Pode um cheiro ser uma marca de cidade?

Pedro Pires

Pode um cheiro ser uma marca de cidade?

Cheira-me que esta crise só se resolve com criatividade. E que quando a criatividade nos bate à porta temos que estar preparados para perceber o seu valor. Por isso felicito a C.M. Lisboa por considerar que a promoção da marca de uma cidade se faz com o estímulo do seu tecido económico, cultural e social. O apoio à iniciativa Lisbon Week, criada pela XN Brand Dynamics, de Xana Nunes, é uma prova clara disso. A iniciativa teve o condão de animar Lisboa com a chegada do Outono, e criou a base para que a cidade tenha nesta iniciativa, ano após ano, uma plataforma privilegiada para se mostrar ao mundo e liderar em Portugal aquilo que se chama ter uma marca de cidade.

Uma marca de uma cidade não é constituída por um logótipo ou uma assinatura.

Uma marca de cidade terá de afirmar a cidade como plataforma giratória de pessoas, bens, serviços, valores, conhecimento e cultura. Em vez de mascarar a cidade, deverá contribuir para que esta seja, antes de algo físico ou visual, uma ideia.

É o conjunto alargado de promessas e ofertas que a cidade pode fazer organizadas numa temática conceptual bem definida, mas não monolítica.

A intervenção que a Ivity fez, no âmbito da sua participação na Lisbon Week, como responsável da Rota da Tradição, com curadoria de Carlos Coelho, foi mais do que uma participação num evento cultural da cidade. Foi um exercício de city branding. A intervenção Sniff Lisbon – Cheirinho a Lisboa pegou numa característica da cidade, algo que pertence à sua história íntima, glorificada em filme e em músicas, e transformou-a numa forma de contar essa história.

Cheira bem, cheira a Lisboa é uma das frases mais felizes de sempre acerca de uma cidade. Isto, porque a seguir a esta afirmação vem a pergunta: mas cheira a quê? E responder a esta pergunta é identificar tudo aquilo que contribui para que uma cidade seja o que é. Com uma base histórica, cria-se uma plataforma de identificação de tudo aquilo que se considera ter valor do ponto de vista de construção de uma grande identidade. E com isto ganhámos uma espécie de guia conceptual da cidade, capaz de a tornar interessante aos olhos dos outros e dos que nela vivem.

Para dar corpo a esta ideia, a Ivity escolheu os locais mais carismáticos (Velas do Loreto, Leitão e Irmão, Ginjinha, Sol e Pesca, Loja do Burel,

Aqueduto das Águas Livres) da Rota da Tradição que começava no Martim Moniz e se espalhava por algumas das artérias mais típicas e históricas da cidade. Instalou em cada um destes locais um nariz/instalação representativo daquele “cheiro” particular, homenageando a história, o comércio tradicional e o espírito de iniciativa.

Mas porque a cidade não se esgota no que existe, a Ivity decidiu homenagear todos os “cheiros” que ao longo dos séculos foram construindo uma memória e identidade colectivas.

Foram espalhados pela cidade mais de 400 narizes, com frases evocativas dos cheiros da história, dos costumes, da cultura, da alma lisboeta. Por detrás de cada frase há uma história, que constitui uma pequena parte da marca de Lisboa, que permite contá-la de uma forma original e cativante.

Para celebrar formalmente estas intervenções que a Ivity ofereceu à cidade, foi também criada uma exposição/instalação no Ivity Empty Room, um espaço de exposições e actividades que a Ivity utiliza para ocasiões especiais como esta. De todos os cheiros que a cidade tem escolhemos nove.

Para cada um foi criado um painel de azulejos, em cujo centro existe um nariz maleável que, quando apertado, liberta o cheiro correspondente. A cada um associa-se uma interpretação evocativa da sua natureza e significado.

O que resulta da experiência é Lisboa. Na sua imensa e incontável diversidade, poesia, criatividade, consciente que é esta criatividade que a vai colocar no mapa das cidades mundiais onde vale a pena viver e que vale a pena visitar.

Esta é a prova que se conseguem transformar aspectos culturais em poderosas valências de marca, democráticas, acessíveis e facilmente comerciáveis, com e sem aspas. Esta é a prova que não é no estóico caminho da austeridade paralisante que temos que viver, mas sim na estrada dourada da criatividade que, com as suas surpresas e peculiaridades, nos transporta para lá do que é habitual e nos faz descobrir valor onde não pensámos que ele existia.

Porque criar em crise não é uma questão de aproveitar oportunidades. É uma questão de construir oportunidades.

Texto Pedro Pires, Director criativo Ivity

Fotografia Paulo Alexandrino

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