Pode a privacidade coexistir com a personalização? Facebook e Google dizem que sim
Nos últimos anos, tem surgido cada vez mais regulamentação sobre a privacidade online, um pouco por todo o mundo, com o intuito de proteger os dados pessoais dos internautas; por outro lado, os anunciantes precisam de dados (o “novo ouro”) para aumentar o grau de personalização das suas mensagens publicitárias, chegando aos consumidores de forma mais relevante e eficiente. Para as gigantes tecnológicas Facebook e Google, estas não têm de ser duas forças antagónicas: as empresas garantem estar a trabalhar em tecnologia que promete aumentar a personalização dos anúncios, sem comprometer a privacidade de quem os vê.
Com efeito, medidas como o RGPD (Regulamento Geral sobre a Protecção de Dados), criado em 2018 na União Europeia, ou a California Consumer Privacy Act (CCPA), nos EUA, têm alterado as regras para as marcas e para as plataformas digitais. De acordo com Meera Krishna, responsável de Privacy & Responsible AI do Facebook, apesar de estas serem medidas positivas, «os pedidos constantes de consentimento não contribuem para uma boa experiência, nem para o utilizador nem para as plataformas, como o Facebook». Segundo a responsável, é expectável que, só este ano, entre oito e 14 países (sobretudo no continente asiático) criem regras específicas sobre a privacidade de dados.
Numa apresentação aos jornalistas, que decorreu online, Meera Krishna lembrou que o Facebook tem vindo a criar ferramentas que ajudam a explicar aos consumidores para que é que os seus dados são usados. É o caso da “Ad Preferences”, uma ferramenta de personalização dos anúncios, ou da “Off-Facebook Activity”, que mostra que outros sites estão a recolher informação sobre a actividade do utilizador, dando-lhe a opção de “desligá-los” da sua conta pessoal na rede social.
Mas o Facebook não quer ficar por aqui. De acordo com a maior rede social do mundo, a resposta para que a personalização e a privacidade possam coexistir está na utilização de privacy-enhacing technology (tecnologia de optimização da privacidade), isto é, tecnologia que minimiza a utilização e exposição de dados pessoais na internet.
Privacy-enhacing technology. O que é?
«É altura de desenvolvermos tecnologia que não nos obrigue a escolher entre personalização e privacidade», refere Ben Savage, engenheiro de software do Facebook. O responsável explica algumas das tecnologias de optimização da privacidade (algumas delas com décadas de existência) que têm vindo a ser desenvolvidas pelo Facebook, em conjunto com outros players da indústria, e que poderão ser uma realidade em breve:
- Secure Multiparty Computation (SMC): tecnologia de criptografia, criada na década de 1970, que permite agregar estatísticas sobre dados, mantendo-os privados. Quando aplicada ao marketing, permite que as marcas saibam, por exemplo, quantas pessoas assistiram aos seus anúncios e compraram os seus produtos, sem terem acesso aos dados. «Pode parecer magia, mas é matemática pura. Para dar um exemplo simples: temos um grupo de pessoas e queremos saber a sua idade média, sem que ninguém tenha de revelar a sua idade real. Ao invés de pedirmos a idade de cada uma, as pessoas pegam nesse valor e dividem-no em dois. Depois, pedimos a duas entidades que recolham metade dos números. No final, os números são somados e é feita a média», exemplifica Ben Savage.
- Blind Signatures: tecnologia que data da década de 1980 e que pode ser utilizada para combater a fraude publicitária. Em traços gerais, a ideia é que, quando alguém clica num anúncio exibido no Facebook, a rede social possa gerar uma assinatura anónima, que atesta que alguém clicou, efectivamente, no anúncio, mas sem revelar a sua identidade. «Esta funcionalidade dá-nos o melhor dos dois mundos: impede que haja falsificação, mas também protege a privacidade dos utilizadores», explana o engenheiro de Software do Facebook.
- On-Device Learning: as plataformas digitais, como o Facebook, combinam a informação da actividade que os seus internautas têm dentro da plataforma com o que fazem fora dela para criar uma imagem mais precisa das suas preferências e hábitos de consumo. Agora, a empresa de Mark Zuckerberg quer combinar estes dois padrões, sem trazer a actividade que existe fora da rede social para dentro da plataforma. Através da tecnologia On-Device Learning, toda a informação de actividade digital que acontece fora do Facebook ficará dentro dos dispositivos próprios do utilizador, maximizando a privacidade.
Estas e outras tecnologias têm vindo a ser desenvolvidas e discutidas em consórcios dedicados à internet, como o World Wide Web Consortium (W3C) ou o IAB Tech Lab, mas ainda não estão disponíveis para os anunciantes. «Acreditamos que não temos de escolher entre personalização e privacidade. A tecnologia actual dá-nos a possibilidade, enquanto indústria, de combinar os dois mundos. Isto vai requerer colaboração: não é algo que o Facebook possa alcançar sozinho e outras plataformas vão ter de integrar este tipo de soluções. Neste momento, o futuro é incerto, mas acreditamos que, se chegarmos a um consenso e trabalharmos para que isso aconteça, a privacy-enhacing technology é o futuro», conta Ben Savage.
Google lança Privacy Sandbox
Também a Google, que no início do ano passado surpreendeu com o anúncio de que iria eliminar as cookies digitais – que há mais de 20 anos permitiam aos anunciantes conhecerem melhor as preferências e comportamentos dos internautas – no seu navegador Google Chrome, garante continuar empenhada em defender a privacidade dos utilizadores.
Hoje, durante o Google Marketing Livestream 2021, a gigante tecnológica anunciou o lançamento da Privacy Sandbox, uma iniciativa de código aberto para desenvolver novas tecnologias centradas em técnicas de privacidade, como anonimização, agregação e processamento no próprio dispositivo. De acordo com a Google, este projecto foi desenhado para «suportar casos de uso específicos de publicidade, como anúncios baseados em interesses, medição e muito mais».
Texto de Daniel Almeida