Os milhões da União Europeia serão suficientes para nos colocar na liderança digital do mundo?

Por Ana Bicho, CEO da Adclick

São milhares de milhões de euros, metas ambiciosas para cumprir até 2030, programas e estratégias que passam uma mensagem muito clara: a União Europeia (UE) quer ser líder em termos digitais e está disposta a usar vários meios para o conseguir.

Os cerca de 7.6 mil milhões de euros do Programa Europa Digital[1], com projectos nos domínios da supercomputação, inteligência artificial, cibersegurança, competências digitais avançadas e consolidação da utilização das tecnologias digitais, é apenas um dos exemplos. Até 2027, os cidadãos, mas sobretudo as PME, vão beneficiar de fundos para poderem fazer a chamada digitalização da economia e da sociedade.

A “bazuca” também tem o digital como um dos alvos primordiais: 20% das verbas do Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR) têm de ser investidos em iniciativas para digitalizar as economias dos respectivos países. Em Portugal, o Plano de Recuperação e Resiliência[2] aloca cerca de 2.5 milhões de euros para a componente da transição digital.

O Guião para a Década Digital[3] estabelece como objectivo concretizar a transformação digital da UE até 2030. O objectivo é que, em 2030, pelo menos 80% da população da UE tenha competências digitais básicas; que a computação em nuvem, Inteligência Artificial e grandes volumes de dados sejam usados por 75% das empresas; que o 5G seja “para todos e em toda a parte”[4] e que os serviços públicos estejam 100% online.

Como se chegará lá? Em 2021, apenas 56% dos habitantes da UE têm competências digitais básicas; as redes de capacidade elevada só chegam a 59% dos lares europeus; a utilização das tecnologias mais avançadas por parte das empresas está a aumentar, mas é ainda um terço do que se pretende.

Em menos de 10 anos há ainda um longo caminho a percorrer e muito investimento tem de ser feito. Uma urgência que, como a própria UE reconhece, se tornou maior com a pandemia e com as restrições e lockdowns que se seguiram.

Mas o que ficou também claro desde Março de 2020 é que na EU, e mesmo em cada país, as assimetrias são gigantes. Basta lembrar que, em certas zonas rurais, não existe cobertura de telemóvel ou internet. Dados da UE dizem que apenas 28% destas áreas têm acesso à internet. A isto soma-se outra realidade: muitas pessoas não têm acesso a serviços online por não terem conhecimentos técnicos ou meios para adquirir equipamentos. E estas são realidades que não podem ser ignoradas.

O investimento da UE no digital é, assim, uma tentativa para que o processo de digitalização não só avance, mas se mantenha imparável. Thierry Breton, comissário do Mercado Interno, foi explícito quando disse que «a Europa está empenhada em liderar a corrida tecnológica mundial»[5], mas admitiu também que é essencial «evitar que a Europa ocupe uma posição de grande dependência nos próximos anos», já que essa exposição à instabilidade mundial terá consequências sérias em termos de crescimento económico e de criação de emprego.

Os líderes europeus sabem que o preço a pagar pelo atraso na digitalização é pesado e, por isso, estão dispostos a investir os tais milhares de milhões, “obrigando” a que todos os Estados-membros intensifiquem esse esforço. A bem da economia e da coesão social.

Mas será esta a percepção das empresas nacionais? Depois do impulso gigante que foi dado pelos confinamentos, e em que muitos entraram apressadamente na era digital, qual é a estratégia para o futuro, se é que existe alguma?

Não basta ter um site e presença nas redes sociais para dizer que se está no mundo digital. Tal como não basta saber aceder ao email para garantir que existem competências digitais. Esta é uma verdade que temos de enfrentar. Ou arriscamo-nos a receber os milhões da “bazuca” sem os utilizar para, efectivamente progredirmos.

Implementar o digital apenas superficialmente, não aproveitando as suas vantagens e não sabendo como lidar com as suas ameaças será perder tempo. Há, por isso, um esforço que tem de ser feito não só para ampliar as competências digitais, mas também para valorizar quem as possui e pode ajudar neste processo.

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