“Operação Maré Negra”: A série ibérica que tem potencial para «chegar a 100 países»
Estreia hoje na plataforma de streaming Amazon Prime Video a minissérie “Operação Maré Negra”, uma co-produção ibérica que junta a produtora portuguesa Ukbar Filmes e a congénere espanhola Ficción Producciones, com o apoio da RTP e de um conjunto de televisões espanholas.
Composta por quatro episódios de 50 minutos, “Operação Maré Negra” é uma minissérie inspirada em eventos reais que conta a história do primeiro narcosubmarino (de construção artesanal) que foi interceptado na Europa quando transportava cerca de três toneladas de cocaína, com destino à Península Ibérica. Os actores portugueses Nuno Lopes, Lúcia Moniz, Luís Esparteiro, Tomás Alves e Adriano Carvalho fazem parte do elenco daquela que é a primeira série ibérica a integrar o catálogo da Amazon Prime Video – e com estreia marcada na RTP a 14 de Março.
Em entrevista à Marketeer, o realizador João Maia (que co-realizou a série), José Fragoso (director de Informação e Programas da RTP) e Pandora Cunha Telles (fundadora da Ukbar Filmes) abordam a importância do modelo de co-produção para o financiamento do sector audiovisual português e o crescente interesse das plataformas over-the-top (OTT) em produzir conteúdos no País. Estes dois factores, acreditam, permitirão de forma gradual colocar novamente Portugal «num eixo internacional de produção de ficção», tal como na década de 80 e 90 do século passado.
Além disso, admitem que a série, que foi rodada em Espanha e no Norte de Portugal – Ponte de Lima, Viana do Castelo, Ponte da Barca, Vila Nova de Gaia, Águeda, Gondomar e no Porto – poderá vir a ser distribuída em cerca de 100 países por todo o mundo. “Operação Maré Negra” conta ainda com o apoio do PIC Portugal.
O que convenceu a RTP a apostar e investir nesta história? E o que vem acrescentar à oferta do canal no segmento do entretenimento?
José Fragoso (JF): Este projecto apareceu na sequência de um outro projecto que a RTP teve com a Amazon Prime Video, que foi a série “3 Caminhos”. Para este segundo projecto (“Operação Maré Negra”) escolhemos uma história que tinha um elemento diferenciador, porque permitia-nos dar, pela primeira vez, o passo para uma série de acção pura. Nós nunca fazemos estas séries em Portugal, porque é muito mais fácil fazer uma comédia romântica gravada num jardim do que filmar carros e barcos em perseguição, com tiroteios à mistura. Tudo isso é bastante mais caro.
E este projecto, apesar de curto (apenas quatro episódios), tinha essa diferença em relação àquilo a que estamos habituados a produzir em Portugal, e que só foi possível com o envolvimento da Amazon e de um conjunto de televisões regionais espanholas, porque teve uma escala de financiamento muito superior àquela que temos quando fazemos produções mais “domésticas”. Tudo isto seria impossível de realizar se fizéssemos uma produção unicamente nacional.
Por outro lado, deu à RTP a oportunidade de estar envolvida no primeiro projecto da Amazon Prime Video em Portugal. Já tínhamos estado envolvidos no primeiro projecto português da Netflix (“Glória”) e da HBO (“Auga Seca”). É muito importante que estas parcerias se concretizem para que Portugal entre num eixo internacional de produção de ficção, que hoje se estende ao mundo inteiro.
A série é lançada primeiro em Portugal, Espanha e Brasil, mas acredito que, pelo seu perfil e pelas reacções que tem provocado, poderá vir a ser distribuída em 100 países.
O modelo de co-produção é a melhor solução para o financiamento do sector audiovisual português e para podermos exportar os nossos conteúdos e talentos? Porquê?
Pandora Cunha Telles (PCT): Absolutamente. Até agora, temos feito um determinado género porque nos é acessível dado o financiamento que temos para os projectos. A partir do momento em que passamos a ter acesso a plataformas de streaming e OTT, passamos a aceder a um modelo de financiamento e a uma escala que nos permite sonhar com outro tipo de projectos e concretizá-los!
