O último dos Mad Men fecha a porta ou abre os olhos

susanaalbuquerque2Quem segue a série ‘Mad Men’ faz a seguin­te pergunta: ‘O mundo da publicidade mudou?’ Sim, drasticamente. Parafraseando o comentário tecido pelo sr. Ogilvy em 1968, os malucos volta­ram para as suas celas, pela morte ou pela refor­ma. É o reino da internet. Os jornais estão mortos ou moribundos. As revistas reduzem-se a olhos vistos. Os orçamentos da publicidade estão a ser cortados. A linha de fundo (será que a tradutora se refere ao below-the-line!?) passou a ser a única linha publicitária. Os redactores deram o seu lugar ao design, e a publicidade televisiva está a dimi­nuir porque todos os clientes procuram soluções digitais. Querem cada vez mais a um custo cada vez menor. Uma meia dúzia de estudantes com 19 anos da Escola de Artes Visuais de Nova Iorque pode desenhar e produzir em poucas horas uma campanha brilhante que outrora cinquenta criati­vos demorariam semanas de noitadas a produzir.”

Jerry Della Femina, 2010, em prefácio ao livro que escreveu em 1970 “From those wonderful folks who gave you Pearl Harbour”, e que agora foi traduzido pela Civilização como “O último dos Mad Men”.

Eu acrescentaria o seguinte (e Jerry, desculpa a audácia de querer completar o teu raciocínio):

Quem segue a série “Mad Men” em Portugal, em 2011, faz a seguinte pergunta: “O mundo da publicidade ainda faz sentido?”

Há hoje menos anunciantes em cada merca­do. Os últimos 10 a 20 anos têm sido pródigos em fusões, dos bancos às seguradoras, dos supermer­cados aos iogurtes.

Há menos anunciantes a fazer campanhas de mass media. Destes, só as telecomunicações e os supermercados estão sempre no ar com campanhas locais. Para todos, a media frag­mentou-se, já se sabe, os budgets e as cabeças também, o que no fim significa que as marcas desenvolvem agora um monte de acções inde­pendentes, que se arrumam em gavetas com etiquetas de nomes diferentes.

Há cada vez menos marcas a produzir cam­panhas locais: os últimos grandes anunciantes de imprensa, e falo apenas de revistas (por­que os jornais impressos já não os têm), são os carros, a cosmética, a perfumaria e os relógios. Nenhum destes mercados veicula campanhas feitas em Portugal.

Mas… (Jerry, desculpa o optimismo).

Há gente em Portugal que sabe fazer coi­sas bem feitas, e agora que cada vez mais se fala em comprar português e preferir o que é nosso, eu acrescentaria que há uma oportunidade úni­ca para sentirmos orgulho no que fazemos bem e para criarmos marcas a partir desses pontos de honra, por oposição a bajular tudo o que é estran­geiro só porque é estrangeiro.

Há gente em Portugal que sabe criar bons negócios que dão boas marcas (veja-se a Salsa, o h3, o Melhor Bolo de Chocolate do Mundo, a Ach Brito) e há gente em Portugal que sabe pen­sar marcas em grande (a Ivity acaba de ser pre­miada em Cannes pela nova marca da Sonae, só para dar um exemplo).

Há gente em Portugal que sabe usar a publi­cidade dos novos tempos. Temos hoje um monte de meios e técnicas que podemos usar para pro­mover as marcas. Estão arrumados em gavetas de especialidade, como internet, ponto-de-venda, criação de conteúdos, activação, aplicações para iPhones, mas é bom não confundir alhos com bugalhos, todas estas técnicas são formas de fazer publicidade. Todas foram inventadas para vender a marca, para fazê-la distinguir-se da concorrên­cia e da paisagem, como qualquer anúncio. Todas devem tocar sob a batuta de uma ideia de valor para a marca, deve ser esse pensamento a condu­zir a orquestra da comunicação. E isso é o que a boa publicidade sabe fazer.

Melhor ainda, os meios de produção dei­xaram de ser um problema. Aqui concordo com o Jerry, há um monte de gente nova a pensar e executar em casa, em pouco tempo e com poucos meios, música, filmes, fotografia, cinema, apli­cações interactivas. Já não é preciso uma sala de reuniões com 20 pessoas para começar a produzir um filme. Por muito ameaçador que seja para a indústria, isto é uma enorme oportunidade. Até porque há meios que permitem divulgar esse fil­me sem ter um budget do tamanho dos anos 90.

(Jerry, desculpa o pragmatismo, mas nos tempos que aí vêm, podemos não nos afogar em whisky e em cigarros, podemos prever muitas portas a fecharem, mas podemos imaginar outras tantas janelas a abrirem-se. Na nossa profissão, a isso chama-se criatividade.)

Nota
Foi o livro de Jerry Della Femina que inspirou a série de Donald Draper e da Sterling Cooper e o autor foi consultor técnico dos episódios. O livro é muito divertido e vale pela viagem ao delírio que era trabalhar em publicidade em Nova Iorque nos anos 60 e pela constatação de que há coisas que não mudam. Mas po­diam ter pedido a um publicitário para ajudar na tradução. Teria sido uma boa ideia.

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