Relações entre irmãos. Conflitos constantes ou nem por isso

Magda Gomes Dias | Fundadora da Escola da Parentalidade e Educação Positivas, autora do blogue Mum’s the boss

3,5 vezes é o número de vezes que as crianças se pegam por hora. O que quer dizer que, a cada quinze minutos, ouvimos “Oh mãe, ele está a chatear-me” e “não sou eu, é ela!”

O livro “Pára de Chatear a Tua Irmã e Deixa o Teu Irmão em Paz” não aborda apenas as questões dos conflitos entre irmãos, mas antes o conflito, de uma forma geral: com os amigos, com os primos e com as pessoas com quem os nossos filhos se irão cruzar ao longo da vida.

Mas este não é um livro apenas sobre conflitos. É muito mais do que isso: é um livro sobre amor, revelando um novo olhar acerca das relações, do impacto da nossa intervenção e convida-nos a aprender a amar cada um dos nossos filhos da forma como cada um se sente amado. Já reparou que cada criança é diferente e tem necessidades únicas? Por esse motivo, a forma como respondemos a cada um deles tem de ser obrigatoriamente diferente. Porque cada um deles vai sentir-se amado de uma forma igualmente única e só dele.

Este livro foi escrito para todos aqueles que não desenvolveram competências de gestão de conflitos, porque ninguém os ensinou. Eu aprendi Economia, Literatura Francesa, Sociologia, Estatística. Tive Meio Físico e Social, Inglês e tantas outras disciplinas, mas só fui desenvolver as minhas competências sociais, trabalhar a Inteligência emocional quando me tornei adulta e já depois do curso superior. Tive a sorte de ter feito muita formação, de ter contactado com os melhores da área e estar em melhoria contínua há uns bons 20 anos, ou seja, num processo de aprendizagem constante. E, no entanto, o conflito continua a ser algo que me causa ainda algum desconforto. Sou mais competente em relação à gestão dos mesmos e tenho a noção que teria sido muito útil ter aprendido e trabalhado estas capacidades desde pequena. Ao mesmo tempo, e por lidar com estas questões nas consultas de coaching e nos workshops, sei que o conflito entre irmãos (e também entre primos e colegas) causa desconforto e entristece os pais. Contudo, quando temos ferramentas e aprendemos a identificar as verdadeiras questões, percebemos rapidamente qual é o verdadeiro motivo do conflito, qual é a necessidade de cada um dos miúdos e agimos de uma forma construtiva, ajudando-os, progressivamente, a fazerem essa gestão sem a intervenção do adulto.

Na verdade, ninguém tem filhos para se andar a chatear. E ninguém tem mais do que um filho na esperança que os dois se peguem a cada instante, sem darem aos pais 10 minutos de sossego. Literalmente. Então vamos ver como podemos ser mais pacientes e, ao sê-lo, estarmos a ajudar os nossos filhos na gestão dos seus conflitos.

NUNCA SE ESQUEÇA DE:

Respirar fundo

Nenhuma relação é isenta de conflito. Muito menos as parentais e ainda menos as relações entre os irmãos. É importante lembrar-se que um conflito não significa ausência de amor. Na verdade, o conflito é apenas a incapacidade de duas coisas existirem simultaneamente. Os seus dois filhos querem tocar no botão do elevador na mesma altura. Querem sentar-se naquela cadeira. Querem ser os primeiros a entrar no carro. Ou os últimos. Tudo isto é comum. E normal. Portanto, respire fundo porque não são só os seus.

Ter um saco Sport Billy

Se nasceu a meio da década de 80 é possível que não conheça este saco, nem o Billy. Nada que o Dr. Google não lhe explique o que é. Mas para o que nos interessa, o saco Sport Billy é uma forma de dizer que deverá conhecer uma série de estratégias para ajudar os seus filhos a lidarem com os conflitos. Aproveitamos para fazer uma chamada de atenção – os conflitos são deles e não seus, por isso não adianta resolver o conflito se eles não forem aprendendo como é que se faz.

Não se envolver

Frequentemente envolvemo-nos nas disputas dos miúdos e, em vez de os acalmarmos, pioramos a situação. Outras vezes metemo-nos, a situação fica aparentemente resolvida mas, 10 minutos depois, é o “vira o disco e toca o mesmo”. Lembre-se que não se vai querer envolver, mas antes ajudá-los a conversar e a verem a situação mais clara.

Eliminar frases feitas

“Vá, dá lá um beijinho e faz as pazes com a tua irmã.”

“Não vês que ele é mais novo que tu? Deixa lá!”

“Vocês querem ver a vossa mãe chateada, querem?”

“Lembra-te sempre que o teu irmão é o teu melhor amigo!”

