Quando o barato sai caro: O impacto dos concursos nas agências

Num mercado cada vez mais competitivo, as agências de meios, as criativas e as de comunicação “contornam e passam por cima de um elefante de grandes dimensões, confortavelmente sentado no meio das suas salas”: os concursos.

É inegável a importância que, atualmente, as agências têm para as empresas. Seria, por isso, expectável que essa relevância fosse reconhecida, até porque empresas e agências deveriam ter uma relação estreita. Mas, se assim é, por que razão se lançam concursos em que se convida um conjunto alargado de agências? Será que as marcas procuram muitas ideias e soluções? Ou tudo não passa de uma questão meramente financeira?

O terceiro debate da 23ª conferência da Marketteer – que decorreu no Centro de Congressos do Estoril, no dia 19 de novembro – lançou a questão.

À conversa com Ricardo Florêncio, CEO do Multipublicações Media Group, estiveram Bernardo Rodo, Managing Director da OMD Portugal, Luísa Manso, Diretora de New Business Development da WY Creative, e Pedro Rodrigues, Diretor-geral da Desafio Global Eventos.

A relevância das agências nas empresas

Luísa Manso não tem dúvidas em relação à importância que a sua agência tem para as empresas com quem trabalha. O problema surge com as novas marcas, eventuais parcerias, potenciais novos clientes: “Muitas vezes somos chamados para um Pitch [apresentação de uma ideia] e sentimos uma certa falta de estrutura, briefings pouco preparados, pouco profundos. E desta forma acho que era muitíssimo importante perceber como é que conseguimos trabalhar com os nossos clientes, no dia a dia, de forma a abrir espaço, a criar condições para pararmos e pensarmos ‘onde é que estamos?’, ‘para onde é que queremos ir?’ ‘O que é que vamos construir para lá chegar?’. Isto, antes mesmo de lançar o concurso. No fundo, criar mecanismos que nos permitam construir uma relação e não partir para o divórcio.”

Para Bernardo Rodo, da OMD Portugal, nem as empresas nem as agências são culpadas da situação que se vive, o principal problema reside antes na indústria. “Nós temos que ter a perfeita noção que estamos a operar num mercado de plena concorrência. Portanto, não há um problema dos clientes ou das agências, mas da indústria e que tem que se resolver com a implementação de práticas que seriam, até, de senso comum,” indicou o Managing Diretor

O profissional assume que há clientes que reconhecem a relevância das agências no seu trabalho, mas há outros que não, e isso reflete-se a vários níveis como “a forma como os concursos são acompanhados” ou “como as agências são escolhidas”, contudo, lembra a responsabilidade das agências: “Estamos numa indústria de soft skills e, infelizmente, aconteceu, no decorrer do tempo, nós próprios desvalorizarmos aquilo que é a nossa oferta. Se nós não conseguimos fazer com que um cliente perceba esse valor, estamos a fazer um mau trabalho.”

E acrescenta que “há uma perceção de que o marketing é uma disciplina em que tudo é fácil”, em que o cliente “tem muito a dizer sobre o que é apresentado”, mas, e apesar de poder “interferir e influenciar”, tal “dilui o valor” que as agências trazem.

Por outro lado, quando se apresenta um concurso mobilizam-se muitos recursos. As empresas, porém, não têm noção ou não percebem os critérios que concorrer a estas ações implica.

Pedro Rodrigues, da Desafio Global Eventos, considera que toda esta questão é um tabu. E porquê? “Porque tem muito impacto no dia a dia das agências. Do ponto de vista da motivação e da sobrevivência económica.”

O diretor geral ressalva que não é contra os concursos. O que, de facto, é motivo de indignação é a forma como estas iniciativas se processam e que, na sua opinião, não são feitas de forma correta. É importante referir que existem concursos que envolvem sete, oito agências. Pedro Rodrigues considera que “um departamento de compras que contacta oito agências, ou está à procura do melhor evento ou do melhor preço”, logo, “há um paradoxo muito curioso que é, muitas vezes, o cliente não estar a procurar o melhor evento, mas a comprar o mais barato e a selecionar a agência mais incompetente”.

Já Luísa Manso destaca, e lamenta, o facto dos clientes não fazerem contas, acabando por levar a “uma relação desigual”, em que se sente também “alguma subserviência entre clientes e agências.”

Contudo, Bernardo Rodo não está totalmente de acordo com esta questão. “Acho que temos uma coresponsabilidade, sim. Há práticas erradas, mas considero que o cliente não tem que fazer as contas das agências, porque cada concurso é uma oportunidade. O problema é que eu tenho que ter um negócio rentável. Se o cliente tiver prejuízo, fecha a porta. Mas existe a ideia de que eu [agência] posso ter fees absurdos e não ganhar dinheiro. Só que eu sou uma empresa que entrega resultados no final do ano. Esta ideia de que os prestadores de serviços podem não ser rentáveis é um elefante muito grande.  E o que é que faço? Escolho caso a caso. Se eu não tiver a capacidade para o diálogo com os clientes e explicar que o que trago é difícil, então, estou a fazer um mau trabalho.”

Manual de boas práticas: sim ou não?

“Eu não participo em concursos com mais de três agências. Acho que é uma questão de respeito. O cliente tem que previamente conhecer as agências e não chegar a elas porque alguém as conhece”, esclarece Pedro Rodrigues e defende que deveria existir um código de conduta. Pode ser indicativo e não vinculativo e, eventualmente, setorial”, conclui.

Luísa Manso reconhece que um “Manual de higiene” para boas práticas seria muito bem-vindo. A diretora da WY Creative destaca ainda o lado pessoal que trabalhar para concorrer a estas ações tem sobre as pessoas. “É um momento, duas, três semanas da nossa vida, com um impacto e um stress inacreditáveis. E, tipicamente, essa pressa é associada a frustração e desconforto. Portanto, sendo que uma das nossas principais preocupações também é reter talento e ter pessoas com valo, temos também que olhar, e esse também deve ser o critério, no momento de decidir se vamos ou não a jogo.”

Bernardo Rodo concorda: “Há muitos países que têm códigos para as boas práticas. Mas, este é um mercado de concorrência. E, por vezes, tomamos decisões difíceis. Temos de ir a concurso para ganhar a cota do mercado, para evitar que concorremos dentro de uma área… consumimos mais concursos, mais stress na agência, mais tensão entre as equipas, etc.”

Em jeito de conclusão, Pedro Rodrigues assume que, muitas vezes, “os clientes não têm noção quando o processo é destrutivo e não construtivo” e, “mesmo aquele que ganhou a taça ou a bicicleta”, nem sempre é o melhor produto. “Por vezes, já foi tão destruído, do ponto de vista financeiro, que já não é para ninguém: nem para o cliente, nem para a agência”, remata.

Luísa Manso volta a destacar o facto de, antes de se partir para a fase do concurso, se dever tentar perceber ambas as partes. Bernardo Rodo concorda e deixa no ar uma questão para as empresas: “O que é que seria do vosso negócio se nós não existíssemos?”

Créditos: Foto de Paulo Alexandrino/Paulo Petronilho

 

 

 

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