A genialidade linguística dos bebés
Se procurarmos a definição de bebé, por exemplo no Wikipédia, encontraremos que bebé “… é a denominação clínica usada em Pediatria dada a todas as crianças desde o 28.º dia após o nascimento até atingirem os 24 meses. Até aos 28 dias de vida tem a designação de recém-nascido e a partir dos 2 anos a designação é de criança”.
Cada bebé é um ser único, especial e deve ser encarado de forma integral, dotado da sua própria constituição genética e com características físicas, emocionais e sociais muito próprias e distintas, que nasce numa família também ela única e especial.
Longe de serem a “folha em branco” que se defendia no passado, quando nascem, os bebés vêm “equipados” com competências excepcionais que lhes permitem cativar o outro numa relação de intenso investimento afectivo. Quando olhamos para um bebé vemos o seu rosto doce, o seu olhar meigo, o seu sorriso amoroso, características importantes nesta relação de vinculação. Contudo, o que não “vemos” é um cérebro em pleno desenvolvimento, onde há imensa actividade a acontecer e por isso talvez subestimamo-los tanto.
Nas últimas décadas temos assistido a um desenvolvimento tecnológico incrível que tem permitido um grande avanço nos estudos sobre o desenvolvimento cerebral infantil, sobretudo através de estudos de neuroimagem. É inegável o avanço de podermos “ver” os cérebros dos bebés e das crianças enquanto elas aprendem a falar, a ler, vivenciam uma emoção, resolvem um quebra-cabeças…
Contudo, e ainda que vivamos numa época de acesso pleno à informação, precisamos continuar a trabalhar para fazer chegar a ciência à comunidade. É imperativo que as informações possam ser transformadas em conhecimento que seja disseminado de forma mais ampla para que aí, então, possamos activar o conhecimento ao serviço de práticas com base em evidências (científicas). Assim, é sem surpresa que percebemos que alguns argumentos sem sustentação científica continuam a persistir no tempo e são apropriados pela comunidade.
Um mito frequentemente encontrado é o de que a criança só começa a desenvolver a linguagem quando começa a produzir as primeiras palavras, ou seja, apenas por volta do 1.º ano de vida.
A ciência tem-nos mostrado que muito antes disso, o bebé já demonstra impressionantes capacidades, tais como:
• Ter sensibilidade à entoação do discurso (diferenciando um tom de zanga de um tom de alegria);
• Reconhecer a importância da melodia (distinguindo uma afirmação de uma interrogação);
• Distinguir os sons da sua língua materna de sons de outras línguas;
• Definir o início e o final de cada palavra (não se esqueçam que aquilo que ela ouve é um continuum sonoro de sons que se articulam uns atrás dos outros sem grandes pausas/silêncios).
A manifestação destas competências durante os primeiros meses de vida do bebé mostra-nos que o 1.º ano de vida constitui o “período crítico” para o desenvolvimento da linguagem, período este que pode definir-se como o momento óptimo em que o cérebro é capaz de melhor reestruturar os seus caminhos neuronais em função das experiências vividas.
Segundo Patricia Kuhl, uma importante investigadora do desenvolvimento linguístico, os bebés são “cidadãos do mundo”. O bebé é capaz de realizar conquistas tão impressionantes, porque (pasme-se!) consegue fazer análises estatísticas poderosíssimas! Eles absorvem as estatísticas da língua e isso faz com que os seus cérebros mudem. Assim, sem surpresa, os bebés que estão expostos a ambientes unicamente monolingues transformam-se de cidadãos do mundo em ouvintes culturalmente “presos”. Na ausência de ambientes linguísticos diversos, o cérebro acaba por “perder” esta capacidade antes de chegar ao 1.º ano de vida, uma vez que a nossa memória é governada pelas representações formadas desde cedo no desenvolvimento.
A sensibilidade aos detalhes fonéticos da língua materna é fundamental para a aprendizagem das categorias dos sons da fala, cuja organização é essencial ao processo de aquisição linguística. Todo este processo crucial do desenvolvimento ocorre precisamente durante o 1.º ano de vida. Existem estudos que vão ainda mais longe, mostrando-nos que já no período intra-uterino, concretamente no último trimestre da gravidez, o feto já começa a desenvolver as suas competências linguísticas. Não é por acaso que o bebé demonstra preferência por vozes familiares, como a da mãe e por melodias que o acompanharam durante o período intra-uterino: é devido à memória auditiva que já se encontra presente no sistema nervoso, mesmo dentro da barriga da mãe.
Assim, não esquecendo o papel fundamental das interacções sociais e da riqueza das experiências vividas no desenvolvimento, é fundamental que os pais/cuidadores:
• Falem frequentemente com as crianças (nomeando as coisas que têm à frente, conversando sobre o que se está a passar, lendo histórias…)
• Dêem oportunidade e tempo às iniciativas verbais do bebé;
• Estabeleçam um bom contacto ocular e dêem atenção quando o bebé está a comunicar;
• Promovam o contacto com uma ou mais línguas sempre que estiverem em contextos bilingues (ou trilingues);
• Permitam que os bebés aprendam a contactar o Mundo com todos os seus sentidos e todas as suas emoções;
• Deixem-nos sonhar, usar a imaginação, criar;
• Permitam que corram riscos (controlados, naturalmente) permitindo-lhes o reforço da sua auto-estima;
• Deixem-nos experimentar e repetir as “experiências” (são pequenos cientistas, não se esqueçam!);
• Por fim, mas não menos importante, que seja dada a oportunidade a errarem/ /fracassarem (sem corrigir/julgar), pois é uma condição fundamental para o seu pleno desenvolvimento.
Para terminar, gostaria de reforçar que o cérebro do bebé é talvez dos instrumentos mais adaptáveis que existe, pois é capaz de mudar em função das experiências vividas. Por isso é crucial que sejam proporcionadas as melhores experiências nesta fase de vida, pois “se mudarmos o início da história, podemos mudar a história toda”!
Para quem quiser saber mais sobre o maravilhoso mundo do desenvolvimento infantil deixo duas sugestões de documentários, ambos disponíveis no Netflix: “O Começo da Vida”, de Estela Rennes (2016), e “Bebés” Nutopia (2020).