Que comportamentos dos consumidores irão perdurar para além da pandemia?
Por Rui Santos, coordenador do programa executivo “Transforming Customer Experience – Como criar clientes apaixonados” do ISEG Executive Education
A pergunta encerra uma equação existencial: Quão resiliente é o Ser Humano? Recordo que a definição de resiliência é, precisamente: “a propriedade de um corpo de recuperar a sua forma original após sofrer choque ou deformação”, segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, 2008-2020.
Podemos dar por terminado o “choque” e a respectiva “deformação” que temos estado a viver? Claro que não. Ainda estamos em plena crise, sem fazermos ideia de quanto mais tempo ela irá durar.
No entanto, ao contrário dos “corpos” inanimados, a questão também depende de se queremos (ou não), enquanto pessoas e como sociedade, recuperar “a nossa forma original” ou se vamos aproveitar para introduzir alguns ajustes nas nossas vidas, nos nossos comportamentos e hábitos de consumo.
Em situações de guerra (na minha opinião, das condições de vida mais extremas que um ser humano pode vivenciar) é possível observar dois fenómenos: 1. Durante a crise tudo muda – prioridades, hábitos, rotinas, relações, profissões, sonhos, ansiedades e, naturalmente, hábitos de consumo; 2. Assim que termina a guerra, surge uma vontade colectiva enorme de regressar (o mais rapidamente possível) “aos bons velhos tempos”, a tudo aquilo que abandonámos (por força das circunstâncias) e a que chamávamos “casa” e “porto seguro”.
Nos meses que vivemos até ao momento, desde que surgiu esta nova pandemia, é possível dividir as prioridades dos consumidores em diversas fases. Simplificando: Fase 1 – O medo | Prioridade dada à Saúde; Fase 2 – O confinamento | Prioridade dada à Autonomia; Fase 3 – As férias | Prioridade dada à segurança física (saúde); Fase 4 – O pós-férias | Prioridade dada à segurança financeira; Fase 5 – O “novo” Normal | Sinais de generalizada saturação.
Não me vou alongar muito com as “constantes” mudanças de prioridades e de comportamentos dos consumidores em cada uma destas fases, mas não deixa de ser impressionante verificar como tudo foi mudando a uma velocidade estonteante, ao mesmo tempo que em alguns outros aspectos nada mudou.
Mas isso também reflecte a história das civilizações e da evolução humana. Quem tenha gosto por literatura clássica ou medieval poderá constatar que a forma de viver era substancialmente diferente nesses tempos, mas as preocupações centrais de cada individuo bastante semelhantes às actuais: Saúde, Amor, Família, Trabalho, Dinheiro, Segurança.
Estes são os princípios que nos podem ser úteis para tentar (especulando) responder à questão inicial: “Que comportamentos dos consumidores irão perdurar para além da pandemia?” Todos aqueles que contribuam para aquilo que é o Propósito de Vida de cada Ser Humano. A sua Felicidade. Cada um escolhe depois a “estratégia” que lhe parece mais adequada, em cada momento, para alcançar esse objectivo de ser Feliz.
Contudo, no que respeita a essas estratégias, onde se escondem os comportamentos e prioridades dos consumidores, muito irá mudar. O passado é um local que ficou lá para trás e onde já não será possível regressar… E, se calhar, nem desejável.
A população mundial, durante um período considerável de tempo, foi exposta a um conjunto significativo de novas experiências, produtos, serviços, emoções às quais já ninguém conseguirá ficar alheio. Umas provocaram desagrado (e essas geram aversão) e outras provocaram agrado (e essas geram apego).
No futuro imediato, as pessoas irão procurar afastar, evitar, minimizar o risco de tudo aquilo que lhes provocou aversão e adoptar, estimular, procurar tudo aquilo que lhes provocou satisfação.
Um bom exemplo disso é o caso do e-commerce e das compras online. Há anos que essas opções de compra estão disponíveis. Contudo, quando comparado com outros países europeus, Portugal sempre pontuou muito abaixo daquilo que seria esperado nesse capítulo. Existem múltiplas explicações para isso. A verdade é que o comércio eletrónico em Portugal nunca ganhou uma expressão significativa na maioria das indústrias.
Com o confinamento, uma grande parte da população foi, literalmente, obrigada a experimentar o comércio eletrónico. Em alguns casos correu bem e essa forma de comercialização ganhou adeptos, noutros casos correu mal e perderam-se potenciais clientes digitais.
Face ao exposto, e à fraca capacidade deste vosso autor em fornecer respostas objectivas e conclusivas sobre a questão colocada, deixo algumas recomendações às empresas, úteis para quando não se sabe aquilo que está para acontecer:
- Avaliação Permanente – Num contexto em que tudo muda diariamente e aquilo que hoje é verdade deixa de o ser amanhã, revela-se de extrema importância estar permanentemente a observar quais são as experiências que os clientes mais estão a valorizar (e a detestar), com o objectivo de melhorar as últimas e replicar as primeiras, muito rapidamente.
- Flexibilidade e Rapidez de Actuação – Observar não chega. É preciso ser muito rápido a responder ao mercado. As empresas têm que, com carácter urgente, abandonar os antigos modelos organizacionais e processos de trabalho rígidos, burocráticos e inflexíveis, adoptando novas abordagens, assentes no lançamento rápido de pilotos, desenhados e desenvolvidos por equipas dinâmicas e orientadas para o cliente. Numa frase: substituir as tradicionais metodologias de trabalho “waterfall” por modernas metodologias “agile”. Uma boa ideia que nunca saia do papel serve apenas para emoldurar paredes.
- Service (Re)Design – Nesse contexto, algumas ferramentas de reengenharia de processos assumem especial importância, como seja o caso do “Customer Journey Mapping” por permitir o desenho estruturado das jornadas de clientes em contextos complexos, como a actual realidade omnicanal, facilitando a introdução das mudanças necessárias, de forma ágil e rápida, sempre que se detectem novas preferências e prioridades dos consumidores.
Vamos entrar numa nova era, ainda sem data certa, que irá representar uma enorme oportunidade para todos aqueles que souberem ler o que se está a passar, antecipar o que vai acontecer e responder em conformidade. Às armas, Portugueses !