Acredita mesmo que estas frases funcionam e resolvem as coisas? Dão poder à criança? Tornam-na autónoma na resolução dos seus conflitos? Ou, pelo contrário, mais não fazem que mascarar as disputas, os sentimentos que têm um pelo outro e a construção de uma relação que pouco tem de profunda. Não estou a exagerar. Frases destas ditas de forma permanente não trazem nada de positivo. E podem ter um efeito contrário àquele que desejamos. Lembre-se sempre que o conflito não quer dizer falta de amor ou amizade.

Criar um clima de paz em casa

Todos os pais são unânimes – o que os deixa mais depressa em nervoso miudinho é muito mais o facto dos miúdos se pegarem do que as famosas birras ou comportamentos difíceis.

Há vários motivos pelos quais os nossos filhos se pegam, mas se houver tensão, muitas discussões em casa, berros, ameaças e desassossego, como é que podemos querer que eles se auto-regulem e andem tranquilos? Vão andar tensos, irritados e pouco flexíveis para darem o desconto ao irmão ou não levarem a peito determinados comportamentos, palavras ou olhares.

Passar à frente

O lema e a primeira regra do trabalho que fazemos é Pais Felizes = Filhos Felizes. Por isso a questão é clara: anda a tratar das suas necessidades? Há necessidades básicas: descansar, boa alimentação e desporto. Tenho a certeza que sabe disso, mas a questão é se elas são prioridade para si ou não. Mães e pais que não dormem nem descansam em condições são um cocktail explosivo na relação parental. Por muito que conheçam todas as técnicas, por muitos livros que leiam, se não tiverem paciência e energia vital, o caldo pode entornar-se rapidamente. E a energia vital também vem da alimentação e do desporto. Por isso, volto a perguntar – como vai isso? Não acredite em milagres se não fizer a sua parte.

Dicas

Reconheça a insatisfação de cada um dos seus filhos

Imagine que o seu filho mais velho está a trabalhar num projecto da escola, a desenhar ou a construir legos. Dali a pouco aparece o mais novo, que vai lá e começa a mexer no material que o mais velho reuniu para o projecto, pega numa caneta e decide participar no desenho ou dá um pontapé nos legos. Dizer ao mais velho «tens razão, isto não se faz, mas tens de ter paciência com o teu irmão, ele é pequeno!», pode ser extremamente injusto.

Então o que pode dizer ou fazer em vez disto?

Pode dizer-lhe que «eu sei o quanto pode ser desafiante ter um irmão que está sempre a meter-se connosco e que, por vezes, não nos dá grande sossego. Tens sido um irmão paciente». Neste caso eu tenho mesmo de saber o que é ter um irmão desafiante e o mais velho tem mesmo de ser paciente, como lhe disse – ou seja, a ideia é identificar aquilo que eu vejo e dizer-lhe.

Use termos positivos quando fala dos seus filhos

«Oh querido, eu queria ficar aqui a brincar contigo, mas o teu irmão não deixa. Garanto-te que preferia ficar aqui do que estar agora a levantar-me e ir lá adormecê-lo de novo. Ele é mesmo muito chatinho, não é?»

Com esta frase aquilo que acabei de fazer foi:

a) Autorizar o mais velho a tratar o irmão de chato;

b) Autorizar o mais velho a desenvolver sentimentos menos positivos em relação ao irmão; afinal de contas é ele que me priva da minha mãe e é ela a primeira a dizê-lo.

É mesmo isso que quer?

Não compare, não rotule

Esta é uma dica óbvia! Contudo, é muito tentador dizer coisas como «então tu que tens 13 anos estás a portar-te pior que o teu irmão de 4». «Não podes ser um bocadinho mais como a tua irmã, que não me dá nenhum problema na escola?», ou «um é o contrário do outro – um é bem-disposto, uma alegria e o outro é mais reservado e está sempre no seu canto – é mais um bichinho do mato».

Ao comparar, a criança não se vai sentir impelida a fazer diferente ou a melhorar. Ao rotular os filhos, vamos fazer com que eles vivam e sintam esses rótulos durante uma boa parte da vida. Dou-lhe um exemplo pessoal: durante muitos anos ouvi dizer que não tinha sentido de humor. E acreditei nisso durante parte da minha vida. Até que fui estudar para fora do país e percebi que, afinal, aquilo que eu tinha “comprado” como verdade não era assim tanto. Hoje em dia, sei que tenho um sentido de humor especial (nunca farei stand-up comedy, no entanto!) e que os rótulos podem ser tão fortes, que nos impedem de desenvolver características e de nos descobrirmos em papéis que não imaginaríamos nossos.

Artigo publicado na revista Kids Marketeer nº4 de Junho de 2018.

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