Vamos passar a ter, felizmente, uma maior continuidade no nosso trabalho – com equipas que vão passar a rodar mais –, projectos de maior escala, mas também vantagens em termos de internacionalização. Isso já acontecia nas novelas portuguesas, mas em termos de séries estamos a começar a dar os primeiros passos.
JF: E em termos de oferta para o público português, isto traz uma maior diversidade, que é o que queremos. Ao longo de um ano, fazíamos uma comédia familiar, um thriller, uma série mais juvenil, um “Pôr do Sol” (mais até para o digital)… Mas no género de acção ficava sempre um espaço em branco. E agora já podemos dizer que conseguimos fazer uma série de acção pura e dura.
Mas o que falta para consolidar Portugal como um destino internacional de excelência no segmento da produção audiovisual? Além do financiamento, há algum entrave cultural ou de mentalidade?
PCT: De forma alguma! Não nos podemos esquecer que na década de 80 e 90 Portugal foi um local de rodagens internacionais de excelência. Houve dezenas de séries e filmes rodados em Portugal.
O que aconteceu foi que por toda a Europa e pelo Mundo foram criados mecanismos de atracção de rodagens internacionais, através de cash rebate ou sistemas de incentivo fiscal, e nós perdemos o mercado quase na integralidade! Perdemos para Espanha, para as Canárias, Roménia, República Checa… onde havia incentivos fiscais de 30 ou 40%.
O sistema que foi estabelecido pelo Governo, primeiro de cash rebate e agora como um Fundo de Apoio ao Turismo e ao Cinema, veio permitir criar um sistema de incentivos fiscais para quem vier rodar em Portugal. E este sistema é acessível, quer para produtores estrangeiros quer nacionais em projectos superiores a 500 mil euros. Isto, a juntar ao trabalho feito pela Portugal Film Commission, é o que está a permitir um aumento das rodagens em Portugal.
E não é apenas o investimento que é importante, em termos do dinheiro que fica cá, mas também o know-how que estas pessoas trazem e que é transferido para as equipas portuguesas.
Por que é que ainda não estamos na crista da onda? Porque implementámos um instrumento de incentivos fiscais, mas depois “morremos na praia” porque tivemos dois anos de pandemia. Mas este ano já se nota o incrível efeito de atracção destas rodagens que são super saudáveis para o mercado audiovisual e cinematográfico.
Quais os principais desafios de criar uma co-produção a esta escala? Que sinergias foi possível criar?
PCT: Primeiro, tem de ser um projecto que faça sentido em termos de co-produção. Depois, um dos principais desafios é como integrar criativos, actores e elementos técnicos de uma forma que funcione. Conseguir compreender, muito cedo no processo, quais os elementos portugueses, quais os elementos espanhóis, e como dar forma a tudo isto, foi o grande desafio desta história.
João Maia (JM): Na equipa portuguesa tivemos elementos da maquilhagem, som, iluminação, realização e produção.
Houve alguns desafios, desde logo porque a série começou a rodagem com um episódio que é todo passado dentro do submarino, onde estão três pessoas a atravessar o Oceano Atlântico. Foi muito duro para os elementos portugueses (actores e técnicos) que estavam nessa rodagem, porque tínhamos de ter água a cair dentro do submarino, e portanto estiveram quase 15 dias dentro de água, numa piscina dentro do estúdio! Tecnicamente, começaram talvez pela parte mais dura de todo o processo.
Normalmente, é melhor para um realizador começar com as personagens a serem formatadas fora do “clímax” da série, portanto do início tive as minhas dúvidas, mas vendo o resultado final não há dúvida de que foi uma escolha engenhosa, porque no fundo é a parte mais original da história.
PCT: E construímos este submarino de raiz e depois andámos a movimentá-lo entre a Galiza e Portugal! Foi um desafio enorme, até porque rodámos parte da minissérie em Portugal e outra parte em Espanha, mas a equipa foi sempre a mesma – sendo que cerca de 25% dos elementos eram portugueses. Isto traz também uma grande capacidade de evolução, até porque nós não trabalhamos tanto este género (narcothriller), que tem muitos elementos diferentes em termos de realização.
Texto de Daniel Almeida