Quanto custa alugar um cérebro?
“Há quem diga que tudo tem um preço. Pode-se alugar um Ferrari por algumas dezenas de euros/dia, uma casa no paraíso por algumas centenas, ou o arrepio de uma montanha russa por alguns cêntimos, pode-se até alugar um corpo inteiro masculino ou feminino! Mas quanto custa alugar o cérebro de um publicitário? Digamos um cérebro bem proporcionado com um IQ jeitoso e um EQ capaz de agradar ao António Damásio; um cérebro com uma quantidade de massa cinzenta capaz de resolver problemas com mais do que uma solução, com uma dinâmica entre o lado direito e o esquerdo que lhe permitem ser racional e também criativo e com uma velocidade de processamento superior a muitos gigas. Um cérebro deste tipo pode analisar uma marca, criar-lhe um posicionamento, definir uma estratégia a longo prazo, executar uma campanha de comunicação above, below e through the line, em menos de uma semana. Um cérebro destes trabalha 24 horas por dia com a dose certa de cafeína ou nicotina e ainda se mantém alerta e concentrado para fazer um brilharete numa apresentação, alternando habilmente entre o Power Point e o K-line. Quanto custa alugar um cérebro destes? Ou melhor, quanto custa alugar vários cérebros destes para pensarem numa marca e fazerem numa semana o trabalho de muitos meses? Senhoras e senhores: absolutamente nada. É grátis, dado, oferecido em cada concurso deste mercado. Quem disse que não há almoços grátis?”
Citando-me a mim própria, recupero este texto escrito há muito tempo – 12 anos e cinco meses para ser mais exacta. Desde então muita coisa mudou. Tinha que mudar claro, 12 anos e cinco meses são uma eternidade. E os tempos que passam correm à velocidade do Usain Bolt. Está tudo diferente: o above, below e through the line morreram para dar lugar ao offline e ao online, ao content e ao branded entertainment; o keynote foi inventado e arrumou o Power Point. Já não se colam maquetas em K-line, o que é muito melhor para o ambiente e a nicotina é cada vez menos usada nas noitadas, o que é muito melhor para a saúde. É verdade que se calhar agora são precisos milhares e não centenas para alugar uma casa no paraíso, mas também é verdade que um corpo masculino ou feminino não são hoje em dia as únicas opções possíveis, o que demonstra a enorme evolução que aconteceu nesta dúzia de anos. Realmente, o tempo passa e tudo muda: agora já ninguém diz concurso, mas sim consulta ao mercado. Ou pitch.
Texto: Judite Mota
Directora criativa Young & Rubicam Redcell