Os dados são «uma dádiva» para os criativos

Na era da digitalização e dos algoritmos, será que os dados têm um efeito castrador sobre a criatividade? «Antes pelo contrário. Para os criativos, [os dados] são uma dádiva porque sempre tivemos dificuldades em medir o nosso trabalho. As ideias continuam a existir e vão ser sempre necessárias porque são o que traz o público para junto das marcas. Usando a data podemos falar directamente com as pessoas ou com um grupo», responde Luís Silva Dias (FCB International).

O tema, em jeito de provocação, deu o mote ao debate “Mad Man vs. Math Man: ideias vs. números”, organizado hoje pelo grupo IPG Mediabrands, na Pousada de Lisboa. Além de Luís Silva Dias, a mesa redonda contou com a participação de Luís Monteiro (Grupo Pestana), Teresa Burnay (Unilever), Tiago Phillimore (TAP) e Pedro Pina (Google), enquanto a moderação ficou a cargo de Rosália Amorim (Dinheiro Vivo).

Para Pedro Pina, o digital veio colocar a data no centro da discussão, mas a verdade é que os dados sempre foram utilizados pelas marcas e pela indústria criativa. «Nós sempre utilizámos data. Quando trabalhei em agências, sempre falei com os clientes sobre resultados, sempre tivemos focus groups e recebemos estudos da Nielsen. A diferença agora é que os dados estão mais acessíveis e em real time», afirmou. O responsável, que antes de ingressar na Google trabalhou durante muitos anos na McCann, acrescentou que o que o digital trouxe foi uma necessidade de adaptação por parte das agências de publicidade: «Sinto que há uma parte da indústria que está “chateada” com a data e consigo perceber porquê. Fomos treinados para contar estórias de uma determinada maneira, mas os dados vieram mostrar que afinal ninguém queria ver publicidade feita dessa forma. Hoje, as campanhas já não estão permanentemente a interromper a vida dos consumidores. Tivemos de mudar o storytelling para sermos relevantes porque captar a atenção do consumidor tornou-se algo completamente diferente.»  

Luís Silva Dias reforçou esta ideia, afirmando que «hoje, há uma conversa entre as marcas e as audiências e isso é benéfico para a indústria. Hoje, quem manda são os consumidores». Uma opinião secundada por Teresa Burnay, para quem os dados são um complemento à criatividade. «O que tínhamos até agora era uma equação com duas incógnitas: criatividade e investimento. Isto significava que quem investia mais, ganhava. Agora, quem vai ganhar no mundo da publicidade é quem tem mais dados», referiu.

A responsável da Unilever sublinhou ainda que esta nova equação obriga a que haja maior colaboração entre os clientes e as agências (sejam criativas ou de meios), numa mescla de especialidades que permitam casar o lado criativo com os números. E deu o exemplo dos hubs que existem em alguns escritórios da Unilever por todo o mundo, onde os criativos se podem reunir com os product developers e analistas de dados. «Nunca na vida lançámos produtos ou campanhas sem ter dados e muito consumer research por detrás. Agora conseguimos fazê-lo com maior rapidez e com uma precisão cirúrgica. É tudo decisivo com base em data: se um champô é feito a base de macadâmia ou coco ou se há uma referência que deve ser descontinuada», exemplificou.

Ou seja, cada vez mais, «a fronteira entre performance e branding está-se a esbater e isso é mérito das plataformas tecnológicas que permitem essa integração», conforme referiu Luís Monteiro (Grupo Pestana), acrescentando que, ao mesmo tempo que é mais difícil captar a atenção dos consumidores, quando somos bem-sucedidos «o prémio é muito maior». O gestor deu o exemplo do lançamento da marca Pestana CR7 Lifestyle Hotels, que inicialmente foi pensada para o target Milennial, mas que, com toda a comunicação que se gerou no meio digital, rapidamente captou a atenção de outros segmentos de mercado, como as famílias com crianças.

Tal como o grupo Pestana, também a TAP é um exemplo de uma companhia tradicional que tem vindo a adoptar processos digitais, até para se aproximar dos seus clientes. De acordo com Tiago Phillimore, o número de mensagens recebidas pela companhia aérea nas redes sociais está já a chegar ao número de chamadas telefónicas, enquanto o chat criado pela empresa permite captar quase dois milhões de euros por mês através da resolução de problemas de pagamento online, e «isso é importante ao nível de receitas mas também do serviço prestado ao cliente». A empresa tem vindo também a apostar em remarketing e marketing programático.

Houve outro ponto consensual no debate e que ajuda a reforçar a ideia de que criatividade e dados não são antagónicos, mas complementares: se a criatividade não tem limites, os dados têm. «Não há nenhum algoritmo que permita emocionar uma plateia e esse é um dado valioso para as marcas. É esse o limite dos números», concluiu Luís Silva Dias.

Texto de Daniel Almeida

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