O que vai mudar no consumo de media no futuro

Por Vítor Dourado, Chief Investment Officer do Havas Media Group Portugal

O futuro do consumo de media está a ser moldado a um ritmo muito acelerado e, com a evolução constante dos serviços de streaming, as inovações na publicidade digital e a ascensão do áudio, 2024 irá certamente testemunhar mudanças significativas no sector. As questões são muitas e as respostas meramente especulativas, mas é certamente interessante teorizar sobre o futuro de um panorama que junta hoje mais alternativas do que nunca.

Quando pensamos no padrão do consumo diário, os motores de busca e as redes sociais continuam na liderança, mas podemos estar a assistir a uma nova tendência onde as últimas tendem a roubar algum espaço às primeiras com as plataformas sociais a serem cada vez mais vistas como um motor de busca do consumidor para contactar com as marcas e, inclusive, estabelecer a relação total com as mesmas neste espaço. Com o consumidor a procurar um contacto facilitado, o social commerce tem potencial para monopolizar cada vez mais os utilizadores e o próprio retail media poderá vir a ocupar parte deste território, cobrindo o funil de conversão desde a pesquisa até à compra.

Também no que se refere ao entretenimento, um aspecto que tem ganho cada vez mais relevância na indispensabilidade dos media para os consumidores, as redes sociais continuam certamente a marcar liderança nas preferências do público, com os serviços de streaming a ganhar também uma crescente pujança no paradigma dos meios de comunicação. A preferência pelo streaming on-demand continua uma tendência em crescente evolução, com cada vez mais espectadores a optar por experiências de conteúdo personalizado onde o consumidor vê o que quer, quando quer. Mas as plataformas de streaming não são apenas o futuro do entretenimento, estão igualmente a tornar-se fortes actores no mundo da publicidade. À medida que continuam a acumular dados sobre o comportamento e as preferências dos utilizadores, desafiarão as plataformas de publicidade tradicionais, oferecendo opções mais personalizadas e eficazes.

O Playce é um exemplo da eficácia desta publicidade mais direccionada e está preparada para ser um dos maiores factores de mudança do paradigma no próximo ano. Trazendo a possibilidade de publicidade segmentada para a televisão, a plataforma permite ao anunciante garantir que o seu anúncio é apresentado num intervalo exclusivo, sem possibilidade de avançar, antes da visualização de um programa seleccionado pelo espectador.

Este novo formato publicitário em televisão espelha as funcionalidades de segmentação avançada do ambiente digital, possibilitando às marcas que seleccionem o tipo de audiência e conteúdos a que estão associadas, os horários, a localização geográfica, entre outros aspectos, culminando numa publicidade altamente direccionada e uma estratégia mais eficaz e com maior retorno de investimento. Esta segmentação é conseguida através de análise de dados avançados, um aspecto cada vez mais relevante e algo que promete modificar o panorama da publicidade à medida que se percebe que a publicidade direccionada é mais eficaz que a publicidade tradicional.

Não obstante, perante um contexto no qual os consumidores procuram a contenção de custos extra, os serviços gratuitos ou com desconto de streaming de TV suportados por anúncios têm vindo também a ganhar mais espaço. Os chamados canais FAST (Free Ad-Supported Streaming TV) oferecem aos espectadores uma infinidade de conteúdos gratuitos em troca de anúncios, num processo semelhante à televisão aberta, mas em formato de streaming. O desafio para estes canais será equilibrar o rácio dos anúncios com a satisfação da experiência do espectador, para que não exista uma saturação face ao conteúdo propriamente dito.

A ascensão das Connected TV’s (CTV) e das opções Over-the-top (OTT) tem também criado uma maior competição com os canais de TV tradicionais e os canais por cabo, o que tem levado ao fenómeno conhecido como “cord-cutting”, ou seja, a tendência crescente para os clientes cancelarem as suas assinaturas tradicionais de cabo e satélite em favor da utilização exclusiva destes formatos de streaming ou Vídeo-on-demand (VOD).

À medida que estas alternativas ganham proeminência, os canais tradicionais de televisão aberta terão de se adaptar e inovar para manter a sua audiência e combater a tendencial perda de quotas. O grande desafio para estes canais free to air, será apostar em inovação e qualidade de conteúdos para fazer frente a catálogos mais vastos nas plataformas de streaming. O lançamento de canais FAST por parte da Impresa e da Media Capital, além de outras soluções OTT que disponibilizam aos consumidores, são exemplos desta aposta. Nada que não tenha sido já feito por outros meios como a rádio, cuja morte já foi anunciada inúmeras vezes, mas que tem tido a capacidade de se reinventar e aproveitar as tendências, como a ascensão do áudio, para voltar à corrida.

Com audiências crescentes e níveis recorde de consumo, a indústria da rádio tem vindo a adaptar-se à paisagem em mudança, tirando partido das tendências crescentes no consumo de conteúdos audiovisuais e na aposta para tecnologia e equipas especializadas, com estações a contratar inclusive criadores de conteúdos para enriquecer e adaptar conteúdos para várias plataformas. Na verdade, todas estas plataformas de consumo podem potenciar-se umas às outras: muitos dos podcasts que têm ganho interesse junto dos ouvintes e que passam a ser transmitidos em plataformas de streaming são originários de programas de televisão ou parcerias com a rádio, pelo que os media tradicionais devem olhar para o panorama actual e perceber as oportunidades de se adaptar e tirar partido do crescimento destas plataformas.

O mesmo se passará com a imprensa escrita. A ascensão da presença dos jornais nas redes sociais une-se ao crescimento sólido da imprensa digital alimentando cada vez mais o ecossistema da informação digital e a imprensa em papel vai-se mantendo no cenário com algum esforço. Será interessante observar, num panorama onde as grandes tendências são o vídeo e o áudio e onde o entretenimento ganha força no que toca às preferências dos consumidores nos media, qual será o papel da imprensa nesse futuro e se terá a mesma capacidade para se reinventar num contexto competitivo onde a oferta é cada vez maior e dinâmica.

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