Quando da ficção nasce uma crise: lições do caso Crock-Pot

Por Maria Eça, especialista em comunicação de crise e assuntos públicos da Llorente & Cuenca

Muito provavelmente, nenhum dos directores da reconhecida marca norte-americana Crock-Pot estava sentado à frente da televisão a ver o episódio “That’ll Be the Day” da série “This Is Us”, que no dia 23 de Janeiro bateu recordes de audiências nos Estados Unidos. Mas, seguramente, terão sido alertados nessa mesma noite para gerir a crise de reputação que chegava da fonte menos esperada. Dois dias depois, quando o episódio é transmitido em Portugal, a marca de panelas de cozedura lenta já tinha uma conta no Twitter e avançava com a campanha #crockpotisinnocent (“crockpot é inocente”).

O episódio revela como uma das personagens mais queridas da série dramática, Jack Pearson, morre num incêndio provocado por um curto-circuito numa panela de cozedura lenta. Embora o nome da insígnia não esteja visível no objecto usado na série, a marca Crock-Pot é a mais conhecida do mercado e a reacção nas redes sociais é imediata, como se da morte de uma pessoa real se tratasse e as Crock-Pot dos fãs da série pudessem incendiar-se da mesma forma.

A cena final deste episódio 13 dura um minuto. Foi quanto bastou para que, em poucas horas, a qualidade e segurança de um produto icónico nos Estados Unidos, presente no mercado há 50 anos, se evaporassem.

Primeira lição: todas as empresas são hipervulneráveis a uma crise. Além dos incidentes endógenos, que são provocados por situações da própria empresa, são cada vez mais os exemplos de incidentes exógenos, provocados por terceiros mas com efeitos directos e imediatos na empresa e respectiva imagem.

Atacar a crise onde nasce

A escuta activa das redes sociais para acompanhar o tom e os canais de conversação sobre o tema foi fundamental para a Crock-Pot poder enfrentar a crise da forma mais rápida e eficiente. A empresa começou por responder na página oficial no Facebook e com factos: “em quase 50 anos, e tendo vendido mais de 100 milhões de Crock-Pots, nunca recebemos queixas de consumidores semelhantes aos eventos de ficção retratados no episódio da noite passada. Na verdade, a segurança e o design do nosso produto tornam este tipo de situação quase impossível”. Depois, a marca teve de abrir uma conta no Twitter porque rapidamente percebeu que, neste canal, não possuía uma via própria para responder directamente às muitas questões sobre a segurança das panelas de cozedura lenta. O hashtag #crockpotisinnocent foi o lema escolhido para dar a volta à conversa e tentar que os clientes leais à marca se identificassem com a causa.

2.ª lição: Nesta sociedade hiperconectada, as empresas devem apostar na escuta inteligente das redes sociais porque, mesmo não estando presentes em nenhuma delas, podem ser mencionadas e atacadas. É importante liderar a resposta a partir do canal onde a crise surgiu e com o código de linguagem específico de cada uma, seja através de vídeos, fotos ou hashtags.

Humor, empatia e aliados 

Este trio de ferramentas foi posto em prática pela empresa em honra do “verdadeiro amor” dos fãs da série, recorrendo a um tom de humor e empatia para com o “herói morto”, ao mesmo tempo que reivindicava a segurança dos seus produtos.

Por outro lado, o produtor da série, Dan Fogelman, e o popular protagonista, Milo Ventimiglia, alinharam neste tom e contribuíram para a recuperação da confiança nas Crock-Pot, não só através das redes sociais mas também com um anúncio (feito em pouco mais de uma semana) no evento mais visto nos Estados Unidos, o Super Bowl, onde o actor brinca com as tradições à volta da famosa panela. Seguiram-se participações em programas de entretenimento, que aumentaram a notoriedade da campanha.

3.ª lição: Uma análise adequada do ambiente e das audiências ajuda a desenvolver uma boa estratégia de comunicação, onde o humor e a figura dos embaixadores, quando bem utilizados, também são válidos. As soluções podem ser inovadoras e nem todas passam pelos tradicionais e eternos confrontos nas redes sociais e nos media.

Por último, a grande lição continua a ser prevenir. É possível prever, registar e estar preparado para enfrentar a maioria dos incidentes com a rapidez que o contexto actual exige. Neste trabalho de prevenção, as marcas e empresas não devem ser tímidas ao pensar em cenários negativos. Afinal, basta uma panela pegar fogo numa série televisiva para surgir uma crise de reputação – e as primeiras 24 horas são cruciais para o sucesso da resposta.

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