«Qualquer pessoa pode fazer coisas maravilhosas mas nem todas devem abrir uma empresa»

Afinal, o empreendedorismo é ou não para qualquer pessoa? Em tempo de pandemia e de crise, multiplicam-se as mensagens inspiracionais que desafiam os portugueses a transformar os desafios em oportunidades, mas será que esta é uma capacidade ao alcance de todos? Fábio Rodrigues procura dar resposta a estas perguntas no livro “Na dúvida, não empreenda!”.

Trata-se de um relato pessoal do empresário que já foi executivo da Microsoft e director de Vendas da Nokia, no Brasil, estando actualmente a liderar a U5 Marketing – Designers as a Service. Somando todas as suas experiências, Fábio Rodrigues percebeu que ser empreendedor ou abrir uma empresa não é a mesma coisa e que há vários mitos associados a este tema que importa desconstruir.

«Empreender é, sim, para qualquer pessoa. Abrir uma empresa, não necessariamente», garante o autor em entrevista à Marketeer. De acordo com Fábio Rodrigues, «qualquer pessoa pode fazer coisas maravilhosas surgirem do nada, mas não quer dizer que todas elas devam abrir uma empresa». Por outro lado, todos podem ter ideias, melhorar produtos ou processos, por exemplo.

Empreendedorismo tem sido uma palavra repetida amplamente ao longo dos últimos anos. A buzz word transformou-se numa nova realidade de negócio?

Acredito que a primeira coisa que devemos fazer é diferenciar a palavra “empreender” do acto de “abrir uma empresa”. Empreendedorismo significa “fazer acontecer”, tirar uma ideia do pensamento e transformá-la em realidade. Desta maneira, empreender é algo que acontece há séculos, tanto abrindo empresas, como melhorando ideias, processos e produtos dentro de empresas já estabelecidas.

A “buzz word” apenas trouxe mais notoriedade ao acto de arriscar, lançar-se. Neste sentido, ela é muito positiva, mas tem sido mal interpretada de maneira geral, fazendo pessoas seguirem os sonhos “dos outros”… O que pode fazer muito mal. O meu objectivo é educar as pessoas a empreender sabendo o que estão fazendo, e não ensinar gestão.

E, afinal, o empreendedorismo é ou não para qualquer pessoa?

Qualquer pessoa pode fazer coisas maravilhosas surgirem do nada, mas não quer dizer que todas elas devam abrir uma empresa. Empreender é melhorar alguma coisa que já existe. Pode ser abrindo uma empresa nova, lançando um novo produto ou serviço, ou melhorando uma experiência.

O ideal é que a pessoa observe ao seu redor, dentro da sua zona de conhecimento, alguma coisa de que sinta falta e que poderia ser melhorada… A partir daí, verificar se mais pessoas também sentem aquele problema… E se pagariam por isso. Desta maneira, empreender é, sim, para qualquer pessoa. Abrir uma empresa não necessariamente.

Quais devem ser os primeiros passos de quem procura tornar-se empreendedor?

Saber fazer bem alguma coisa é diferente de saber administrar uma empresa. Então, busque novos conhecimentos de gestão para a sua área. E prepare-se para uma mudança de vida.

Eu gosto sempre de comparar as coisas para ficar mais simples. Por exemplo, se a pessoa quiser ser um “chef de cozinha”, o que é que ela deveria fazer? Estudar culinária, preparar pratos, perceber de alimentos, buscar matérias-primas, testar os pratos com a família e amigos e assim por diante.

Mas e se ela quiser “abrir um restaurante”, o que deveria fazer? Aprender sobre contabilidade, regras laborais, custos de arrendamento, concorrentes, mercado ao redor do seu negócio. Se o seu desejo é empreender, abrir um negócio, prepare-se antecipadamente para o dia-a-dia de ter uma empresa. Dinheiro, gestão, produtos, entregas, etc… Tanto quanto desenvolver a sua ideia.

No livro “Na Dúvida, Não Empreenda”, revela alguns dos principais erros cometidos no momento de empreender. Qual é que se destaca mais? Varia de área para área?

Acordar despedido todos os dias, sem salário, pode ser um grande problema porque a ansiedade cobra o seu preço. Ter sócios demais, saber administrar um orçamento, comprar café e material de escritório, contratar e demitir funcionários, montar cadeiras e limpar o próprio WC, dominar o modelo tributário, saber apresentar o seu produto são exemplos de tarefas reais do dia-a-dia de alguém que abre a sua primeira empresa e o maior erro que se pode cometer é entrar neste universo sem saber o mínimo sobre o que vem pela frente…

No livro, eu conto principalmente as coisas que aconteceram comigo (e que acontecem com toda a gente) que estão relacionadas com as dificuldades de começar um negócio pela primeira vez.

