverem os amigos, de fazerem tantas coisas é de tal forma aliciante e divertida que rapidamente, na balança do bem-estar, eliminam-se os sentimentos mais negativos, e a criança adapta-se e atinge o equilíbrio emocional. As crianças não perdem as competências adquiridas, obviamente que no início podem existir alguns comportamentos diferentes, como em qualquer situação de alteração de rotina, mas rapidamente, se lhe dermos espaço e tempo, voltam a expressar, na plenitude, toda a sua identidade. O segredo é mesmo descomplicar…

Artigos relacionados