Olson & Draper

David Droga, Dan Wieden, John Hegarty, Alex Bogusky, Bill Bernbach, David Abbott. Quando penso em heróis publicitários, rendo- me às evidências e lembro-me de um monte de nomes de homens. E da Peggy Olson, a redactora chefe de Mad Men. Convido o leitor publicitário a fazer o mesmo exercício e a corrigir-me caso esteja enganada. Na história da publicidade o palco pertence aos homens, por muitas mulheres que ocupem o backstage.

Em Portugal, conhecemos algumas excepções que só confirmam a regra. Em Espanha o caso não é diferente, aliás é mais evidente por uma questão de escala. Falo do departamento criativo, claro. É comum uma mulher começar como planner e chegar a directora de planeamento estratégico, ou como planeadora e depois ser directora de uma agencia de meios, ou como account e chegar a directora-geral, mas sem ninguém saber bem porquê, uma mulher dificilmente chega a ECD de uma grande agência. Dizem as más línguas que é preciso ser um bocado homem para chegar a esse lugar. O problema pode começar nessa frase.

Talvez por isso, este ano, em Espanha, um grupo de oito directoras criativas lançou a plataforma “Más mujeres creativas”. Numa semana juntaram mais de 1000 mulheres à volta de um claim: “Tienes algunas posibilidades más de ser directora creativa que de que te parta un rayo.” Lançaram- se como um grupo fechado de Facebook, que entretanto se abriu a todos os que quisessem participar, homens e mulheres. Em três meses reuniram 4000 membros. Desde que nasceu, em Maio, “Más mujeres creativas” multiplica-se em iniciativas. No festivais, fazem pressão para que o número de juradas e palestrantes represente a diversidade da profissão (este ano, no El Sol, não havia uma única mulher no painel de oradores ou a presidir a um grupo de jurados).

Promovem sessões de portefólio para mulheres criativas orientadas por directoras criativas. Dão entrevistas nos meios e abrem fóruns de discussão nas redes sociais. Claro que nenhuma mulher pensa, hoje em dia, que os departamentos criativos lhe estão vedados. Entrar numa agência é relativamente fácil, desde que se tenha algum talento e disponibilidade para trabalhar muitas horas. Mas, por várias razões, as mulheres vão ficando pelo caminho, e poucas conseguem chegar a um lugar de poder e decisão. Em Espanha, esta plataforma identifica e denuncia os motivos: faltam referências femininas na profissão, falta “mentoring”, ou seja, orientação vinda das mais experientes, falta confiança, há problemas de conciliação com a vida familiar e, sim, a brecha salarial existe. Não é um problema para quem está a começar, confirma-se. É um problema para as mulheres ambiciosas que querem ter uma carreira longa.

Tenho assistido à actividade deste grupo com alguma curiosidade. Esta é uma luta nova para mim. Nunca, enquanto estive em Portugal, senti que perdia oportunidades na profissão por ser mulher. Pelo contrário, sempre associei as vitórias e os fracassos que fui acumulando às minhas qualidades pessoais (ou à falta delas), mais do que à porta da casa de banho que utilizo. Mas devo dizer que viver em Espanha e os anos de experiência me tornaram sensível à causa. E deixo o meu testemunho como uma das poucas directoras criativas a trabalhar no país vizinho. Eu tive a sorte de trabalhar, em Portugal, com duas directoras criativas mulheres que, cada uma no seu estilo, exerciam a liderança sem precisarem de ser um bocado homens. Tomando decisões, sendo exigentes, exercendo critério, muito dele baseado na justiça e no bom senso, premiando e apertando a corda quando deviam. Exigindo boas ideias e defendendo as melhores delas. Durante esse tempo, nunca ouvi um grito, um insulto ou uma humilhação pessoal, e mesmo assim ambas conseguiram ganhar a confiança dos clientes e construir reputação criativa para as agências que lideravam. É uma pena que mais gente nesta profissão não tenha a sorte que eu tive de ter bons exemplos de liderança no feminino. Não é preciso ser um bocado homem para liderar. Só é preciso liderar. Oxalá mais mulheres o queiram fazer, oxalá não desistam dessa ambição, e oxalá mais homens o deixem. Se tivermos mais mulheres directoras criativas, algumas delas poderão um dia fazer história. Acredito que assim o mundo será, no mínimo, mais justo.

Texto: Susana Albuquerque
Directora criativa DDB Madrid

Artigo publicado na edição n.º 241, de Agosto de 2016, da revista Marketeer.

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