Vou fazer uma conta simples para demonstrar: um funcionário que custe 2.000 por mês custa, na verdade, 24.000 por ano e  100.000 de facturação que você tem que gerar para auferir um lucro líquido apenas para pagar aquele funcionário. Se a pessoa não sabe fazer esta conta antes de empreender, precisa de aprender.

E quais são os principais desafios sobre os quais ninguém fala?

Acho que o maior desafio é saber por que razão você que ser dono do seu próprio negócio. É para ficar rico? Difícil. É para ter mais tempo para si? Difícil. É para não ter mais chefe? Piorou.

Novamente vou dar um exemplo de fora. Qualquer um pode ser jogador de futebol. Basta treinar o suficiente e jogar, não é isso? Mas pergunto se toda a gente seria feliz acordando cedo para correr, treinar, sentir dores nas pernas, fazer fisioterapia, levar empurrões? Para alguns, isto pode ser um sonho; para outros, nem por isso.

Empreender não é abrir uma empresa, é gerir uma empresa… É ser contabilista, é gestão de funcionários, é acordar despedido todos os dias, é criar apresentações, é marcar reuniões… Enquanto cria o seu produto.

Abrir uma empresa é fazer muito mais do que colocar a sua ideia em prática… É algo muito arriscado, normalmente solitário e complexo. Então, se a pessoa tem uma ideia boa, ela pode executá-la dentro do próprio emprego, ou com ajuda de outras pessoas que realmente ficam felizes gerindo uma empresa.

Por outro lado, num tom mais positivo, quais podem ser os benefícios de empreender?

Sempre foi positivo! Nada pode ser mais positivo do que alertar alguém dos perigos antes da caminhada e mostrar alguns passos mais seguros.

Neste sentido, abrir uma empresa, gerar empregos, ajudar a comunidade e tornar-se independente de um emprego é o sonho de muita gente. Eu amo empreender e amo ser empresário.

Eu tenho uma rotina muito mais maluca do que tinha antes, mas adoro saber que posso criar coisas novas e testá-las rapidamente, com o apoio da minha sócia e dos nossos administradores e da nossa equipa.

Há um sentido muito especial de realização pessoal em fazer aquilo que se ama e ao mesmo tempo criar coisas novas. Eu gosto muito de saber que contribuo directamente para dezenas de famílias que são sustentadas pelos salários e oportunidades que geramos na U5 Marketing.

Tempo de pandemia pode ser tempo de oportunidade? Esta é uma boa altura para ser empreendedor?

A pandemia trouxe muitas novas oportunidades de negócios e matou algumas também… De tempos em tempos aparece sempre algo para nos lembrar o quão instável é este Mundo. Este é um óptimo momento para criar produtos e serviços adequados à realidade… Entregas, serviços online, arrendamento de equipamentos, comida, aulas online e mais uma infinidade de ofertas que podem gerar muito dinheiro se forem adaptadas às necessidades actuais, que no mundo da gestão se chama “adequação do produto ao mercado”.

Qual é o valor dos empreendedores para a economia do País?

Os empreendedores são os maiores geradores de emprego para qualquer país… São também os maiores geradores de novidades, que faz com que o Mundo evolua. A partir da necessidade de criar novas soluções, surgem evoluções.

A mente empreendedora, aquela que está sempre a avaliar as oportunidades ao redor, é o que movimenta a comunidade, gera riquezas e novidades.

A economia do país depende dos empreendedores e dos donos de negócios, daí a crucial ajuda que os governos estão a dar a estes empresários agora. Qualquer ajuda financeira oferecida para manter as empresas vivas e os empregos activos neste momento é mais barato para o país do que reconstruir tudo do zero.

Como é que a sua experiência contribuiu para dar vida a este livro?

Este livro foi 100% escrito a partir da minha experiência de sair do mundo executivo como ex-director de vendas da Nokia do Brasil para abrir a minha própria empresa com quatro sócios.

Tivemos um grande êxito inicial, facturando alguns milhões logo no início, mas a realidade não tardou a bater à porta…. Fluxo de caixa, gestão de funcionários, salários, regras tributárias, diferenciação de produtos, concorrentes… Tudo aquilo deixou-me bastante desconcertado e eu percebi que não seria tão fácil como falavam nas palestras dos palcos… Daí resolvi contar a minha história e oferecer as minhas dicas, para ajudar. A ideia não é desanimar, mas desiludir…. E ajudar, sempre.

Texto de Filipa Almeida

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