Plágio ou insegurança?
Por João Cardoso, Brand strategist no erb’s creative studio
Por vezes questiono-me se as pessoas preferem ser acusadas de plágio, por oposição ao medo de serem julgadas pelos seus próprios conteúdos.
O ano 2021 está a chegar ao fim. E com ele fica mais uma enormidade de conteúdos, criados para uma outra enormidade de marcas de que não nos vamos sequer lembrar. Fica também uma enormidade (ainda maior) de conteúdos partilhados por todo o tipo de profissionais, de todo o tipo de profissões, em todo o tipo de redes sociais.
O que podemos esperar em 2022? Adivinhou! Mais do mesmo!
Eu, e acredito que outros profissionais ligados à comunicação, gostaríamos de poder dizer que vamos deixar de ver as mesmas publicações todos os dias, que vamos deixar de ver conteúdos lançados sem referências, que vamos deixar de ver conteúdos furtados (seria preferível produzir conteúdos medíocres).
Mas não passa de um desejo. Tal como todos os anos desejo que o meu gato passe a usar botas, o chapéu do António Banderas e que saque uma espada para cortar os enchidos na ceia de Natal ao ritmo da “Canción del Mariachi”.
Note que o facto de ser apenas um desejo não quer dizer que não possa insistir nele. Então é isso mesmo que desejo este ano. Sim, a parte do gato também.
Eu diria que todo este “lixo intelectual” que é constantemente lançado para as redes sociais e, atenção que eu próprio também digo algumas coisas que nem eu percebo, é uma consequência da ânsia pelos resultados.
Resultados, resultados, resultados, rsoledatus… (Se vir isto com o seu lado criativo, talvez possa imaginar um stick-man a correr e a espalhar-se ao fim da terceira vírgula).
Queremos ser os melhores em tudo, o segundo lugar não é opção! E está tudo bem com isso, quem sou eu para dizer o contrário?! Não me parece é que replicar os mesmos conteúdos que outros milhares de pessoas já publicaram, ou apoderar-se de outros sem creditar os autores, seja a melhor forma de o fazer.
Não é que não possa, está no seu direito. Mas acredito que esta pseudo estratégia só vai fazer com que se arraste para um lugar que nem na tabela classificativa consta.
Este tipo de abordagens faz com que da próxima vez que alguém se cruzar com algum dos seus conteúdos faça uma visita rápida à pesquisa de imagens da Google ou ao plagium.com. Assim, de repente, julgo que com essa postura, por muito que queira, “nunca” chega a ser autêntico.
O livro “A nova inteligência”, de Daniel Pink, foi publicado há 15 anos e traduzido para português, salvo erro, em 2017. Já passaram cinco anos desde que retirámos a barreira linguística da equação e ainda estamos a anos-luz de alguns dos conceitos mais básicos. Isto para não dizer que não aprendemos nada.
Seth Godin, vem este ano explicar-nos no livro “Processo Criativo” a importância do foco no processo e da impossibilidade (em maiúsculas) de garantir resultados. Ora bem, aqui abordamos duas coisas que podem divergir um bocado do foco inicial, mas que ao mesmo tempo convergem para a mesma consequência. Confuso? Também me pareceu. Mas não vou mudar porque foi autêntico!
Então, Daniel Pink diz-nos que estamos numa era conceptual, uma era em que valorizamos muito mais temas como bem-estar subjetivo, soft skills, pensamento criativo e outras coisas assim. Seth Godin diz-nos que o processo criativo se baseia obviamente no processo e não nos resultados. E o dicionário da língua portuguesa diz-nos que um processo é um conjunto de manipulações para obter um resultado (se acha que peguei na definição que mais me convém para provar este ponto, tem toda a razão).
Ora, o processo implica um pensamento estruturado e racional que nos levará, em teoria, a uma ideia criativa (boa ou má é tema para outro artigo), que será depois racionalmente executada e produzirá um resultado incerto. O trabalho de uma equipa de comunicação é desenvolver o esqueleto do processo, preencher os espaços com estudos e análises racionais, acrescentar um toque de intuição que colheu no interior, adicionar adjectivos, catalogar emoções e lançar a peça de comunicação ao mundo.
Quando falamos de comunicação produzida por um único indivíduo, normalmente associada a uma marca pessoal, esta equipa de profissionais da comunicação está sentada numa sala de reuniões muito parecida à que encontramos no “Inside Out” (que, para quem não conhece, é um filme de bonecada para crianças, ou assim dizem), onde a equipa criativa são cinco seres emocionalmente desequilibrados (Alegria, Tristeza, Medo, Nojo e Raiva).
Agora que penso nisso, não é muito diferente de um departamento comum, mas avancemos. Lidar com uma equipa criativa pode ser complicado. Lidar com as emoções que nos levam a criar mais complicado é. Talvez a falta de autenticidade tenha que ver com a falta de referências, talvez tenha que ver com preguiça. Com algum grau de certeza, tem que ver com insegurança. Com um grau de certeza maior, tem que ver com a equipa criativa interior.
Freud tenta explicar isto através da teoria da personalidade que envolve o ID (a que vou chamar de animal primitivo), o Ego (a mãe racional) e o Super-ego (o pai rígido e proibitivo). Eu preferi recorrer a um filme onde há um elefante cor-de-rosa.
Mas, bem, agora que já percebemos o que está a provocar todo este “lixo intelectual”, já podemos fazer alguma coisa para mudar isso.
Fun Facts
– Não tem mal nenhum se alguém não gostar de si, ou do seu conteúdo;
– Ninguém lhe vai bater se se enganar;
– As críticas custam um bocadinho de ouvir, mas dói mais se lhe atirarem pedras à cabeça;
– O seu melhor trabalho hoje vai ser o seu pior no próximo ano;
– Criar dá trabalho, mas dá mais prazer;
– Se tiver um gato, ele não vai usar botas (se não percebeu esta, tem de voltar acima).
E é isto. Vem um bocado cedo, mas como já me sinto no fim de ano, decidi publicar agora. Vamos aliviar um bocadinho a pressão social imposta para podermos ter conteúdos melhores e partilhas mais interessantes no ano que se segue.
Ou se preferir a versão curta da mensagem para 2022: “Get your s*** together” — Rick and Morty