Pinker: O reflexo de um Estado que falha em proteger as Mulheres

Por Pedro Lourenço, Fundador do Portal da Queixa e CEO & Founder Consumers Trust

O recente surgimento de uma plataforma de transporte exclusivo para mulheres em Portugal, a Pinker, que proíbe a presença de homens enquanto motoristas e passageiros, é um sinal claro de que algo está profundamente errado na forma como vivemos em sociedade. Por um lado, é impossível não sentir empatia e compreensão pela necessidade de criar um espaço seguro, que surge como resposta direta ao medo e à insegurança que muitas mulheres enfrentam diariamente ao utilizar este tipo de transporte. Por outro, não posso evitar um profundo sentimento de vergonha, pois a sua existência é menos uma vitória e mais um reflexo do fracasso humano, especialmente masculino. Afinal, que tipo de sociedade força metade da população a criar espaços segregados para se sentir segura?

A necessidade de criar uma plataforma como a Pinker levanta questões muito desconfortáveis. Não podemos celebrar esta iniciativa como um motivo de orgulho ou inovação; é, antes, um reflexo de falhas profundas. O fracasso dos homens que insistem em não se comportar como seres civilizados. O fracasso do Estado e das instituições, que não conseguem garantir a segurança de todos os cidadãos. E o fracasso de uma sociedade que, em vez de atacar a raiz do problema, opta por remediar os seus sintomas, separando vítimas e agressores como se isso fosse uma solução. A segregação não educa, não transforma e não aproxima. Pelo contrário, reforça discursos de ódio, amplia a diferença entre géneros e dificulta a construção de uma sociedade baseada no respeito mútuo. A solução deve passar pela inclusão, educação e responsabilização, não pela exclusão.

Medidas como esta, embora compreensíveis, são discriminatórias. Substituem a insegurança feminina pela exclusão de género, o que contradiz o ideal de igualdade. Resolver problemas sociais com segregação é paliativo: oculta os sintomas, mas não trata a causa. Em vez disso, precisamos de soluções que promovam convivência e respeito.

Esta iniciativa surge numa altura em que as gigantes Uber e Bolt enfrentam críticas pela incapacidade de proteger adequadamente as passageiras. Ambas as plataformas já exploram funcionalidades semelhantes noutros países e poderão ser forçadas a seguir o exemplo em Portugal, para não perderem mercado. A Bolt, por exemplo, anunciou um investimento de 100 milhões de euros em segurança, e a Uber destaca os seus “padrões de segurança exigentes”. Contudo, estas medidas parecem ser apenas reativas à pressão para salvar mercado e imagem pública. A insegurança das mulheres em transportes públicos ou privados não é um problema novo, mas continua sem solução. A pressão gerada pela Pinker pode ser um catalisador para mudanças reais, mas é essencial que essas mudanças não sejam apenas cosméticas.

A verdadeira solução para este problema passa por algo bem mais difícil e impopular: assumir responsabilidades. Os operadores de transporte, como Uber e Bolt, devem ser pressionados a implementar medidas reais e eficazes para proteger as passageiras. Isso inclui processos rigorosos de seleção e formação de motoristas, mecanismos de denúncia rápidos e confiáveis, e uma cooperação activa com as autoridades para monitorizar e punir comportamentos criminosos.

Também é necessária uma fiscalização mais apertada por parte do Estado e a aplicação de regras mais severas na atribuição de licenças TVDE. Se o sistema atual permite que agressores encontrem espaço para operar, então o sistema é tão culpado quanto os próprios criminosos.

Curiosamente, a chegada da Pinker será inevitavelmente alvo de críticas, principalmente de homens que se sentem ameaçados ou excluídos pela iniciativa. Mas esta reação só prova a sua necessidade. Afinal, a culpa da existência da Pinker não é das mulheres que procuram segurança, mas dos homens que criaram esse sentimento de insegurança. Se os comportamentos fossem diferentes, plataformas como esta seriam desnecessárias. Contudo, a Pinker tem o poder de forçar os gigantes como a Uber e a Bolt a agirem. Afinal, nenhum operador quer perder uma fatia significativa do mercado feminino. A concorrência é uma força poderosa e, neste caso, pode ser o catalisador que faltava para mudanças reais.

Por isso, sim, enquanto homem, aceito a crítica e celebro a chegada da Pinker. Mas também a encaro com ceticismo. Porque enquanto as mulheres precisarem de plataformas exclusivas para se sentirem seguras, estaremos apenas a contornar o problema, em vez de o resolvermos. A verdadeira vitória será quando não precisarmos de uma Pinker. E isso, caros leitores, exige muito mais do que criar uma plataforma exclusiva para mulheres. Exige coragem, responsabilidade e, acima de tudo, humanidade. Que tal começarmos por aí?