O rei vai nu

susanaalbuquerque21Este ano, assisti ao festival de Cannes enquanto bebia cafés nas Amoreiras em vez de capuccinos na Croisette, e acabei a comparar a premiada campanha do Obama com as campanhas da Manuela Ferreira Leite e do José Sócrates. Fiquei cá a assistir ao festival no meu portátil, e todos os dias via o melhor do mundo da publicidade, ao mesmo tempo que via a realidade da minha rua a partir da janela. Perdi o zeitgeist do Palais, as cervejas e as mules, mas acompanhei as premiações a zero euros no site do festival, e ganhei uma inédita vontade de escrever sobre marketing político. Sinal dos tempos.

Como é hábito recente, as expectativas estavam nos leões de Titanium, a categoria que premeia a publicidade mais inovadora à parte de qualquer disciplina ou meio, e que dita uma tendência que depois quase todos seguem. A campanha de Barack Obama ganhou o grande prémio, e este caso já inspira há alguns meses os partidos políticos portugueses, ao falar-se desde Maio de uma suposta obamização das nossas campanhas. Mas se é fácil imitar o acessório, é mais difícil imitar o essencial.

Tal como Obama e a sua eficaz e multi-premiada campanha web 2.0, em Portugal usam-se agora as redes sociais nas campanhas políticas a torto e a direito. Descobri o Hi5 da Política de Verdade, onde quase não há actividade. A falta de actividade mais emblemática é a zona de jogos onde se lê “política de verdade didn’t play any games yet”. O que é que eu imaginava para um hi5 da Manuela Ferreira Leite? Não faço ideia. O pior é que eles também não. Depois vem o Flickr. Páginas e páginas de fotografias da Manuela Ferreira Leite em reuniões, ora reunindo em U com uns senhores de fato cinzento, ora apertando a mão a outros senhores de fato azul escuro. As legendas são por demais repetidas e não acrescentam muito. Ferreira Leite nas Jornadas da Verdade sobre a saúde. Ferreira Leite no Fórum Portugal de Verdade. Por aí fora, em inúmeras conjugações sempre com a palavra verdade. Depois Sócrates. Primeiro o site, socrates2009.Pt, funcional e com um look muito pro, onde se rescrevem em versão do Governo as notícias que saem nos jornais e se promovem fóruns sobre tudo o que é tema. O site tem ainda uma área colaborativa bem feita, onde qualquer um pode partilhar fotos, textos e vídeos sobre o candidato. A grande inovação de José Sócrates é ter contratado a Blue State Digital, a empresa que fez a campanha on-line de Obama, e com eles ter decidido criar a sua própria rede social, a Mymov, uma rede de simpatizantes de Sócrates que promoverão on-line uma estrutura paralela de campanha. Mas na Mymov só se entra por registo, e para consultá-la temos que ser membros, coisa que eu não sou.

Ambos os candidatos têm perfis no facebook, o do Sócrates não serve para nada, para além de podermos ver a fotografia tipo-passe melhorada do dito. O facebook de Ferreira Leite permite-nos ver cada passo que a candidata dá na campanha. Informação mais informação mais informação ali não falta. Já emoção encontro zero.

Bebo mais um café e pergunto-me o que é que o Obama tem que os partidos portugueses não conseguem imitar. E até acho que, para um marketeer ou para um publicitário, é simples resumir numa palavra o que lhes falta. Falta-lhes produto.

Barack Obama é um produto político que representa esperança para muitos milhões de pessoas que a procuravam. Obama resumiu essa esperança num claim, “yes we can”, e num logotipo: o afro-americano que veio de baixo e sucedeu, numa América cada vez menos branca, carismático e capaz de tocar as pessoas através do discurso, o homem de família que nos fala sobre nós como se fosse um de nós. A estratégia de media e de auto-financiamento colaborativo foram estratégias eficazes decorrentes de um produto que muita gente queria comprar, porque conseguiram fazer chegar Obama aos lugares onde essas pessoas estavam. Mas acho que sem o produto Obama a media Obama serviria de pouco.

Da janela, vejo o panorama do marketing político português deslumbrado com os novos media, mas com pouco produto para oferecer. Por coincidência, no jornal “I” de hoje (17 de julho), vem um artigo interessante com o título “Eleições. O meu discurso é melhor que o teu. Mas é o mesmo.” A peça compara os discursos para as legislativas do PS e do PSD na última década. “Política de verdade” e “deixem-nos governar porque não há alternativa” são as ideias-chave de ambos nos últimos 10 anos. Mas os dois discursos alternam entre os dois partidos, consoante um ou outro esteja no poder. “Do que o país precisa é que lhe falem verdade” era o discurso do Sócrates em 2004.

Em 2009, a única novidade é mesmo a utilização da media. PS e PSD são, com as suas estratégias de campanha nas redes sociais, como o turista deslumbrado que chega ao pequeno-almoço do hotel e leva tudo para a mesa, o bacon, os ovos, as salsichas, os bolos, os queijos e as compotas, mesmo que o estômago dele só aguente diariamente uma tacinha de all-bran. Consigo ver Barack Obama a entregar esperança em todas as redes sociais onde está presente, mas vejo os candidatos portugueses a entregarem muito pouco de nada, para além de agendas políticas, fotos quase oficiais e espaço para discussão. Falta ali produto. Com isso quero dizer que falta originalidade de pensamento e discurso, falta a audácia de ser diferente e relevante para as pessoas. Falta um toque humano. Não é isso que procuramos em qualquer produto? Os meios, mesmo os mais novos e mais originais, são apenas meios.

Agora o café está no fim. Bebo o último golo que é mais doce que os outros porque é o fim da chávena, e penso que, no marketing político como no marketing em geral, vale a pena gastar mais tempo e investimento a encontrar o produto certo. O resto vem depois, e já ninguém duvida que os meios disponíveis para chegar às pessoas são cada vez mais, e estão mais acessíveis.

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