Quer ser fast ou feliz?

M.ª João Vieira Pinto
Directora de Redacção Marketeer

 

Em miúda, o meu roupeiro era escasso. Reduzido ao elementar, que era o que precisávamos. Meia dúzia de peças básicas e alguns trapos mais catitas para dias de festa. Mas servia e éramos felizes. Nem questionávamos, sequer. Até que, com a idade da minha filha, chegaram os Porfírios, uma loja cheia de moda e peças que claro, queríamos ter, e os pais até podiam pagar. As filas, à porta, denunciavam-nos. Mas éramos felizes.

Depois, bem depois foi a democratização. As grandes marcas entraram com pés de lã e nós, claro, passámos a fazer contas e a poupar para comprar aquela peça que nem sabíamos que nos fazia tanta falta e que, sem a ter, já não seríamos felizes. Marcas e cadeias vieram e instalaram-se. O pronto-a-vestir e a costureira lá de casa ou do bairro foram arrumados a um canto. Alguém queria lá continuar a folhear as páginas da Burda e a sonhar com modelos que – imagine – até exigiam uma e duas provas para assentar? Claro que não, quando se podia entrar em espaços que nos remetiam para sonhos que nem sonhávamos.

A seguir? A seguir foi fast. Traduzindo, fast fashion. A moda que nos chega todas as semanas, mais do que uma vez por semana. Não, já não são duas colecções por ano. São várias, uma multiplicidade delas que se passaram a cruzar e a baralhar, entre o prioritário e o necessário, o que precisamos e o que nos dizem que tem que ser, entre o ter e o ser, o que somos e a imagem. Só que fomos indo, ou fomos deixando que nos levassem. De novo, sem questionar… até os roupeiros ficarem curtos e nenhum chegar para o par de calças de ganga largo, mais o fit, o de cintura subida e o de cintura baixa, com mais lavagem ou sem ela, com dobras ou rasgão!

E sem questionar, ainda, todo o mundo por trás.

Há uns anos, numa reportagem no Banco de Bens Doados da Isabel Jonet, fiquei chocada. Sabia que desperdiçávamos, que estávamos em época de consumo ao limite, mas não ao ponto de ver armazéns atolados de peças e peças que não se venderam, não se compraram, que se trocaram e não se querem.

Agora, grandes marcas de “moda rápida” vêm-nos chamar ao quadro. Porque os impactos estão aí e é preciso pensar e estar diferente, ou não tivesse o número de artigos de vestuário fabricados anualmente duplicado de 50 mil milhões para 100 mil milhões, entre 2000 e 2015. Isto, num mundo de oito mil milhões de pessoas!

Como é que será o roupeiro do futuro? Terá que ser, inevitavelmente, mais vazio, como pode ler no grande tema desta edição. Mas o que não significa que seja pior. Terá os básicos, só que fabricados de forma mais sustentável e com materiais mais orgânicos, e aqueles artigos que não dispensamos. Além disso, haverá lugar a trocas e revendas, permitindo que quem compra uma peça a possa devolver mais tarde e trocar por outra.

Hermès, Levi’s Strauss ou Patagonia são algumas das grandes marcas a abraçar firme este movimento. E aí em casa, vai querer ficar para trás?

 

Editorial publicado na revista Marketeer n.º 298 de Maio de 2021

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